A CPI do Ônibus, instaurada pela Câmara Municipal de Campo Grande, começa a dar sinais de que poderá cumprir seu papel. Depois de semanas mornas e reuniões pouco produtivas, a sessão de ontem trouxe à tona informações que merecem atenção da sociedade – e que confirmam, com indignação, o que muitos usuários do transporte coletivo já suspeitavam há tempos: o sistema de fiscalização é um simulacro, um verdadeiro faz de conta.
Conforme detalha reportagem nesta edição, os dados que aferem a qualidade do transporte coletivo na capital sul-mato-grossense são fornecidos por uma empresa de auditoria contratada pelo concessionário. Isso mesmo: o Consórcio Guaicurus, que opera o sistema, é responsável por contratar quem vai verificar a qualidade do seu serviço. Mais grave ainda, é o consórcio que alimenta os dados que chegam à Agetran, a agência municipal que deveria fiscalizá-lo. A pergunta se impõe: quem, em sã consciência, acredita que um fiscal pago pelo fiscalizado fará seu trabalho com isenção?
A lógica desse sistema é de um evidente conflito de interesses. E pior: não se trata de um problema pontual, mas de uma estrutura montada para parecer séria, sem de fato ser. Como bem deixou claro o depoimento nesta quarta-feira, a fiscalização do transporte coletivo é praticamente fictícia. O poder público terceirizou uma de suas obrigações mais básicas, que é garantir que um serviço essencial como o transporte funcione adequadamente.
O mais revoltante é que tudo isso está previsto desde a origem. O contrato firmado em 2012 entre o município e o Consórcio Guaicurus já nasceu cheio de vícios e brechas, que se transformaram, com o tempo, em entraves para qualquer avanço real no sistema. O que era para ser um modelo moderno e eficiente virou um filme repetido que não convence mais ninguém, nem mesmo os vereadores, que até agora vinham tratando a CPI com certa tibieza.
O mínimo que se espera da CPI, em função dos novos fatos, é que avance de maneira contundente e responsável. Não se trata apenas de expor os problemas, mas de propor mudanças estruturais. O cidadão campo-grandense, que paga caro por um serviço muitas vezes ruim, não pode mais ser feito de bobo. A fiscalização não pode ser um teatro de conveniências entre o poder público e a concessionária.
Há algo de perverso na forma como se desenhou esse “modelo de gestão”. Porque não apenas é simulada uma fiscalização, como também se transfere a culpa pelo caos do sistema para o usuário, que, quando reclama, ouve que está enganado, porque os dados “oficiais” apontam que está tudo bem. Essa manipulação da percepção pública é desonesta. E se for comprovada, deve ser tratada com o devido rigor legal e institucional.
A CPI do Ônibus tem agora uma escolha clara: seguir o caminho da responsabilização e da reformulação do sistema ou se tornar mais um capítulo do jogo de cena que já dura mais de uma década. Campo Grande precisa de respostas e, mais do que isso, de coragem para romper com velhas estruturas, como este contrato de concessão.




