A propósito da pena capital, que foi imposta a um brasileiro na Indonésia e que tanta comoção vem causando em nossa gente, convém registrar que até ao advento da República em 1889, a legislação pátria contemplava a pena de morte. Essa última execução da pena de morte no Brasil – excetuando-se os casos de condenação de escravos – ocorreu no dia 6 de março de 1855, na cidade de Macaé (RJ).
Vale dizer: estamos 160 anos à frente da Indonésia em civilização e cultura. É uma honra e orgulho para todos nós brasileiros preservarmos esse bem inalienável, tutelado juridicamente, que é a vida humana. Naquele dia o fazendeiro Manoel da Motta Coqueiro Ferreira da Silva, debaixo de vociferante manifestação popular era levado ao patíbulo e, aí, enforcado. Morria a “Fera de Macabu”. Mandatários do crime, meses antes, sofreram a pena máxima: Faustino, Flores e o escravo Pai Domingos. Mas o pior aconteceu. Após o enforcamento, descobriu-se que Motta Coqueiro era inocente. Fora vítima de clamoroso erro judiciário.
Apreciemos os fatos. Motta Coqueiro possuía uma fazenda em “Conceição de Macabu”, no município de Macaé (RJ), onde morava Francisco Benedito, português e pai de oito filhos. Coqueiro e Francisco eram amigos. Surgiu, porém, sério estremecimento entre eles, resultando Francisco ter sido afastado da função de feitor da fazenda. Tempos após, Francisco ao encontrar-se com Coqueiro, o agrediu com chicotadas. Dia seguinte, Francisco, esposa e oito filhos foram encontrados mortos em casa, barbaramente assassinados. Os malfeitores, depois da chacina, incendiaram a casa. Nessa mesma ocasião, desabou um temporal que extinguiu o fogo. O incêndio, porém, já havia atraído a atenção dos vizinhos que depararam com os corpos carbonizados. Assim, as suspeitas do crime convergiram para Coqueiro, pois sua desavença com Francisco já era pública.
Ameaçado, Coqueiro fugiu com um guia, mas esse mesmo, o denunciou à Polícia. Preso, foi removido para Macaé. Acompanhando Coqueiro seguiram Faustino, Flores e Pai Domingos, os quais foram julgados e executados. O julgamento de Coqueiro transcorreu num clima de agitação popular. Finalmente o veredito previsto e desejado: morte do réu por enforcamento. Recursos foram impetrados; todos desfavoráveis. A Defesa fez o pedido da “Graça” ao imperador D. Pedro II. Esse pedido não foi apreciado, pois do Rio de Janeiro foi expedida determinação judicial para que se executasse a sentença de morte contra Coqueiro. Cumpriu-se.
Amainados os ânimos, chegou a hora da reflexão. Os fatos foram reexaminados e aprofundados nas investigações subsequentes. Após esse rigoroso reexame, Coqueiro não foi incriminado. Fora ele processado, julgado e condenado à morte com base tão somente numa presunção: “Coqueiro tinha sido atacado por Francisco, logo fora o autor do crime”. Os supostos assassinos, encomendados por Coqueiro, negaram a participação no evento. Faustino e Flores jamais confessaram o delito. Quanto ao Pai Domingos foi comprovado que estava em Campos (RJ), fora de Conceição de Macabu. Foram ouvidas as pessoas que na véspera do crime pernoitaram na fazenda de Coqueiro. Todas unânimes em inocentá-lo: nenhuma atitude suspeita foi verificada.
Concluídas as diligências, criou-se um ambiente favorável a Motta Coqueiro e contra a pena capital. Acresceu, a favor do suspeito, que em Itaboapoana, na hora da morte, um homem de nome Herculano confessou a seu filho ter sido o responsável pela chacina. No Rio de Janeiro, a ressonância desses acontecimentos levou José do Patrocínio a escrever o livro “A Pena de Morte” que, apoiado nos fatos, condenava a pena máxima. D. Pedro II abalado com essa injustiça passou a conceder “Graça” a todos os condenados à morte. Isto posto, embora permanecesse a pena capital na nossa legislação, ela deixou de ser aplicada até o advento da República. Na realidade, ela foi, de fato, eliminada em 1855.


