Artigos e Opinião

CRÔNICA

Maria da Glória Sá Rosa: "Sobreviver em tempos de tormenta"

Maria da Glória Sá Rosa: "Sobreviver em tempos de tormenta"

Redação

12/04/2016 - 04h00
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No mar tanta tormenta e tanto dano

Na terra tanta guerra e tanto engano

Onde pode acolher-se um fraco humano

Onde terá segura a curta vida

Que não se arme e se indigne o céu sereno

Contra um bicho da terra tão pequeno?

É difícil não lembrar Camões nos confusos dias em que forças da terra, do ar, do mar parecem ter perdido o controle e somos lançados por antecipação no mundo do Apocalipse. 

Além de tempestades, inundações, nevascas e incêndios, Oriente e Ocidente atravessam momentos de tensão com a perspectiva de atos terroristas, que transformam o medo no  grande cúmplice das vidas de seres  pequenos e frágeis, em sua contingência. Basta abrir os jornais e ligar a TV para nos sentirmos participantes de uma guerra latente, eliminadora da tranquilidade interior.

Por toda parte, escondem-se exércitos de mercenários com seu olhar  cruel. Além das barbaridades do Estado Islâmico, da violência das grandes nações, precisamos conviver com a proliferação das drogas, das traições, da fome, da corrupção nos órgãos  públicos e dos preconceitos geradores de desprezo a raças e indivíduos que julgamos inferiores a nós. Que fazer senão levantar os olhos ao céu e pedir compaixão a Deus e todos os santos? 

Ressoam em meus ouvidos as palavras do padre Manuel da Nobrega: “Este mundo não é pátria nossa, é desterro. Não é morada, é estalagem. Não é porto, é mar por onde navegamos”. No mar de angústias em que nos perdemos, o bicho da terra, pequeno e frágil, embora capaz de ir à Lua, de transformar desertos em cidades, não descobriu a fórmula mágica que dissolve ou ameniza as horas de desespero. 

Ela repousa no próprio eu, onde  ninguém soube detectá-la a contento. Uma amiga contou-me que, sempre que sentia vontade de chorar e abominava cada minuto da própria existência, abria uma janela e dizia com Manuel Bandeira: “Mas pra que tanto sofrimento se lá fora há o vento e um canto na noite?”. Millôr Fernandes relatou certa vez que longe de casa, desiludido da vida e dos homens, recuperou a vontade de viver lendo velhos jornais que descobriu no fundo de um quarto de  hotel.

O remédio para as grandes dores é nunca perder a esperança, mesmo que ela esteja presa a fatores independentes de nossa frágil vontade, afinal, desde o tempo de  Camões, o mundo já se tingia com as tintas da tragédia e, das trevas, a luz brotava, fruto da coragem dos homens de fé. Há os que sobrevivem ao desaparecimento dos sonhos, à morte de seres amados, apelando para o consolo da religião.

Outros se embriagam com o licor do trabalho e não faltam os que ressurgem para uma vida melhor depois de curtir as agulhadas da dor. Num de seus mais belos poemas, Baudelaire nos aconselha a estar sempre ébrios: de vinho, do trabalho, da virtude. 

Afinal, tudo passa e cabe a nós, envolvidos nas teias do medo do desespero, do horror do dia de amanhã, levantar os olhos para o alto e dizer, como o poeta, que depois da noite vem o dia.  Compete-nos armar-nos de coragem e dizer com toda a força dos pulmões: “Clara manhã, obrigado. O essencial é viver”.

EDITORIAL

É preciso passar um pente-fino na Cosip

O que a sociedade exige e com razão é transparência permanente sobre a aplicação da Cosip. Trata-se de uma contribuição pesada no bolso do contribuinte

20/12/2025 07h15

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A deflagração da Operação Apagar das Luzes, nesta sexta-feira, pelo Grupo Especializado de Combate à Corrupção (Gecoc) do Ministério Público de Mato Grosso do Sul (MPMS), é mais um daqueles episódios que deixam claro que a iluminação pública de Campo Grande guarda muito mais sombras do que se imaginava.

E, ao que tudo indica, ainda há muito a ser revelado sobre contratos, cifras e responsabilidades envolvendo um serviço essencial para a cidade.

Campo Grande figura entre os municípios que mais arrecadam no Brasil com a Contribuição para o Custeio do Serviço de Iluminação Pública (Cosip). Trata-se de uma arrecadação robusta, bilionária ao longo dos anos, paga mensalmente pelo cidadão na conta de energia elétrica.

Ainda assim, a realidade vista nas ruas é contraditória: bairros inteiros convivem com postes apagados, avenidas mal iluminadas e áreas que se tornam vulneráveis à criminalidade justamente pela ausência de luz.

A investigação que apura fraudes estimadas em R$ 62 milhões lança uma pergunta inevitável: como é possível faltar iluminação em um município que arrecada tanto?

Reportagem publicada pelo Correio do Estado no ano passado mostrou que a Cosip de Campo Grande superava, à época, a arrecadação de Curitiba – cidade com mais que o dobro da população. Mesmo assim, a capital sul-mato-grossense convive com um serviço precário e reclamações recorrentes da população.

O mais preocupante é que essas suspeitas de irregularidades surgem em meio a um discurso constante de crise financeira propagado pela administração municipal.

Se confirmadas, as fraudes não estariam ocorrendo em um cenário de escassez, mas sim em um verdadeiro manancial de recursos. Isso agrava ainda mais o quadro, pois revela que o problema pode não ser falta de dinheiro, mas falhas graves de gestão, fiscalização e zelo com o dinheiro público.

É legítimo esperar explicações detalhadas sobre os contratos firmados, os critérios de pagamento e a execução dos serviços. Mas isso, por si só, não basta. O que a sociedade exige – e com razão – é transparência permanente sobre a aplicação da Cosip. Trata-se de uma contribuição pesada no bolso do contribuinte, que deveria retornar em forma de ruas iluminadas, mais segurança e melhor qualidade de vida.

Nesse contexto, o trabalho do Gecoc merece reconhecimento. Mais uma vez, o MPMS cumpre seu papel institucional de investigar, cobrar respostas e iluminar áreas em que a administração pública falhou.

Combater a corrupção não é apenas punir culpados, mas também criar condições para que os serviços públicos funcionem melhor e com mais eficiência.

Iluminação pública não é luxo. É segurança, mobilidade e dignidade urbana. Se há dinheiro sobrando e luz faltando, algo está profundamente errado – e precisa ser corrigido com urgência, transparência e responsabilidade.

ARTIGOS

Redes sociais: o "estacionamento" da reputação corporativa

Qual é o limite entre a liberdade de expressão do trabalhador e a proteção da honra e da imagem empresarial

19/12/2025 07h45

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No ambiente corporativo contemporâneo, a fronteira entre opinião pessoal e responsabilidade profissional se tornou quase invisível. Com a hiperconectividade, qualquer manifestação nas redes sociais tem potencial para alcançar ampla visibilidade. Um único comentário ofensivo de um funcionário é capaz de comprometer a confiança interna, afetar a reputação da marca e desencadear litígios.

Quando as manifestações de funcionários ultrapassam o limite da crítica construtiva e se convertem em acusações ou declarações com potencial de impactar negativamente a imagem e a credibilidade da organização, abre-se espaço a um debate essencial: qual é o limite entre a liberdade de expressão do trabalhador e a proteção da honra e da imagem empresarial?

A repercussão, em casos como esse, costuma ser imediata. Colegas, clientes, fornecedores e demais parceiros têm acesso ao conteúdo, potencializando seus efeitos e ampliando o risco reputacional.

Qualquer que seja o caminho de resposta, a análise jurídica deve ser cuidadosa. A Consolidação das Leis do Trabalho (art. 482, alíneas j e k) prevê a possibilidade de dispensa por justa causa quando o empregado pratica ato lesivo à honra ou à boa fama de qualquer pessoa “no serviço”, especialmente quando dirigido ao empregador ou superiores hierárquicos.

A jurisprudência tem entendido que publicações em redes sociais podem produzir efeitos equivalentes aos de condutas praticadas no ambiente físico de trabalho, legitimando a aplicação da penalidade.

A Constituição Federal (art. 5º, incisos IV, V e X) assegura a liberdade de expressão, mas estabelece limites claros quando essa manifestação viola direitos relacionados à honra, à imagem e à dignidade. Já o Marco Civil da Internet reforça mecanismos de responsabilização de plataformas mediante notificação, permitindo respostas mais ágeis a conteúdos ilícitos.

Com a evolução da sociedade, a linha que separa opinião de ofensa se tornou cada vez mais tênue. A liberdade de expressão é garantida, mas não é absoluta: quando a crítica se transforma em injúria ou difamação, há quebra de confiança, podendo configurar justa causa, inclusive quando a conduta ocorre fora do expediente.

O desafio, agora, reside na interpretação. A definição do que constitui “crítica legítima” ou “falta grave” ainda é variável entre diferentes julgadores, o que aumenta o risco de reversão de penalidades, pedidos de indenização e danos à reputação corporativa.

Em um ambiente empresarial cada vez mais exposto ao escrutínio público, sobretudo nas redes sociais, torna-se imprescindível que as organizações adotem políticas claras, protocolos seguros de apuração e documentação robusta para fundamentar suas decisões e que as decisões e a gestão de tópicos sensíveis considerem estratégia, cautela e respaldo técnico.

Condutas inadequadas de colaboradores podem gerar impactos relevantes, mas a resposta empresarial deve estar alinhada à legislação e às melhores práticas de governança.

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