Artigos e Opinião

OPINIÃO

Luiz Fernando Mirault Pinto: Esperando Godot?

Físico e Administrador

Continue lendo...

Nos tempos de colégio, um inspetor apareceu na classe assumindo o lugar do professor que se ausentara por motivo justificado, deixando os alunos inquietos, pois anteviam desde cedo a saída antecipada nos dois últimos períodos em vez de ficarem sentados em fazer “horas-bunda” (além das horas-aula porque a motivação inexistia). Incomodados, articulando uma sublevação, pois era inaceitável aquela expectativa lograda.

O substituto a convencer a turma sugerira que todos fizessem uma redação, como pesquisa de opinião sobre qualquer tema como, por exemplo, “cinco minutos em uma esquina”, de livre pensamento e interpretação, restrito a uma folha. Os alunos se entreolharam e, num misto de provocação e represália, aceitariam o desafio.

Determinado tempo, logo em uma esquina, tudo ou nada poderia acontecer. Os primeiros minutos passariam devagar, cada um pensando no improvável, mas, de repente, vários ”Estalos de Vieira” se sucederiam quando todos passariam a escrever e descrever tudo aquilo que poderia ocorrer num tempo e num lugar dentro das inúmeras possibilidades físicas.

Uma esquina, confluência de duas vias, característica de cidade antiga, onde estão bem localizados os comércios varejistas de alimentos e bebidas (bares, padarias), ambientes próprios para pontos de encontro, onde muita estória acontece.

O resultado dessa competição literária estaria na leitura dos temas nas aulas seguintes, quando já se previa nova ausência do titular, mas que atiçava a curiosidade de “cada qual com seu igual”.

E assim cada um apresentaria sua imaginação ou uma realidade individual: uma esquina povoada de ambulantes, prostitutas, malandros, corretores zoológicos (bicho), apressados, ponto de encontro, a espera de alguém; no bar, um cafezinho ou a cerveja do dia, aguardando o semáforo, onde o vento faz a curva. Variedade de direção, aglomeração, dois acessos no comércio de esquina, referência na placa de rua, fim da quadra ou simplesmente a “espera de nada”.

Naqueles quatro tempos, sob o comando de um bedel bem articulado, conhecedor das artimanhas disciplinares, exercendo seu controle ao privilegiar a liberdade de pensamento e as formas de expressão, foi de fato um momento importante, mostrando subliminarmente como era possível dissuadir a insatisfação, dividir as forças negativas, arregimentar e congregar os esforços em um objetivo, deixar que as opiniões fluíssem, incentivando a competitividade por meio da curiosidade e privilegiando a essência da personalidade de cada aluno.

O mais interessante e curioso era o texto que falava sobre alguém a “espera do nada”, sem nada para fazer ou pensar, um lunático qualquer, desvairado, simplesmente “matando o tempo”, conversando fiado e, de fato, esperando alguma coisa, alguém, um porvir sem muitas expectativas. Acho que refletia bem a situação cujo tema nada dizia, o tempo vago nada representava, e aquela situação nada acrescentava ao momento. 

Hoje eu diria que a “espera do nada” pudesse ser entendida como a peça teatral “Esperando Godot” (S. Beckett), cujo tema central é a conversa entre dois vagabundos à espera de alguém que jamais virá, esse tal de Godot, possivelmente na manutenção da esperança da anunciação ou chegada de uma boa nova ou um evento desejado, ou então a concepção do “ócio criativo” (D. De Masi), ou seja, aquele em que nos sentimos livres para poder pensar e produzir ideias; do “não fazer nada” como uma arte, apenas observando, ouvindo, conversando e refletindo, e criando. 

Alguém dirá que essa cena se repete e que está presente no cotidiano da sociedade, esperando mudanças que não chegam, por não aceitar a realidade, ou enfrentar as dificuldades criadas pela falta de “traquejo” dos atuais governantes, como a esperar a economia deslanchar, os juros baixarem, os investidores acreditarem, os empregos aparecerem, as aposentadorias beneficiarem, a educação progredir, um meio ambiente preservado, as leis serem cumpridas, a constituição respeitada, a cidadania entendida e a democracia resguardada. 

E assim, o tempo passa, com ameaças, fakes, notícias veladas e dirigidas, conversas estéreis e dissonantes, o ressentimento e a renitência ao amadurecimento, a polarização e a quebra de consensos, e os “supostos” vazamentos resultando nas vicissitudes reprimidas, que afligem e impedem o despertar do tédio, da apatia, da pasmaceira, e das “horas-bunda” a espera do tal Godot.

EDITORIAL

É preciso passar um pente-fino na Cosip

O que a sociedade exige e com razão é transparência permanente sobre a aplicação da Cosip. Trata-se de uma contribuição pesada no bolso do contribuinte

20/12/2025 07h15

Continue Lendo...

A deflagração da Operação Apagar das Luzes, nesta sexta-feira, pelo Grupo Especializado de Combate à Corrupção (Gecoc) do Ministério Público de Mato Grosso do Sul (MPMS), é mais um daqueles episódios que deixam claro que a iluminação pública de Campo Grande guarda muito mais sombras do que se imaginava.

E, ao que tudo indica, ainda há muito a ser revelado sobre contratos, cifras e responsabilidades envolvendo um serviço essencial para a cidade.

Campo Grande figura entre os municípios que mais arrecadam no Brasil com a Contribuição para o Custeio do Serviço de Iluminação Pública (Cosip). Trata-se de uma arrecadação robusta, bilionária ao longo dos anos, paga mensalmente pelo cidadão na conta de energia elétrica.

Ainda assim, a realidade vista nas ruas é contraditória: bairros inteiros convivem com postes apagados, avenidas mal iluminadas e áreas que se tornam vulneráveis à criminalidade justamente pela ausência de luz.

A investigação que apura fraudes estimadas em R$ 62 milhões lança uma pergunta inevitável: como é possível faltar iluminação em um município que arrecada tanto?

Reportagem publicada pelo Correio do Estado no ano passado mostrou que a Cosip de Campo Grande superava, à época, a arrecadação de Curitiba – cidade com mais que o dobro da população. Mesmo assim, a capital sul-mato-grossense convive com um serviço precário e reclamações recorrentes da população.

O mais preocupante é que essas suspeitas de irregularidades surgem em meio a um discurso constante de crise financeira propagado pela administração municipal.

Se confirmadas, as fraudes não estariam ocorrendo em um cenário de escassez, mas sim em um verdadeiro manancial de recursos. Isso agrava ainda mais o quadro, pois revela que o problema pode não ser falta de dinheiro, mas falhas graves de gestão, fiscalização e zelo com o dinheiro público.

É legítimo esperar explicações detalhadas sobre os contratos firmados, os critérios de pagamento e a execução dos serviços. Mas isso, por si só, não basta. O que a sociedade exige – e com razão – é transparência permanente sobre a aplicação da Cosip. Trata-se de uma contribuição pesada no bolso do contribuinte, que deveria retornar em forma de ruas iluminadas, mais segurança e melhor qualidade de vida.

Nesse contexto, o trabalho do Gecoc merece reconhecimento. Mais uma vez, o MPMS cumpre seu papel institucional de investigar, cobrar respostas e iluminar áreas em que a administração pública falhou.

Combater a corrupção não é apenas punir culpados, mas também criar condições para que os serviços públicos funcionem melhor e com mais eficiência.

Iluminação pública não é luxo. É segurança, mobilidade e dignidade urbana. Se há dinheiro sobrando e luz faltando, algo está profundamente errado – e precisa ser corrigido com urgência, transparência e responsabilidade.

ARTIGOS

Redes sociais: o "estacionamento" da reputação corporativa

Qual é o limite entre a liberdade de expressão do trabalhador e a proteção da honra e da imagem empresarial

19/12/2025 07h45

Continue Lendo...

No ambiente corporativo contemporâneo, a fronteira entre opinião pessoal e responsabilidade profissional se tornou quase invisível. Com a hiperconectividade, qualquer manifestação nas redes sociais tem potencial para alcançar ampla visibilidade. Um único comentário ofensivo de um funcionário é capaz de comprometer a confiança interna, afetar a reputação da marca e desencadear litígios.

Quando as manifestações de funcionários ultrapassam o limite da crítica construtiva e se convertem em acusações ou declarações com potencial de impactar negativamente a imagem e a credibilidade da organização, abre-se espaço a um debate essencial: qual é o limite entre a liberdade de expressão do trabalhador e a proteção da honra e da imagem empresarial?

A repercussão, em casos como esse, costuma ser imediata. Colegas, clientes, fornecedores e demais parceiros têm acesso ao conteúdo, potencializando seus efeitos e ampliando o risco reputacional.

Qualquer que seja o caminho de resposta, a análise jurídica deve ser cuidadosa. A Consolidação das Leis do Trabalho (art. 482, alíneas j e k) prevê a possibilidade de dispensa por justa causa quando o empregado pratica ato lesivo à honra ou à boa fama de qualquer pessoa “no serviço”, especialmente quando dirigido ao empregador ou superiores hierárquicos.

A jurisprudência tem entendido que publicações em redes sociais podem produzir efeitos equivalentes aos de condutas praticadas no ambiente físico de trabalho, legitimando a aplicação da penalidade.

A Constituição Federal (art. 5º, incisos IV, V e X) assegura a liberdade de expressão, mas estabelece limites claros quando essa manifestação viola direitos relacionados à honra, à imagem e à dignidade. Já o Marco Civil da Internet reforça mecanismos de responsabilização de plataformas mediante notificação, permitindo respostas mais ágeis a conteúdos ilícitos.

Com a evolução da sociedade, a linha que separa opinião de ofensa se tornou cada vez mais tênue. A liberdade de expressão é garantida, mas não é absoluta: quando a crítica se transforma em injúria ou difamação, há quebra de confiança, podendo configurar justa causa, inclusive quando a conduta ocorre fora do expediente.

O desafio, agora, reside na interpretação. A definição do que constitui “crítica legítima” ou “falta grave” ainda é variável entre diferentes julgadores, o que aumenta o risco de reversão de penalidades, pedidos de indenização e danos à reputação corporativa.

Em um ambiente empresarial cada vez mais exposto ao escrutínio público, sobretudo nas redes sociais, torna-se imprescindível que as organizações adotem políticas claras, protocolos seguros de apuração e documentação robusta para fundamentar suas decisões e que as decisões e a gestão de tópicos sensíveis considerem estratégia, cautela e respaldo técnico.

Condutas inadequadas de colaboradores podem gerar impactos relevantes, mas a resposta empresarial deve estar alinhada à legislação e às melhores práticas de governança.

NEWSLETTER

Fique sempre bem informado com as notícias mais importantes do MS, do Brasil e do mundo.

Fique Ligado

Para evitar que a nossa resposta seja recebida como SPAM, adicione endereço de

e-mail [email protected] na lista de remetentes confiáveis do seu e-mail (whitelist).