Artigos e Opinião

Cenas

Leia crônica de André Luiz Alvez:
'A menina passarinho'*

Publicitário e escritor

Redação

23/11/2017 - 08h00
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Ela tinha o sorriso de um passarinho. Eu, que nunca antes havia percebido que passarinho sorria, tive a certeza quando seus olhos brilhantes se detiveram diante dos meus e o riso se abriu no seu rosto de pura meiguice. 

Era um riso de fogo, daqueles que a gente nunca se esquece, e agora, na memória, me faz tentar compreender o indizível: aquele riso, toda aquela chama, se apagou num único e repentino sopro. 

Eu bem que tentei lhe avisar sobre as belezas da vida, dos momentos tão bons guardados no seu futuro, mas a dor foi mais forte.  Ah, menina passarinho, o mundo precisava tanto de você...

A vida não tem sentido, a morte, muito menos. Ninguém pode te culpar; a dor de ser, o lamento de existir, silenciosa e cruel era só sua, tão profunda - agora sabemos – que não conseguiu suportar. 

Naquelas noites de conversas jogadas fora, você prestava tanta atenção na minha retórica... Toda dor passa, feito as águas do rio; atravessa o caminho, às vezes difícil, espinhos, obstáculos, mas é preciso prosseguir resistindo, ganhando força após cada curva, arrastar o barranco, oprimir as margens, amansar o rebojo e tudo o mais que lhe surgir pela frente, até se dar com o arco-íris – eu dizia, arrancando o seu riso de passarinho. 

Cheguei a imaginar que compreendia cada palavra. Era só a sua forma de se mostrar feliz com a minha presença, mas, no entanto, nada calou o seu grito. Agora, para aliviar a dor, rogamos o conforto de cada dia a mais, os efeitos do tempo, agindo como um deus enfurecido, custando a passar, demorando cicatrizar a ferida. 

Então grito um alerta aos que aqui estão e sentem a sua mesma dor: resista, grite, peça ajuda! Perdoe, perdoe aqueles que não aceitam os que se amam. E se ainda assim a dor prosseguir e a dúvida se mostrar severa, apenas decida ficar. 

Ah, como eu queria ter feito alguma coisa a mais, ter desvendado o futuro e não permitido que você se afastasse, de todos, de mim, daqueles que para sempre haverão de te amar. Depressão: seria possível algum remédio, alguma palavra para tornar infértil essa lamentável doença? 

Resta esse papel banhado de lágrimas, rogando se transforme num sopro de vento, que a tudo atravessa e talvez consiga chegar aí até você, como uma suave brisa, mostrando os rostos que choram a sua ausência, abraçados na dor eterna da saudade. 

É nos meus olhos humanos que tento enxergar sobras de você; até consigo vislumbrar o seu rosto e aquele inesquecível riso de passarinho. Já não posso escrever mais nada, as palavras fogem, a emoção me atropela, porque acontece algumas vezes em mim de a saudade moer o céu e derramar uma água morna; não é chuva, é lágrima de dor que a sua ausência nos traz. 

As luzes se apagaram, perturbando seu voo, mas creio, logo se acenderão, feito multidão de pirilampos. Você se foi, pequeno passarinho, e a gente vai continuar por aqui, sempre te levando com carinho no coração, no vento, ao relento, no pensamento, com tudo, apesar de tudo.

*Crônica para Aline Machado, que virou passarinho e foi morar no céu. [email protected]

EDITORIAL

É preciso passar um pente-fino na Cosip

O que a sociedade exige e com razão é transparência permanente sobre a aplicação da Cosip. Trata-se de uma contribuição pesada no bolso do contribuinte

20/12/2025 07h15

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A deflagração da Operação Apagar das Luzes, nesta sexta-feira, pelo Grupo Especializado de Combate à Corrupção (Gecoc) do Ministério Público de Mato Grosso do Sul (MPMS), é mais um daqueles episódios que deixam claro que a iluminação pública de Campo Grande guarda muito mais sombras do que se imaginava.

E, ao que tudo indica, ainda há muito a ser revelado sobre contratos, cifras e responsabilidades envolvendo um serviço essencial para a cidade.

Campo Grande figura entre os municípios que mais arrecadam no Brasil com a Contribuição para o Custeio do Serviço de Iluminação Pública (Cosip). Trata-se de uma arrecadação robusta, bilionária ao longo dos anos, paga mensalmente pelo cidadão na conta de energia elétrica.

Ainda assim, a realidade vista nas ruas é contraditória: bairros inteiros convivem com postes apagados, avenidas mal iluminadas e áreas que se tornam vulneráveis à criminalidade justamente pela ausência de luz.

A investigação que apura fraudes estimadas em R$ 62 milhões lança uma pergunta inevitável: como é possível faltar iluminação em um município que arrecada tanto?

Reportagem publicada pelo Correio do Estado no ano passado mostrou que a Cosip de Campo Grande superava, à época, a arrecadação de Curitiba – cidade com mais que o dobro da população. Mesmo assim, a capital sul-mato-grossense convive com um serviço precário e reclamações recorrentes da população.

O mais preocupante é que essas suspeitas de irregularidades surgem em meio a um discurso constante de crise financeira propagado pela administração municipal.

Se confirmadas, as fraudes não estariam ocorrendo em um cenário de escassez, mas sim em um verdadeiro manancial de recursos. Isso agrava ainda mais o quadro, pois revela que o problema pode não ser falta de dinheiro, mas falhas graves de gestão, fiscalização e zelo com o dinheiro público.

É legítimo esperar explicações detalhadas sobre os contratos firmados, os critérios de pagamento e a execução dos serviços. Mas isso, por si só, não basta. O que a sociedade exige – e com razão – é transparência permanente sobre a aplicação da Cosip. Trata-se de uma contribuição pesada no bolso do contribuinte, que deveria retornar em forma de ruas iluminadas, mais segurança e melhor qualidade de vida.

Nesse contexto, o trabalho do Gecoc merece reconhecimento. Mais uma vez, o MPMS cumpre seu papel institucional de investigar, cobrar respostas e iluminar áreas em que a administração pública falhou.

Combater a corrupção não é apenas punir culpados, mas também criar condições para que os serviços públicos funcionem melhor e com mais eficiência.

Iluminação pública não é luxo. É segurança, mobilidade e dignidade urbana. Se há dinheiro sobrando e luz faltando, algo está profundamente errado – e precisa ser corrigido com urgência, transparência e responsabilidade.

ARTIGOS

Redes sociais: o "estacionamento" da reputação corporativa

Qual é o limite entre a liberdade de expressão do trabalhador e a proteção da honra e da imagem empresarial

19/12/2025 07h45

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No ambiente corporativo contemporâneo, a fronteira entre opinião pessoal e responsabilidade profissional se tornou quase invisível. Com a hiperconectividade, qualquer manifestação nas redes sociais tem potencial para alcançar ampla visibilidade. Um único comentário ofensivo de um funcionário é capaz de comprometer a confiança interna, afetar a reputação da marca e desencadear litígios.

Quando as manifestações de funcionários ultrapassam o limite da crítica construtiva e se convertem em acusações ou declarações com potencial de impactar negativamente a imagem e a credibilidade da organização, abre-se espaço a um debate essencial: qual é o limite entre a liberdade de expressão do trabalhador e a proteção da honra e da imagem empresarial?

A repercussão, em casos como esse, costuma ser imediata. Colegas, clientes, fornecedores e demais parceiros têm acesso ao conteúdo, potencializando seus efeitos e ampliando o risco reputacional.

Qualquer que seja o caminho de resposta, a análise jurídica deve ser cuidadosa. A Consolidação das Leis do Trabalho (art. 482, alíneas j e k) prevê a possibilidade de dispensa por justa causa quando o empregado pratica ato lesivo à honra ou à boa fama de qualquer pessoa “no serviço”, especialmente quando dirigido ao empregador ou superiores hierárquicos.

A jurisprudência tem entendido que publicações em redes sociais podem produzir efeitos equivalentes aos de condutas praticadas no ambiente físico de trabalho, legitimando a aplicação da penalidade.

A Constituição Federal (art. 5º, incisos IV, V e X) assegura a liberdade de expressão, mas estabelece limites claros quando essa manifestação viola direitos relacionados à honra, à imagem e à dignidade. Já o Marco Civil da Internet reforça mecanismos de responsabilização de plataformas mediante notificação, permitindo respostas mais ágeis a conteúdos ilícitos.

Com a evolução da sociedade, a linha que separa opinião de ofensa se tornou cada vez mais tênue. A liberdade de expressão é garantida, mas não é absoluta: quando a crítica se transforma em injúria ou difamação, há quebra de confiança, podendo configurar justa causa, inclusive quando a conduta ocorre fora do expediente.

O desafio, agora, reside na interpretação. A definição do que constitui “crítica legítima” ou “falta grave” ainda é variável entre diferentes julgadores, o que aumenta o risco de reversão de penalidades, pedidos de indenização e danos à reputação corporativa.

Em um ambiente empresarial cada vez mais exposto ao escrutínio público, sobretudo nas redes sociais, torna-se imprescindível que as organizações adotem políticas claras, protocolos seguros de apuração e documentação robusta para fundamentar suas decisões e que as decisões e a gestão de tópicos sensíveis considerem estratégia, cautela e respaldo técnico.

Condutas inadequadas de colaboradores podem gerar impactos relevantes, mas a resposta empresarial deve estar alinhada à legislação e às melhores práticas de governança.

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