No mar tanta tormenta e tanto dano
Na terra tanta guerra e tanto engano
Onde pode acolher-se um fraco humano
Onde terá segura a curta vida
Que não se arme e se indigne o céu sereno
Contra um bicho da terra tão pequeno?
É difícil não lembrar Camões nos confusos dias em que forças da terra, do ar, do mar parecem ter perdido o controle e somos lançados por antecipação no mundo do Apocalipse.
Além de tempestades, inundações, nevascas e incêndios, Oriente e Ocidente atravessam momentos de tensão com a perspectiva de atos terroristas, que transformam o medo no grande cúmplice das vidas de seres pequenos e frágeis, em sua contingência. Basta abrir os jornais e ligar a TV para nos sentirmos participantes de uma guerra latente, eliminadora da tranquilidade interior.
Por toda parte, escondem-se exércitos de mercenários com seu olhar cruel. Além das barbaridades do Estado Islâmico, da violência das grandes nações, precisamos conviver com a proliferação das drogas, das traições, da fome, da corrupção nos órgãos públicos e dos preconceitos geradores de desprezo a raças e indivíduos que julgamos inferiores a nós. Que fazer senão levantar os olhos ao céu e pedir compaixão a Deus e todos os santos?
Ressoam em meus ouvidos as palavras do padre Manuel da Nobrega: “Este mundo não é pátria nossa, é desterro. Não é morada, é estalagem. Não é porto, é mar por onde navegamos”. No mar de angústias em que nos perdemos, o bicho da terra, pequeno e frágil, embora capaz de ir à Lua, de transformar desertos em cidades, não descobriu a fórmula mágica que dissolve ou ameniza as horas de desespero.
Ela repousa no próprio eu, onde ninguém soube detectá-la a contento. Uma amiga contou-me que, sempre que sentia vontade de chorar e abominava cada minuto da própria existência, abria uma janela e dizia com Manuel Bandeira: “Mas pra que tanto sofrimento se lá fora há o vento e um canto na noite?”. Millôr Fernandes relatou certa vez que longe de casa, desiludido da vida e dos homens, recuperou a vontade de viver lendo velhos jornais que descobriu no fundo de um quarto de hotel.
O remédio para as grandes dores é nunca perder a esperança, mesmo que ela esteja presa a fatores independentes de nossa frágil vontade, afinal, desde o tempo de Camões, o mundo já se tingia com as tintas da tragédia e, das trevas, a luz brotava, fruto da coragem dos homens de fé. Há os que sobrevivem ao desaparecimento dos sonhos, à morte de seres amados, apelando para o consolo da religião.
Outros se embriagam com o licor do trabalho e não faltam os que ressurgem para uma vida melhor depois de curtir as agulhadas da dor. Num de seus mais belos poemas, Baudelaire nos aconselha a estar sempre ébrios: de vinho, do trabalho, da virtude.
Afinal, tudo passa e cabe a nós, envolvidos nas teias do medo do desespero, do horror do dia de amanhã, levantar os olhos para o alto e dizer, como o poeta, que depois da noite vem o dia. Compete-nos armar-nos de coragem e dizer com toda a força dos pulmões: “Clara manhã, obrigado. O essencial é viver”.


