Ela tinha o sorriso de um passarinho. Eu, que nunca antes havia percebido que passarinho sorria, tive a certeza quando seus olhos brilhantes se detiveram diante dos meus e o riso se abriu no seu rosto de pura meiguice.
Era um riso de fogo, daqueles que a gente nunca se esquece, e agora, na memória, me faz tentar compreender o indizível: aquele riso, toda aquela chama, se apagou num único e repentino sopro.
Eu bem que tentei lhe avisar sobre as belezas da vida, dos momentos tão bons guardados no seu futuro, mas a dor foi mais forte. Ah, menina passarinho, o mundo precisava tanto de você...
A vida não tem sentido, a morte, muito menos. Ninguém pode te culpar; a dor de ser, o lamento de existir, silenciosa e cruel era só sua, tão profunda - agora sabemos – que não conseguiu suportar.
Naquelas noites de conversas jogadas fora, você prestava tanta atenção na minha retórica... Toda dor passa, feito as águas do rio; atravessa o caminho, às vezes difícil, espinhos, obstáculos, mas é preciso prosseguir resistindo, ganhando força após cada curva, arrastar o barranco, oprimir as margens, amansar o rebojo e tudo o mais que lhe surgir pela frente, até se dar com o arco-íris – eu dizia, arrancando o seu riso de passarinho.
Cheguei a imaginar que compreendia cada palavra. Era só a sua forma de se mostrar feliz com a minha presença, mas, no entanto, nada calou o seu grito. Agora, para aliviar a dor, rogamos o conforto de cada dia a mais, os efeitos do tempo, agindo como um deus enfurecido, custando a passar, demorando cicatrizar a ferida.
Então grito um alerta aos que aqui estão e sentem a sua mesma dor: resista, grite, peça ajuda! Perdoe, perdoe aqueles que não aceitam os que se amam. E se ainda assim a dor prosseguir e a dúvida se mostrar severa, apenas decida ficar.
Ah, como eu queria ter feito alguma coisa a mais, ter desvendado o futuro e não permitido que você se afastasse, de todos, de mim, daqueles que para sempre haverão de te amar. Depressão: seria possível algum remédio, alguma palavra para tornar infértil essa lamentável doença?
Resta esse papel banhado de lágrimas, rogando se transforme num sopro de vento, que a tudo atravessa e talvez consiga chegar aí até você, como uma suave brisa, mostrando os rostos que choram a sua ausência, abraçados na dor eterna da saudade.
É nos meus olhos humanos que tento enxergar sobras de você; até consigo vislumbrar o seu rosto e aquele inesquecível riso de passarinho. Já não posso escrever mais nada, as palavras fogem, a emoção me atropela, porque acontece algumas vezes em mim de a saudade moer o céu e derramar uma água morna; não é chuva, é lágrima de dor que a sua ausência nos traz.
As luzes se apagaram, perturbando seu voo, mas creio, logo se acenderão, feito multidão de pirilampos. Você se foi, pequeno passarinho, e a gente vai continuar por aqui, sempre te levando com carinho no coração, no vento, ao relento, no pensamento, com tudo, apesar de tudo.
*Crônica para Aline Machado, que virou passarinho e foi morar no céu. [email protected]


