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O Congresso pode ser órgão revisor do STF?

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Tramita na Câmara dos Deputados um projeto de emenda à Constituição (PEC) que possibilita ao Congresso Nacional atuar como órgão revisor das decisões do Supremo Tribunal Federal (STF).

Referida proposta busca acrescentar o seguinte inciso ao artigo 49 da Carta Magna: “XIX – deliberar, por três quintos dos membros de cada Casa legislativa, em dois turnos, sobre projeto de Decreto Legislativo do Congresso Nacional, apresentado por 1/3 dos membros da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, que proponha sustar decisão do STF que tenha transitado em julgado, e que extrapole os limites constitucionais”.

Não há dúvida que se trata de uma proposta materialmente inconstitucional, que fere, frontalmente, os artigos 2º e o parágrafo 4º, inciso III, do artigo 60, ambos da Constituição Federal.

O artigo 2º estabelece que são “Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”. E o parágrafo 4º, inciso III, do artigo 60, por sua vez, preconiza que “não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: (…) III – a separação dos Poderes”.

A proposta impõe exatamente a quebra da independência entre os Poderes, rompendo com a cláusula da separação dos Poderes da República, na medida em que permite que o Congresso Nacional (Poder Legislativo Federal) suste decisões do STF (órgão máximo do Poder Judiciário) quando entender que houve extrapolação dos limites constitucionais.

A separação dos Poderes é essencial para a manutenção da democracia e da Justiça e garante a liberdade e os direitos dos cidadãos. No Brasil, a separação dos Poderes continua a ser um princípio fundamental da organização do Estado.

A doutrina da separação dos Poderes encontrará em John Locke e Montesquieu seus grandes sistematizadores – o inglês, pioneiro, por meio do segundo tratado sobre o governo civil e o francês no célebre “Do Espírito das Leis”.

A ideia como adotada pelas constituições modernas decorrem do pensamento de Montesquieu, filósofo e político francês do século 18, que teve uma influência significativa no desenvolvimento do pensamento político moderno, que propunha a divisão do poder em três grandes funções: Legislativa, Executiva e Judiciária.

O Poder Legislativo, em síntese, é responsável pela criação e modificação das leis que vão regular a vida em sociedade. Já Poder Executivo, resumidamente, tem por função executar as leis e administrar o Estado.

Por fim, o Poder Judiciário tem por principal função interpretar as leis ao caso concreto, buscando a pacificação dos conflitos sociais.

A Constituição de 1988 estabelece a sujeição ao princípio da separação dos Poderes, reafirmando a necessidade da independência e harmonia entre eles. Por independente, entende-se que os Poderes devem funcionar de forma autônoma, sem interferência de um poder em relação as atribuições do outro.

Ou seja, o Poder Judiciário não pode interferir em questões internas corpuris do Poder Legislativo, da mesma forma que esse não poder se arvorar na função judicante como se fosse um órgão revisor.

Portanto, a independência é a ausência de subordinação, de hierarquia entre os Poderes. Cada um deles é livre para se organizar e não pode intervir indevidamente (fora dos limites constitucionais) na atuação do outro.

Harmonia, por sua vez, significa colaboração, cooperação, com escopo de garantir que os Poderes expressem uniformemente a vontade da União. Ou seja, os Poderes devem trabalhar em conjunto, de forma harmônica, para o bom funcionamento do Estado. 

Há que se destacar, por oportuno, que a independência entre os Poderes não é absoluta, encontrando limites pelo sistema de freios e contrapesos, o qual possibilita a interferência legítima de um Poder sobre o outro, nos limites estabelecidos constitucionalmente.

Dessa forma, extrai-se do texto constitucional que o Poder Executivo tem o poder de veto sobre leis propostas pelo Legislativo, por entendê-la, por exemplo, inconstitucional.

O Legislativo pode limitar o Executivo, por exemplo, ao aprovar ou rejeitar nomeações feitas pelo presidente para o cargo de ministro do STF, bem como tem o poder de impeachment.

O Judiciário, por sua vez, pode declarar leis ou atos do Executivo como inconstitucionais, limitando assim os outros dois Poderes.

No entanto, sob pena de ferir a independência entre os Poderes, o Poder Legislativo não pode se imiscuir na função judicante para sustar decisões do STF. Seja a que pretexto for. Essa invasão na esfera de atuação de um poder é vedada pela Constituição, inclusive por meio das emendas constitucionais tendentes a abolir a independência entre os Poderes.

Ademais, outra iniquidade da PEC consiste na permissão conferida ao Congresso Nacional de estabelecer o que seria uma decisão do STF que “extrapole os limites constitucionais”.

Qual o parâmetro que seria utilizado? Não há dúvida que se trataria de uma arma perigo nas mãos de um órgão político (Poder Legislativo), que poderia impor a sua vontade e suas ideologias ao arrepio da própria Constituição, uma vez que teria a última palavra em toda matéria constitucional.

Dessa forma, a PEC que permite ao Congresso Nacional agir como órgão revisor do STF é absolutamente inconstitucional, por flagrante afronta a independência entre os Poderes da República, e deveria ser arquivada já na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados. Mas uma CCJ ideologicamente cooptada jamais vai reconhecer isso, infelizmente.

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Lixões agravam destruição dos incêndios no Pantanal

20/09/2024 07h45

Caminhos da vida

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Recentemente, um incêndio de grandes proporções consumiu parte do lixão instalado em Corumbá, em Mato Grosso do Sul. Não foi a primeira vez. O fogo descontrolado já havia atingido o local em 2022, 2020 e 2019.

A fumaça tóxica se espalhou por quilômetros, e o incidente terrível demandou dias de trabalho do Corpo de Bombeiros, consumiu milhares de litros de água e ameaçou a vida milhares de pessoas e animais que vivem nas proximidades.

Em meio a maior seca dos últimos 70 anos, a cidade tem em seu coração um perigoso propulsor de incêndios. Lixões a céu aberto e aterros controlados, que são instalações de soterramento de resíduos sem controle ambiental, não têm nenhum controle sobre a circulação do metano, gás 28 vezes mais poluente que o gás carbônico e altamente inflamável. 

Em lixões, o fogo pode ser originado por qualquer fagulha, bituca de cigarro ou até pela ação do sol sobre determinados resíduos. E o Pantanal, que passa por um dos seus piores momentos da história em relação às queimadas, sofre com a presença de depósitos irregulares de lixo. Cidades pantaneiras em Mato Grosso do Sul, como Corumbá e Ladário, ainda têm lixões a céu aberto. 

As soluções mais adequadas para receber os resíduos são os aterros sanitários. Complexas obras de engenharia, os aterros sanitários captam e tratam o metano, que é reaproveitado para a geração de biocombustíveis e energia elétrica. 

Após um longo trabalho liderado pelo Ministério Público, pelo Tribunal de Contas e pelo governo do Estado, os índices de destinação correta de Mato Grosso do Sul se sobressaem sobre diversos outros estados brasileiros. De fato, apenas 5% dos municípios do Estado destinam inadequadamente seus resíduos para lixões ou aterros controlados. 

As prefeituras culpam o custo da instalação e da operação de um aterro para justificar a manutenção dos lixões. Esse argumento não é aceitável. Faz 14 anos desde que a Política Nacional de Resíduos Sólidos determinou o encerramento dessas graves chagas ambientais e sociais que são os lixões.

Só assim é possível garantir recursos e evitar o remanejamento de verbas de outras áreas prioritárias para a população, como educação e saúde. O não cumprimento dessa determinação pode levar os gestores públicos a sofrerem sanções judiciais, mas, ainda assim, a implementação de taxas ou tarifas para esse serviço enfrenta resistências.

Isso reflete, por exemplo, nos serviços de coleta. Em MS, cerca de 90% dos domicílios têm coleta de lixo de forma regular, segundo o Censo 2022. Quando falta serviço, não resta outra solução senão o despejo do lixo em áreas comuns ou mesmo a queima.

Ainda segundo o último Censo, em MS, 80% da população que não é atendida por serviço regular de coleta opta pela queima. Apesar de ser prática comum, gera um imenso risco de incêndios descontrolados! A enganosa economia resultante da má gestão dos resíduos acaba saindo muito caro.

Por um lado, doenças evitáveis que são causadas pelo lixo sobrecarregam o sistema de saúde local, por outro, os incêndios frequentes causam perdas irrecuperáveis, destruição e prejuízos incalculáveis.

Todos os lixões precisam ser imediatamente substituídos por aterros sanitários, que são estruturas adequadas e seguras para o meio ambiente. Quando isso acontecer, uma parte significativa das causas de incêndio terá sido sanada.

O prazo previsto na legislação para erradicá-los já passou. Nossa população merece ter o seu direito assegurado, como diz a Constituição, a um “meio ambiente ecologicamente equilibrado”.

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Com a alma partida em mil pedaços

20/09/2024 07h30

Caminhos da vida

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Há um belíssimo ensaio de Ortega y Gasset, intitulado “No Ser Hombre de Partido”, em que o mesmo nos apresenta uma longa reflexão sobre a tomada de posição em relação às contendas políticas que tomam conta da vida nas sociedades contemporâneas.

Como todos sabemos, não existe essa história de não tomar partido, e isso vale, principalmente, para a turma que prefere se colocar em uma torre de marfim, toda limpinha, acima do bem e do mal, muito além das disputas e das picuinhas da direita e da esquerda; pessoas essas que se consideram isentas, prudentes e muitíssimo sofisticadas e que, de forma muito ladina, querem apenas e tão somente, se possível for, tirar o máximo de vantagem de qualquer time que venha a encilhar sua cela política na égua baia do poder estatal.

Se nos portamos desse modo, não estamos, de modo algum, agindo por princípios. Estamos apenas elevando, a categoria de princípios, os nossos interesses tacanhos e imediatistas.

Doutra parte, não há nada de profundamente meritório em ser um “homem de partido”, que defende com unhas e dentes todas as traquitanas e estripulias que são orquestradas por um partido político ou que são praticadas em nome dele.

Quando procedemos dessa maneira, acabamos por confundir a tomada de partido em relação a algo, com a tomada de nossa consciência por um partido, para nos manipular em relação a tudo.

Como diria Ortega y Gasset, muitas e muitas pessoas preferem agir assim por causa da segurança psicológica que lhes é dada pelo fato de estarem integrando um grupo. Há pessoas que preferem ter sua mente carregada pelas mãos invisíveis de um partido, e arrastada pelos tentáculos de uma multidão, do que andar, de forma claudicante, com pernas da sua própria consciência.

Diante do exposto, o que seria então menos danoso para a nossa personalidade: a atitude cínica do “isentão” ou o engajamento insensato e temerário nas fileiras de uma ideologia? Francamente, penso que nem uma coisa, nem outra.

Devemos, sim, no meu entender, nos esmerar em tomarmos uma posição clara em relação à realidade dos fatos da vida, à luz da nossa consciência. Por isso, recuar pode ser uma opção, avançar também, mas nos calar e nos omitir, não. De jeito maneira.

Sim, podemos nos equivocar ao tomar uma decisão, como podemos estar redondamente mal-informados a respeito dos acontecimentos que estão marcando os caminhos e descaminhos da sociedade, mas seremos nós que estaremos cometendo esse erro e assumindo a responsabilidade. Não terá essa de nos fiarmos na máxima de Homer Simpson, que diz: “A culpa é minha e eu coloco em quem eu quiser”. Nada disso.

Agora, quando colocamos nossos interesses mesquinhos acima da nossa consciência, o trem desanda de vez, porque, desse modo, acabamos por eleger como critério de julgamento das nossas decisões, da nossa “cidadania”, tão só e simplesmente o tamanho das vantagens pecuniárias que poderão ou não ser obtidas por nós em uma disputa de poder, seguindo à risca a velha lei de Gerson.

E se aderimos apaixonadamente a um partido, colocando-o no lugar da nossa consciência, adotando suas diretrizes como se fossem os princípios orientadores da nossa vida, o único critério de avaliação que teremos será a conquista do poder pelo partido e, é claro, a manutenção da presença do dito-cujo nas entranhas da besta-fera estatal.

Por isso, tomar partido, de forma responsável, é defender a soberania da verdade sobre todos os interesses, inclusive e principalmente sobre os nossos. Ser um homem de partido é tomar parte na luta pela defesa da majestade da verdade sobre todos nós, principalmente quando a verdade está nos chamando a atenção para as nossas inúmeras fraquezas e limitações.

Sejamos de direita, de esquerda, ou tico-tico no fubá (isentão), é de fundamental importância que procuremos lutar para preservar a nossa mente das sedições que se levantam contra ela, sublevações essas que abundam nesse mundo e que não medem esforços para nos degradar, e, principalmente, lutemos, sem fatigar, para proteger nossa consciência contra as mil e uma fraquezas do nosso caráter, ou da falta dele.

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