Artigos e Opinião

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Quem imaginaria, há duas décadas, um pastor evangélico subindo ao palanque para fazer um incendiário discurso eleitoral? E mais: usando o dinheiro de seu credo para pagar pela realização de eventos políticos? Pois bem, o líder da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, Silas Malafaia, é esse pastor.

Transformando púlpito em palanque e agindo como porta-voz de cerca de 90 mil igrejas evangélicas que abrigam 36% da população brasileira (74 milhões de pessoas), Malafaia, com sua presença constante na tribuna política, explicita abertamente os interesses do evangelismo no Brasil: defender uma plataforma conservadora no Congresso Nacional, eleger bancadas evangélicas em todos os estados da Federação e, mais adiante, sentar-se no trono do Palácio do Planalto. Os cultos já não escondem dos fiéis seu engajamento político.

Quem imaginaria que a Frente Parlamentar Evangélica, com 200 deputados federais e 8 senadores, tornaria-se, hoje, a mais disputada do Congresso Nacional? Não é à toa que o presidente Luiz Inácio (que já pensa no pleito de 2026) tente atraí-la para sua base, temendo que ela possa vir a ser a principal força eleitoral de seus oponentes.

A agenda dos credos evangélicos abarca densa pauta: direitos sexuais e reprodutivos, violência contra a mulher, concepção de família, responsabilidades domésticas, religião e posições antigênero. Como armas de combate, o evangelismo usa mídias próprias e espaços nobres em canais de TV. O mercado da fé ocupa vastos espaços midiáticos. Vê nessa estratégia a possibilidade de se tornar um grande negócio, uma máquina de fazer dinheiro. E conseguiu. Hoje, calcula-se que a arrecadação das igrejas evangélicas seja de cerca de R$ 25 bilhões anuais.

Mesmo sendo beneficiada por imunidade tributária, parte das igrejas não cumpre a lei – a dívida acumulada é de R$ 420 milhões. No topo do ranking dos devedores está a Igreja Internacional da Graça de Deus, do pastor Romildo Ribeiro Soares, que tem cerca de 3.000 templos espalhados em 11 países.

O império evangélico exerce forte influência sobre o pensamento nacional, graças à engenhosidade de sua máquina de cooptação de fiéis. Máquina lubrificada pela boa fé do povo carente. Adotando estudada liturgia, compreendendo um discurso catártico, com hinos de louvor aos céus, cantados por plateias embevecidas; exercícios de hipnose, com o exorcismo de demônios; cura de males, que lembra Jesus ressuscitando Lázaro (“levanta-te e anda”); benzeção de pessoas deficientes, entre outras modalidades que fazem parte de sua liturgia.

Os pastores são mestres na arte de manipular a liturgia da catarse coletiva. Estudos sobre catarse devem fazer parte da cartilha de muitos. Conhecem, senão de forma profunda, pelos menos superficialmente, artifícios usados por grandes oradores para dominar as massas. Os mais letrados devem ter ido buscar conhecimento em obras que tratam de manipulação das massas pela liturgia da palavra.

A propósito, De Felice, um historiador italiano que escreveu quatro volumes sobre Mussolini, ensina: “Os efeitos fisiológicos e psíquicos de uma gesticulação levada até o delírio são comparáveis aos de uma intoxicação. As desordens funcionais assim introduzidas no organismo provocam vertigens e, finalmente, uma inconsciência total, que permite as piores loucuras. Às vezes, agitações desse gênero apoderam-se de reuniões políticas e provocam cenas tumultuosas, as quais recordam os espetáculos oferecidos pelas irmandades”.

Os discursos espetaculosos dos pastores, comuns no passado, em horários noturnos, hoje são ouvidos em horários diurnos, alguns bem cedo. Seitas multiplicam-se por todas as partes, principalmente nos fundões do País, onde é comum ver em um mesmo bairro duas ou até três igrejas de credos diferentes. Não se menospreze, portanto, o preparo dos pastores. Alguns frequentaram centros teológicos, onde se estuda a Bíblia. Outros aprimoraram o discurso, participando de cursos de retórica.

Em suma, o evangelismo no Brasil assume uma feição política. Os governantes, por sua vez, preocupados em manter boas relações com as igrejas, por ver no eleitorado evangélico grande rebanho eleitoral, deixa a situação correr solta (a RF se mostra leniente na cobrança dos devedores). Brasília, antes um território frequentado exclusivamente por políticos, é uma passarela da fé. E assim, os redutos sagrados, onde os crentes entoam suas preces ao Senhor da Criação, transformam-se em escritórios de venda de pedacinhos terrenos no céu.

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EDITORIAL

Santa Casa refém da própria má gestão

A Santa Casa precisa de mais do que socorros emergenciais: precisa de coragem para mudar, responsabilidade na gestão e respeito por quem sustenta sua missão

23/12/2025 07h15

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A situação vivida pela Santa Casa de Campo Grande ao fim de mais um ano é, infelizmente, a repetição de um roteiro conhecido – e previsível.

Há, pelo menos, uma década, o maior hospital filantrópico do Estado é vítima não apenas de um sistema público de saúde subfinanciado, mas, sobretudo, de escolhas administrativas equivocadas, da falta de planejamento e de uma gestão que parece incapaz de romper com seus erros históricos.

Neste fim de ano, o cenário chega a um ponto simbólico e constrangedor: a instituição depende, literalmente, de um milagre para pagar o 13º salário de seus funcionários.

Profissionais que sustentam o atendimento diário de milhares de pacientes, que enfrentam plantões exaustivos, superlotação, escassez de insumos e pressão constante, agora convivem com a angústia de não saber se receberão um direito básico. Isso não honra o nome “Santa Casa”.

Não há justiça social, não há moralidade administrativa e tampouco humanidade em deixar esses trabalhadores à mercê da incerteza.

É evidente que o problema não se resume à gestão interna. O subfinanciamento do Sistema Único de Saúde (SUS) é uma realidade nacional, e a Santa Casa, como tantas outras instituições filantrópicas, sofre com valores defasados, repasses insuficientes e atrasos frequentes.

O poder público tem, sim, parcela relevante de responsabilidade nesse quadro. Ignorar isso seria desonesto. No entanto, usar essa realidade como justificativa permanente para a ineficiência interna é igualmente inaceitável.

O que salta aos olhos é a aparente falta de disposição da administração do hospital em buscar eficiência, especialmente no campo financeiro.

Os números mostram que apenas o serviço da dívida – os juros e encargos pagos anualmente aos bancos – seria suficiente para quitar não apenas o 13º salário e evitar o acúmulo de outras obrigações em atraso, mas também de quitar quase toda a folha anual. Isso revela um modelo de gestão que prioriza a manutenção de passivos bancários em detrimento do compromisso com seus trabalhadores.

Mais uma vez, a saída apontada parece ser recorrer a novos empréstimos ou aguardar aportes emergenciais do poder público. Trata-se de um ciclo perverso. Endividar-se para cobrir despesas correntes, como folha de pagamento, não é uma estratégia de sustentabilidade; é um atalho para o colapso.

Empréstimos deveriam servir para investimentos, modernização, ganho de eficiência e redução de custos futuros – não para tapar buracos mensais de um caixa cronicamente desequilibrado.

O resultado é uma dívida cada vez menos saudável, maior dependência externa e nenhuma solução estrutural. Enquanto isso, a transparência sobre gastos, contratos e decisões estratégicas segue insuficiente, o que apenas aprofunda a desconfiança da sociedade e dos funcionários.

É lamentável que um hospital com tamanha importância social, histórica e simbólica chegue a esse ponto ano após ano. A Santa Casa precisa de mais do que socorros emergenciais: precisa de coragem para mudar, de responsabilidade na gestão e de respeito por quem sustenta a sua missão.

Sem isso, continuará sobrevivendo de milagres – e milagres, como se sabe, não fazem planejamento financeiro.

ARTIGOS

Terrorismo e religiosidade

Fundamentalismo dos terroristas de todos os matizes é antissemita, anticristão e anti-hislamista, porque se vale da inimizade aos valores religiosos para disseminar o ódio

22/12/2025 07h45

Arquivo

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A propósito do recente e trágico ataque ocorrido na Austrália, que vitimou diversas pessoas – algumas delas fatalmente – durante a pacífica celebração do Hanukkah, a festa das luzes da comunidade judaica, impõem-se algumas reflexões sobre os motivos e as consequências de tal ato.

À falta de definição mais apropriada, e sem entenderem bem o que teria motivado os ataques, aparentemente praticados por pessoas isoladas, os analistas chamaram a atenção para a facilidade com que se adquirem armamentos hoje em dia, fenômeno que ocorre também em nosso País.

É simbólico que a festa das luzes seja muito próxima dos festejos de Natal. Também no Tempo do Advento as luzes da coroa vão sendo acesas em crescente até que a Luz do Mundo venha a nascer na noite tão esperada pelos cristãos.

Jesus Cristo não selecionava ninguém. Qualquer pessoa seria bem acolhida por Ele, bastando que professasse o único mandamento propriamente cristão: ama o próximo como a ti mesmo. Aliás, o Cristo ia além e dizia: amai vossos inimigos, o que revela, igualmente, o modelo mais aberto de compreensão da pessoa do próximo.

Na verdade, o fundamentalismo dos terroristas – de todos os matizes – é antissemita, anticristão e anti-hislamista, porque se vale da inimizade aos valores religiosos para disseminar o ódio, a cultura de morte a que já se referia São João Paulo II.

Trata-se, portanto, do mesmo tipo de fundamentalismo que outros grupos de terroristas praticam para excluir as minorias de todo o tipo, mesmo as que não professem nenhuma crença.

É simbólico que tenha sido Ahmed, o sírio, a desarmar um dos terroristas, o que lhe custou dois ferimentos.

Esses terroristas disparam, inclusive pelos meios de comunicação virtual, contra todos aqueles que não pensam como eles. Eis quem são, em certo sentido, os verdadeiros fundamentalistas do ódio. Por que teriam escolhido a reunião do Hanukkah, tão plena de simbolismos?

Não nos prendamos a esse vetor. Basta atentar para os recentes ataques a uma mesquita e a uma feira natalina para que se ponha foco na essência do que está em jogo.

A enorme confusão ideológica e doutrinal do terrorismo revela, antes de tudo, mentes perturbadas, incapazes de discernir entre o bem e o mal. Ou, se quisermos embaralhar ainda mais as cartas, incapazes de discernir a esquerda da direita.

A confusão ideológica, aliás, não é apenas um sintoma de desordem mental, mas a estratégia consciente de aniquilar a pluralidade inerente à condição humana.

O extremismo, ao se apropriar de símbolos sagrados e transformá-los em bandeiras de exclusão, trai a própria essência de qualquer fé que pregue a transcendência e o amor ao Criador, pois desumaniza a criatura feita à sua imagem.

Desta forma, o verdadeiro combate ao terrorismo não se limita à repressão policial ou militar, mas passa necessariamente pela defesa intransigente da educação e do diálogo inter-religioso.

É a luz da razão e da tolerância que deve ser acesa para dissipar a escuridão do fanatismo, provando que a diferença de crença jamais pode ser motivo para a guerra, mas sim o motor para um enriquecimento mútuo da civilização.

Urge que os homens de boa vontade se ergam, em uníssono, em favor de uma cultura de paz e de liberdade religiosa, e que todas as luzes se acendam em alerta contra toda e qualquer manifestação terrorista.

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