Artigos e Opinião

Editorial

Lei Seca: a morte causada pela omissão

É preciso dizer: por trás de cada tragédia provocada por embriaguez ao volante há também uma ação ou uma omissão do poder público, responsável pela fiscalização

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Uma lei só ganha vida quando há fiscalização. No papel, qualquer norma pode parecer exemplar, moderna, eficiente. Porém, na prática, ela só se transforma de fato em um instrumento de mudança social quando é acompanhada de ações firmes que forcem o seu cumprimento. Não basta existir uma regra, é preciso fazê-la valer. E mais: é a fiscalização constante que molda o comportamento coletivo e torna socialmente inaceitável o descumprimento da lei.

Nesta edição, publicamos uma reportagem que escancara um drama já antigo e ainda sem solução eficaz: aumentaram as mortes no trânsito provocadas por motoristas alcoolizados. Trata-se de um retrocesso lamentável, especialmente em um país que já viu campanhas educativas impactantes e medidas legislativas rigorosas – como a chamada Lei Seca – entrarem em vigor com apoio popular. 

O problema, no entanto, não é de legislação, mas sim de ausência de fiscalização.

Beber e dirigir, infelizmente, ainda não é encarado como comportamento socialmente reprovável por boa parte da população. O indivíduo que se senta ao volante após consumir álcool não é imediatamente rotulado como um infrator perigoso, mas muitas vezes como alguém que apenas “cometeu um deslize”. Esse tipo de tolerância coletiva custa caro – e o preço são vidas humanas perdidas de forma evitável.

É preciso dizer com clareza: por trás de cada tragédia provocada por embriaguez ao volante há também uma ação ou uma omissão do poder público. A autoridade pública tem a responsabilidade de criar as condições para que a lei seja cumprida. No caso da Lei Seca, isso se traduz em fiscalização ostensiva, blitzes frequentes e punições exemplares. E ao contrário do que se costuma argumentar, não são necessários investimentos vultosos para isso. Trata-se, sobretudo, de prioridade e coordenação.

O mais interessante (e trágico) é que a efetiva fiscalização da Lei Seca traz um efeito colateral positivo: o respeito às demais leis. Quando a população percebe que há tolerância zero para um tipo de infração, entende que o mesmo padrão pode ser esperado em outras esferas. É o fenômeno da legalidade contagiosa: quanto mais o cidadão vê regras sendo obedecidas e punidas com rigor quando violadas, maior é a adesão espontânea às normas. 

O oposto também é verdadeiro: a negligência generalizada reforça a cultura da impunidade.

Portanto, não basta lamentar os números, é preciso encarar a responsabilidade institucional por essa epidemia de mortes evitáveis. Enquanto beber e dirigir continuar sendo tratado como algo trivial – social e legalmente – estaremos todos, como sociedade, sendo coniventes com o risco que circula diariamente pelas ruas e estradas do País.

Uma nação que falha em proteger seus cidadãos do que é previsível e recorrente falha no mais básico dever civilizatório. A Lei Seca existe. Mas o que falta, infelizmente, é quem a faça valer todos os dias.

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EDITORIAL

É preciso passar um pente-fino na Cosip

O que a sociedade exige e com razão é transparência permanente sobre a aplicação da Cosip. Trata-se de uma contribuição pesada no bolso do contribuinte

20/12/2025 07h15

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A deflagração da Operação Apagar das Luzes, nesta sexta-feira, pelo Grupo Especializado de Combate à Corrupção (Gecoc) do Ministério Público de Mato Grosso do Sul (MPMS), é mais um daqueles episódios que deixam claro que a iluminação pública de Campo Grande guarda muito mais sombras do que se imaginava.

E, ao que tudo indica, ainda há muito a ser revelado sobre contratos, cifras e responsabilidades envolvendo um serviço essencial para a cidade.

Campo Grande figura entre os municípios que mais arrecadam no Brasil com a Contribuição para o Custeio do Serviço de Iluminação Pública (Cosip). Trata-se de uma arrecadação robusta, bilionária ao longo dos anos, paga mensalmente pelo cidadão na conta de energia elétrica.

Ainda assim, a realidade vista nas ruas é contraditória: bairros inteiros convivem com postes apagados, avenidas mal iluminadas e áreas que se tornam vulneráveis à criminalidade justamente pela ausência de luz.

A investigação que apura fraudes estimadas em R$ 62 milhões lança uma pergunta inevitável: como é possível faltar iluminação em um município que arrecada tanto?

Reportagem publicada pelo Correio do Estado no ano passado mostrou que a Cosip de Campo Grande superava, à época, a arrecadação de Curitiba – cidade com mais que o dobro da população. Mesmo assim, a capital sul-mato-grossense convive com um serviço precário e reclamações recorrentes da população.

O mais preocupante é que essas suspeitas de irregularidades surgem em meio a um discurso constante de crise financeira propagado pela administração municipal.

Se confirmadas, as fraudes não estariam ocorrendo em um cenário de escassez, mas sim em um verdadeiro manancial de recursos. Isso agrava ainda mais o quadro, pois revela que o problema pode não ser falta de dinheiro, mas falhas graves de gestão, fiscalização e zelo com o dinheiro público.

É legítimo esperar explicações detalhadas sobre os contratos firmados, os critérios de pagamento e a execução dos serviços. Mas isso, por si só, não basta. O que a sociedade exige – e com razão – é transparência permanente sobre a aplicação da Cosip. Trata-se de uma contribuição pesada no bolso do contribuinte, que deveria retornar em forma de ruas iluminadas, mais segurança e melhor qualidade de vida.

Nesse contexto, o trabalho do Gecoc merece reconhecimento. Mais uma vez, o MPMS cumpre seu papel institucional de investigar, cobrar respostas e iluminar áreas em que a administração pública falhou.

Combater a corrupção não é apenas punir culpados, mas também criar condições para que os serviços públicos funcionem melhor e com mais eficiência.

Iluminação pública não é luxo. É segurança, mobilidade e dignidade urbana. Se há dinheiro sobrando e luz faltando, algo está profundamente errado – e precisa ser corrigido com urgência, transparência e responsabilidade.

ARTIGOS

Redes sociais: o "estacionamento" da reputação corporativa

Qual é o limite entre a liberdade de expressão do trabalhador e a proteção da honra e da imagem empresarial

19/12/2025 07h45

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No ambiente corporativo contemporâneo, a fronteira entre opinião pessoal e responsabilidade profissional se tornou quase invisível. Com a hiperconectividade, qualquer manifestação nas redes sociais tem potencial para alcançar ampla visibilidade. Um único comentário ofensivo de um funcionário é capaz de comprometer a confiança interna, afetar a reputação da marca e desencadear litígios.

Quando as manifestações de funcionários ultrapassam o limite da crítica construtiva e se convertem em acusações ou declarações com potencial de impactar negativamente a imagem e a credibilidade da organização, abre-se espaço a um debate essencial: qual é o limite entre a liberdade de expressão do trabalhador e a proteção da honra e da imagem empresarial?

A repercussão, em casos como esse, costuma ser imediata. Colegas, clientes, fornecedores e demais parceiros têm acesso ao conteúdo, potencializando seus efeitos e ampliando o risco reputacional.

Qualquer que seja o caminho de resposta, a análise jurídica deve ser cuidadosa. A Consolidação das Leis do Trabalho (art. 482, alíneas j e k) prevê a possibilidade de dispensa por justa causa quando o empregado pratica ato lesivo à honra ou à boa fama de qualquer pessoa “no serviço”, especialmente quando dirigido ao empregador ou superiores hierárquicos.

A jurisprudência tem entendido que publicações em redes sociais podem produzir efeitos equivalentes aos de condutas praticadas no ambiente físico de trabalho, legitimando a aplicação da penalidade.

A Constituição Federal (art. 5º, incisos IV, V e X) assegura a liberdade de expressão, mas estabelece limites claros quando essa manifestação viola direitos relacionados à honra, à imagem e à dignidade. Já o Marco Civil da Internet reforça mecanismos de responsabilização de plataformas mediante notificação, permitindo respostas mais ágeis a conteúdos ilícitos.

Com a evolução da sociedade, a linha que separa opinião de ofensa se tornou cada vez mais tênue. A liberdade de expressão é garantida, mas não é absoluta: quando a crítica se transforma em injúria ou difamação, há quebra de confiança, podendo configurar justa causa, inclusive quando a conduta ocorre fora do expediente.

O desafio, agora, reside na interpretação. A definição do que constitui “crítica legítima” ou “falta grave” ainda é variável entre diferentes julgadores, o que aumenta o risco de reversão de penalidades, pedidos de indenização e danos à reputação corporativa.

Em um ambiente empresarial cada vez mais exposto ao escrutínio público, sobretudo nas redes sociais, torna-se imprescindível que as organizações adotem políticas claras, protocolos seguros de apuração e documentação robusta para fundamentar suas decisões e que as decisões e a gestão de tópicos sensíveis considerem estratégia, cautela e respaldo técnico.

Condutas inadequadas de colaboradores podem gerar impactos relevantes, mas a resposta empresarial deve estar alinhada à legislação e às melhores práticas de governança.

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