Artigos e Opinião

CENAS

Leia a crônica de Raquel Naveira: "Mercedita"

Leia a crônica de Raquel Naveira: "Mercedita"

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Ao ouvirmos uma polca paraguaia, uma guarânia ou um chamamé, gêneros musicais da identidade cultural de fronteira, sentimos o sangue ferver, as lembranças de infância brotarem, um tremor nas raízes mais fundas e ancestrais de nossa alma guarani. Ser guarani é ter alegria até no luto. É amar o som das sanfonas, dos violões, dos bandolins e das harpas.

“Mercedita” é um chamamé do folclore argentino que atravessou países. De autoria de Ramón Sixto Ríos, composto na década de quarenta, conta a história de um amor não correspondido. Ramón chegou à cidade de Humboldt, província de Santa Fé, para atuar em um grupo de teatro. Lá conheceu a ruiva camponesa Mercedes Strickler Khalov, a quem todos chamavam de Mercedita. Ela vivia perto de um laticínio, era filha de imigrantes alemães, perdeu o pai e assumiu uma pousada com a mãe e a irmã. Ramón a convidou para dançarem um tango no baile do clube. Ela estava vestida de branco, os longos cabelos encaracolados. Ele, de calças de couro de leopardo, botas, chapéu e pala. Assim começou o namoro. Quando ele partiu para Buenos Aires, trocaram cartas apaixonadas. Mais tarde, Ríos retornou para pedi-la em casamento. O anel de safira brilhando no estojo de veludo, mas ela recusou. Separaram-se no terminal do ônibus da estação Esperança. Da dor nasceu a música “Mercedita”. O poeta relembra o encanto da amada, o seu aroma de flor, a sua graça entre os trigais. Lamenta que tudo tivesse sido ilusão, amor irrealizado, louco, cheio de sofrimento, que murchou como a erva do campo. Haverá tema mais triste e poético do que esse: a perda da mulher desejada e jovem? A distância entre os amantes? A impossibilidade de consumar esse sentimento? O peso da expressão “nunca mais”?

Ramón casou-se com outra, ficou viúvo dois anos depois. Procurou Mercedita. Ela permaneceu irredutível. Prezava a liberdade, a independência. Ele faleceu aos 82 anos, deixando-lhe os direitos da célebre canção. Ela morreu solteira, aos 84 anos. Declarou em entrevista a uma revista portenha que vivia com a sensação de remorso, com a impressão de que Deus punira o seu coração duro, o seu comportamento de rechaçar aquele que tanto a amara. 

Mercedes... que belo nome de musa! Vem de “mercê”: preço, recompensa, favor, graça, perdão, bondade. Um barco à mercê dos ventos. Impulso de dar graças e louvores, sejam quais forem as circunstâncias. “Vossa Mercê” era o antigo tratamento dado a uma pessoa de cerimônia que virou “vossemecê”, “vosmecê” e, finalmente, “você”. 

“Mercedes” é tão espanhol. Não consigo imaginar uma Mercedita alemã, de olhos azuis. Mercedita para mim seria o nome adequado para aquelas mulheres índias, de tranças, saias pretas e xales coloridos, segurando cestos de copos-de-leite, pintadas por Diego Rivera. Diego, o lendário ídolo da classe dos  trabalhadores, o ativista político que chamou  atenção para a história dos direitos civis no México. O polêmico e conturbado marido de Frida Kahlo. Como são latinas essas Merceditas de Diego! Os copos-de-leite transbordando pureza, paz, elegância. Os pistilos amarelos se destacando no interior da flor, espadas de luz. Tudo tão simples e sofisticado. Delirei... mas essa vendedora de flores nua, ajoelhada, de costas, segurando o ramalhete de copos-de-leite, só pode se chamar Mercedes, Mercedita.

E agora, ao primeiro acorde de “Mercedita”, deu vontade de sair dançando. Depois da aflição, vêm sempre o triunfo e a felicidade.

EDITORIAL

É preciso passar um pente-fino na Cosip

O que a sociedade exige e com razão é transparência permanente sobre a aplicação da Cosip. Trata-se de uma contribuição pesada no bolso do contribuinte

20/12/2025 07h15

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A deflagração da Operação Apagar das Luzes, nesta sexta-feira, pelo Grupo Especializado de Combate à Corrupção (Gecoc) do Ministério Público de Mato Grosso do Sul (MPMS), é mais um daqueles episódios que deixam claro que a iluminação pública de Campo Grande guarda muito mais sombras do que se imaginava.

E, ao que tudo indica, ainda há muito a ser revelado sobre contratos, cifras e responsabilidades envolvendo um serviço essencial para a cidade.

Campo Grande figura entre os municípios que mais arrecadam no Brasil com a Contribuição para o Custeio do Serviço de Iluminação Pública (Cosip). Trata-se de uma arrecadação robusta, bilionária ao longo dos anos, paga mensalmente pelo cidadão na conta de energia elétrica.

Ainda assim, a realidade vista nas ruas é contraditória: bairros inteiros convivem com postes apagados, avenidas mal iluminadas e áreas que se tornam vulneráveis à criminalidade justamente pela ausência de luz.

A investigação que apura fraudes estimadas em R$ 62 milhões lança uma pergunta inevitável: como é possível faltar iluminação em um município que arrecada tanto?

Reportagem publicada pelo Correio do Estado no ano passado mostrou que a Cosip de Campo Grande superava, à época, a arrecadação de Curitiba – cidade com mais que o dobro da população. Mesmo assim, a capital sul-mato-grossense convive com um serviço precário e reclamações recorrentes da população.

O mais preocupante é que essas suspeitas de irregularidades surgem em meio a um discurso constante de crise financeira propagado pela administração municipal.

Se confirmadas, as fraudes não estariam ocorrendo em um cenário de escassez, mas sim em um verdadeiro manancial de recursos. Isso agrava ainda mais o quadro, pois revela que o problema pode não ser falta de dinheiro, mas falhas graves de gestão, fiscalização e zelo com o dinheiro público.

É legítimo esperar explicações detalhadas sobre os contratos firmados, os critérios de pagamento e a execução dos serviços. Mas isso, por si só, não basta. O que a sociedade exige – e com razão – é transparência permanente sobre a aplicação da Cosip. Trata-se de uma contribuição pesada no bolso do contribuinte, que deveria retornar em forma de ruas iluminadas, mais segurança e melhor qualidade de vida.

Nesse contexto, o trabalho do Gecoc merece reconhecimento. Mais uma vez, o MPMS cumpre seu papel institucional de investigar, cobrar respostas e iluminar áreas em que a administração pública falhou.

Combater a corrupção não é apenas punir culpados, mas também criar condições para que os serviços públicos funcionem melhor e com mais eficiência.

Iluminação pública não é luxo. É segurança, mobilidade e dignidade urbana. Se há dinheiro sobrando e luz faltando, algo está profundamente errado – e precisa ser corrigido com urgência, transparência e responsabilidade.

ARTIGOS

Redes sociais: o "estacionamento" da reputação corporativa

Qual é o limite entre a liberdade de expressão do trabalhador e a proteção da honra e da imagem empresarial

19/12/2025 07h45

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No ambiente corporativo contemporâneo, a fronteira entre opinião pessoal e responsabilidade profissional se tornou quase invisível. Com a hiperconectividade, qualquer manifestação nas redes sociais tem potencial para alcançar ampla visibilidade. Um único comentário ofensivo de um funcionário é capaz de comprometer a confiança interna, afetar a reputação da marca e desencadear litígios.

Quando as manifestações de funcionários ultrapassam o limite da crítica construtiva e se convertem em acusações ou declarações com potencial de impactar negativamente a imagem e a credibilidade da organização, abre-se espaço a um debate essencial: qual é o limite entre a liberdade de expressão do trabalhador e a proteção da honra e da imagem empresarial?

A repercussão, em casos como esse, costuma ser imediata. Colegas, clientes, fornecedores e demais parceiros têm acesso ao conteúdo, potencializando seus efeitos e ampliando o risco reputacional.

Qualquer que seja o caminho de resposta, a análise jurídica deve ser cuidadosa. A Consolidação das Leis do Trabalho (art. 482, alíneas j e k) prevê a possibilidade de dispensa por justa causa quando o empregado pratica ato lesivo à honra ou à boa fama de qualquer pessoa “no serviço”, especialmente quando dirigido ao empregador ou superiores hierárquicos.

A jurisprudência tem entendido que publicações em redes sociais podem produzir efeitos equivalentes aos de condutas praticadas no ambiente físico de trabalho, legitimando a aplicação da penalidade.

A Constituição Federal (art. 5º, incisos IV, V e X) assegura a liberdade de expressão, mas estabelece limites claros quando essa manifestação viola direitos relacionados à honra, à imagem e à dignidade. Já o Marco Civil da Internet reforça mecanismos de responsabilização de plataformas mediante notificação, permitindo respostas mais ágeis a conteúdos ilícitos.

Com a evolução da sociedade, a linha que separa opinião de ofensa se tornou cada vez mais tênue. A liberdade de expressão é garantida, mas não é absoluta: quando a crítica se transforma em injúria ou difamação, há quebra de confiança, podendo configurar justa causa, inclusive quando a conduta ocorre fora do expediente.

O desafio, agora, reside na interpretação. A definição do que constitui “crítica legítima” ou “falta grave” ainda é variável entre diferentes julgadores, o que aumenta o risco de reversão de penalidades, pedidos de indenização e danos à reputação corporativa.

Em um ambiente empresarial cada vez mais exposto ao escrutínio público, sobretudo nas redes sociais, torna-se imprescindível que as organizações adotem políticas claras, protocolos seguros de apuração e documentação robusta para fundamentar suas decisões e que as decisões e a gestão de tópicos sensíveis considerem estratégia, cautela e respaldo técnico.

Condutas inadequadas de colaboradores podem gerar impactos relevantes, mas a resposta empresarial deve estar alinhada à legislação e às melhores práticas de governança.

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