Artigos e Opinião

CRÔNICA

Maria Adélia Menegazzo: "Metafísica do buraco"

Maria Adélia Menegazzo: "Metafísica do buraco"

Redação

17/11/2015 - 00h00
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Minha tendência sempre foi concordar com o pensador chinês Lao Tsé, quando afirma que o não existente das coisas é o que as torna úteis. Por exemplo, o vazio de uma tigela é o que permite receber o alimento, o vão de uma parede é o que serve de janela, e assim vai. 

No entanto, minha tia Lola dizia que “cabeça vazia é oficina do diabo”. Está instalado o conflito. E um buraco? Um buraco também é um vazio. Pra que serve um buraco? Usamos várias expressões com essa palavra: “a vida é um buraco”; “como um avestruz, enfiou a cabeça no buraco”; “caiu no buraco, o buraco é fundo, acabou-se o mundo”; “o buraco é mais embaixo”;  “não morava, escondia-se num buraco”; “onde tem gravatá, tem buraco de tatu”; buraco da fechadura; buraco da agulha.

Quando criança acreditava piamente que se fizesse um buraco muito fundo no quintal chegaria ao Japão...

O que é um buraco? O dicionário da língua portuguesa diz que se trata de um substantivo masculino. Substantivo? Além disso, será um buraco: qualquer abertura num corpo; cavidade natural ou artificial, onde habita um animal; certo jogo de cartas. 

Em sentido figurado: buraco é dificuldade, complicação. Lugar muito distante ou atrasado; cafundó. Como se pode ver, há  buraco para tudo e todos. E em todas as línguas. Infelizmente, o grande buraco da semana passada foi provocado pela Mineradora Samarco, especialista em cavar buracos. 

Uma prova de que com buraco não se brinca e a natureza se vinga com mais um rombo na nossa história.

Toda esta atenção dada ao buraco reside no fato de que, no último ano, Campo Grande virou um em vários aspectos. Sai prefeito entra vice-prefeito que vira prefeito; tira o vice e torna o  prefeito; mistura lama com asfalto e dá grana e a lama vira dama; compra fulano, vende  sicrano e ninguém sabe de nada ou nada fez... e a cidade?Que se frics? Por isso a necessidade de se refletir sobre o buraco. Um buraco existencial é das piores coisas a serem sentidas. Falta chão, falta posição, falta paixão. Não há dor que tanto desatine. Já do ponto de vista material, todos nós temos, hoje, um amigo ou conhecido, ou a própria experiência de ter caído num buraco, estourado pneus do carro ou entortado as rodas. E enquanto estamos sendo engolidos pelos buracos nas ruas da cidade, nossos vereadores ainda estão decidindo de quem seria a  responsabilidade pelo buraco da prefeitura.

A situação chegou a tal estágio de gravidade que não sabemos mais se uma “operação tapa-buraco” daria resultado. Aliás, com tantas  operações em andamento no Brasil estamos à beira de um buraco negro (se fosse possível  saber onde a beira fica).

Vejam que minha tia tinha razão, minha cabeça está tão vazia com tanto buraco que me fez parar para pensar que ele talvez servisse pra alguma coisa. 

Buraco é substantivo? Sem dúvida, mas não serve pra nada. (E, enquanto escrevo este texto, mais um buraco abriu-se na história da humanidade – os atentados terroristas em Paris).

ARTIGOS

Câncer na juventude: inesperado e devastador

Costuma ser associada a idosos, porém isso é um engano fatal, porque desde que nascemos, estamos sujeitos a ela

20/12/2025 07h45

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O diagnóstico de câncer não é algo simples, pois muitas vezes requer diversos exames. Mas, desde o momento em que se cogita a possibilidade, o reflexo desta simples suposição começa a impactar a vida do paciente e de todos à sua volta.

Esta doença costuma ser associada a idosos, porém isso é um engano fatal, porque desde que nascemos, estamos sujeitos a ela. São tipos e riscos diferentes, mas tanto um bebê quanto um idoso podem sofrer de câncer.

Um idoso entende a doença como consequência da sua longevidade, e um bebê não compreende o que está acontecendo. Porém, um jovem, que muitas vezes se acha imortal, com tantos anos de vida pela frente, sofre um abalo devastador, não apenas financeiro, mas também emocional.

Um jovem acha que pode superar qualquer obstáculo, e, de repente, a vida lhe coloca diante de uma doença que pode abreviar sua longa história, transformando o que seria um livro num simples artigo de uma página. 

Nada passa a ser racional. Alguns são mais receptivos, outros mais agressivos. O fato é que toda ajuda será necessária, e agora aquele jovem independente e invencível precisará entender que, sozinho, não vai a lugar nenhum.

Um jovem morrendo não é algo fácil para seus pais, família e amigos aceitarem. A doença se entranha na estrutura familiar e abala seus alicerces. 

A vida social é deixada de lado para enfrentar um tratamento no qual o paciente não sabe se sairá vivo ao final. Sua vida está por um fio, e ele precisa acreditar que vai dar certo, ter esperança. Por isso, o suporte emocional é um forte aliado no sucesso do tratamento.

Existem entidades privadas e governamentais que trabalham para reduzir o sofrimento criando bancos de sangue e órgãos, profissionais que dão apoio, organizações que apoiam financeiramente o tratamento, voluntários que se propõem a ajudar no dia a dia. 

Nessa busca por suporte, apesar do importante papel das entidades, é nas histórias contadas por meio de livros, filmes e outras famílias que o paciente encontra um colo para deitar, um ombro amigo. São experiências que foram vividas por outras pessoas, mas que servem de referência sobre as batalhas que estão por vir, as mudanças de hábitos, sequelas e dores.

São histórias de vida e de superação que transmitem acolhimento, trazem esperança e dão forças para seguir em frente na busca da cura de uma doença implacável que não tem idade.

Essas histórias criam conexões que afastam a solidão, trazem o conhecimento de quem passou pela mesma dor e ajudam a criar pontes para superar os maus momentos.

É importante que o jovem perceba que não está enfrentando essa batalha sozinho, que ele se sinta acolhido, que acredite no tratamento. Como toda doença, identificar cedo é importante e a melhor chance de cura. Vamos estar alertas porque ninguém está livre do câncer.

ARTIGOS

Sete anos do caso Mariana Ferrer: audiência viciada x dignidade como regra de decisão

Debate sobre consentimento e proteção à vítima ganha força no Brasil

20/12/2025 07h30

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Sete anos após o crime que chocou o Brasil, com todas as suas nuances dolorosas, o caso Mariana Ferrer chega, finalmente, ao Supremo Tribunal Federal (STF). Entre pedidos de nulidade, amicus curiae, representação à Organização das Nações Unidas (ONU) e reformas legislativas, o debate sobre consentimento e proteção à vítima ganha força no Brasil.

A história de Mariana Ferrer é emblemática. Em dezembro de 2018, na época com 19 anos, ela sofreu violência sexual num beach clube, em Florianópolis (SC). O Ministério Público (MP) denunciou o empresário André Camargo Aranha pelo crime, que, em julgamento, acabou inocentado, sob alegação de falta de provas.

O caso, porém, ganhou outros contornos com os ataques brutais à honra e à vida privada de Mariana – a vítima, não podemos nos esquecer – em plena audiência judicial, pela defesa do acusado.

O caso impulsionou discussões no Congresso Nacional e resultou na promulgação da Lei Mariana Ferrer (Lei nº14.245/2021), que busca coibir a humilhação de vítimas e de testemunhas no decurso de processos judiciais.

Passados sete anos, não é apenas o tempo que pesa: é o silêncio das instituições diante de uma mulher que sofreu tortura, não apenas na audiência, mas durante toda a persecução penal. Quando o rito se sobrepõe ao humano, quando a palavra da vítima é deslocada para a periferia do processo, a balança para de funcionar.

O Instituto Brasileiro de Atenção e Proteção Integral às Vítimas (PróVítima) solicitou participação como amicus curiae na ação. Com isso, busca proteger não apenas Mariana, mas o princípio de que, nenhuma vítima pode ser submetida à violência institucional em nome da instrução processual.

A pauta transbordou fronteiras. O Pró-Vítima levou o caso ao Alto Comissariado do Conselho de Direitos Humanos da ONU, em Genebra, na Suíça, com a denúncia de violações e para pressionar o Brasil pela aprovação do Estatuto da Vítima – Projeto de Lei (PL) nº 3.890/2020, que prevê protocolos de acolhimento e garantias para vítimas de desastres naturais, de acidentes, de crimes e de epidemias.

Aprovado na Câmara dos Deputados, em dezembro de 2024, o texto segue em apreciação no Senado, sem expectativas de avanço.

Em paralelo e na contramão do Brasil, a Itália dá passos largos no que tange à proteção à vítima, sobretudo ao público feminino. Tal nação redefiniu, poucos dias atrás, o crime de violência sexual com foco no consentimento.

Para tanto, alterou o artigo nº 609 – bis do Código Penal italiano, para afirmar, a partir de agora, que, “sexo sem consentimento livre e atual é estupro”, com penas de seis a 12 anos [de prisão].

Assim, consentimento passa a ser manifestação livre, consciente e inequívoca, válida durante todo o ato e revogável a qualquer tempo – importante avanço jurídico e cultural do país europeu.

Ao reexaminar o caso de Mariana, o STF tem a oportunidade de sublinhar que, dignidade não é ornamento do texto constitucional – é regra de decisão. Que a Alta Corte reconheça a nulidade da audiência viciada, reabra o mérito, reestabeleça a centralidade do consentimento e aplique, ao final, a sanção que o conjunto probatório impõe.

Que o Brasil aprenda com a experiência italiana, com os seus erros e com os passos internacionais que deu no que tange o assunto em tela. Afinal, só há justiça quando o “sim” é livre, e quando a palavra da vítima é protegida – no rito, na cultura e na vida.

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