Este ano começou com um aumento significativo na aplicação de multas de trânsito, o que, à primeira vista, poderia ser interpretado como um sinal de maior fiscalização e, consequentemente, de mais segurança nas ruas. No entanto, a realidade é mais complexa e preocupante. O crescimento das autuações revela não apenas o rigor das autoridades, mas também o descompasso entre o que se exige dos condutores e o que é oferecido em termos de infraestrutura urbana.
É fato: só é multado quem descumpre as normas de trânsito. Ninguém questiona a necessidade de obedecer às leis e garantir a segurança de todos. Também não se ignora que as multas são uma importante fonte de arrecadação para os cofres públicos. Contudo, é fundamental analisar o contexto em que essas infrações ocorrem. As condições das vias públicas, em muitas cidades, deixam a desejar, o que transforma o simples ato de dirigir em um verdadeiro teste de paciência, atenção e habilidade.
Buracos, sinalização deficiente, semáforos inoperantes, faixas apagadas e trechos em obras mal sinalizadas são apenas alguns dos problemas enfrentados diariamente por quem se arrisca no trânsito. Quando, nesse ambiente hostil, o motorista é multado por uma infração, muitas vezes cometida em meio ao caos viário, surge a dúvida: há justiça nessa punição? A coerência do poder público está em xeque.
Não se trata de defender quem desrespeita a lei, mas de apontar a responsabilidade compartilhada que deve existir no trânsito. A lógica de penalizar o cidadão sem que o Estado cumpra sua parte fere o princípio da razoabilidade e mina a confiança na gestão pública. Como exigir que se respeite um limite de velocidade quando a sinalização sequer indica qual é esse limite? Como cobrar o uso correto da faixa de pedestres quando ela mal pode ser vista no asfalto gasto?
A presença cada vez mais atenta dos agentes de trânsito também se destaca. Mas, ao contrário de contribuir para uma cultura de respeito às normas, sua atuação em vias precárias pode ser interpretada como uma caça à infração. Quando o fiscal aparece antes do reparo, o foco da política pública parece invertido: punir antes de prevenir, arrecadar antes de educar.
Mais grave ainda é a sensação de que a lei é aplicada de forma seletiva e oportunista, com foco em locais de maior circulação, onde a arrecadação pode ser mais expressiva. O trânsito precisa, sim, de regras claras e fiscalização efetiva, mas também de vias seguras e planejamento urbano responsável. De nada adianta multiplicar as multas se não se multiplicam os investimentos em mobilidade e infraestrutura.
O caminho mais seguro para todos – motoristas, pedestres e ciclistas– passa por um pacto de responsabilidades. O cidadão deve cumprir a lei, mas o poder público deve, antes de tudo, criar as condições para que a lei seja cumprida com justiça e dignidade. A multa que educa é válida – a que pune em meio ao abandono apenas revolta.



