Faço minha caminhada sempre que posso! Faz muito bem para o corpo, mente e alma. Todo mundo deveria caminhar; aliás, caminhar por todos os lados e a toda hora. Mas isso não acontece. No Brasil, a violência impera em nossas ruas. Por todos os cantos, o medo cresce.
Tocado pelas lembranças dia desses, caminhando, lembrei-me das ruas e estradas de antigamente, ou melhor, das décadas de 1970 e 1980, que, ao menos em Jales, eram tranquilas e seguras. Fui criado ali e vivi essa realidade. A cidade era ótima para viver a infância. Quando digo mais tranquilas e seguras, refiro-me à violência no trânsito e até mesmo às demais formas de violência que vemos hoje por todos os lados, como assalto, tráfico de drogas, roubos, homicídios e latrocínios.
Dá muita saudade desse tempo! À época, por existir um ambiente assim favorável, as crianças sonhavam em dominar as ruas com suas bicicletas. Esse era o sonho de consumo; era o presente que toda criança gostaria de ganhar. Havia até um comercial de televisão cujos dizeres todos de minha idade se lembram: “Não se esqueça da minha Caloi”. Quando menores, e mesmo para aprender a andar de bicicleta, o sonho era ganhar a Caloi Berlineta. Após crescer um pouco mais e pensando em viver mais emoções, o interessante era ganhar a Monareta, que era um modelo de bicicleta produzido pela Monark.
De Monareta, já se criava a possibilidade de andar maiores distâncias, de sair do bairro onde se morava e ir para outro bairro; de atravessar a cidade; de sair do sítio e ir à cidade e voltar para o sítio. Essa era a bicicleta “da vez” para quem tinha até seus 12 anos de idade.
Enfim: ganhei de presente uma Monareta vermelha. Achei que era grande para mim, mas logo já estava achando o máximo. Saí andando por todos os lados. O único problema era atravessar os bancos de areia que, na linguagem do povo da roça, eram os “areiãos”, porém, com o passar dos dias, ganhei experiência e tirei isso de letra. Nada me segurava mais.
Escrevo este texto para destacar que eu era uma criança de oito anos de idade e, por mais curioso que pareça, à época, seguia sozinho pelas estradas de terra, carreadores e ruas. Parecia que tinha formiga nos pés, já que não parava no lugar. Percorria o trajeto de um sítio a outro sem problema algum. Ia ao campo de futebol do bairro rural do Córrego do Ribeirão Lagoa montado na minha super Monareta. Carros pelas estradas eram poucos, e a maioria que passava por ali era morador do próprio bairro e todos se conheciam. Às vezes, passava uma charrete, um carrinho de tração animal, um cavaleiro ou mesmo alguém de bicicleta, mas tudo na mais perfeita paz.
Hoje, pode parecer insano e irresponsável por parte dos pais deixar uma criança andar leve e solta por todos os lados. Talvez nunca houvesse passado pela cabeça de nenhuma pessoa que alguém fosse fazer algum mal para uma criança que estava andando de bicicleta pelas estradas ou ruas. Afinal, isso era comum à época. E não havia casos que ilustrassem histórias de horror contra crianças, como acontece hoje.
Existiam poucos brinquedos industrializados e normalmente eram caros, de modo que andar de bicicleta era mais uma brincadeira. Mas o bacana mesmo era andar em grupo. Às vezes, colocávamos pedaços de papelão presos com prendedores no garfo da magrela para fazer barulho. Outros montavam uma parafernália com lata de leite ninho e um elástico para fazer barulho de motocicleta. Cada pedalada na Monareta era uma alegria a mais. Minha relação com a Monareta era tão profunda, que combinava amizade, liberdade, autonomia e responsabilidade. Afinal, se fizesse algo de errado, a cinta entrava em ação.
Hoje, vejo que isso durou pouco. A infância passou muito rápido. Os bons tempos se foram! Agora, sendo pai, afirmo que não daria uma Monareta para o meu filho andar pelas estradas, carreadores e ruas sem a companhia de um adulto de confiança. Parece que uma parcela da humanidade deixou de ser “humana” e se transformou em monstros. Basta ver os inúmeros casos de crianças que desaparecem e depois são encontradas mortas.
Considero o assunto tão importante, que penso que caberia um debate amplo e estudos aprofundados para entender e identificar as causas da perda do direito de nossos filhos de andar de Monareta em segurança pelas ruas.
Há, todavia, um outro aspecto que tem que ser posto em questão: as crianças de hoje querem andar de Monareta pelas ruas ou preferem o aconchego do sofá vendo televisão ou jogando videogames? Será que não criamos uma lógica de causa e efeito?


