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O neocoronelismo

Gaudêncio Torquato - Escritor, jornalista, professor titular da USP e consultor político

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Tem sido consenso entre os analistas políticos que o País passa por um dos piores momentos de sua vida parlamentar. O articulista Merval Pereira, de O Globo, é duro na crítica: “O Congresso bate o recorde de ações amorais”.

Deputados se elegendo prefeitos, prefeitos se elegendo deputados, senadores se elegendo governadores, governadores se elegendo deputados, enfim, esse é o retrato da nossa vida parlamentar.    

A estampa visual do presidente da Câmara, deputado Hugo Motta, não corresponde ao seu pensamento. Muitos acham que é um novo representando a velhice. De uma família política da região de Patos, na Paraíba, chegou à presidência da Câmara sob a chancela do deputado Arthur Lira, também um representante da política do “é dando que se recebe”. Ou seja, o Congresso Nacional continua a ser um dos bastiões do coronelismo no Brasil.

Dito isso, é de se perguntar: “Há sinais de mudança à vista? Pouco provável que isso ocorra. O coronelismo na política é uma árvore de raízes profundas.
Como se sabe, o coronelismo é um fenômeno da política brasileira, ocorrido durante a Primeira República. Caracteriza-se por uma pessoa, o coronel, que detinha o poder econômico e exercia o poder local por meio da violência e trocas de favores.

A palavra coronelismo é, na realidade, um abrasileiramento da patente de coronel da Guarda Nacional. O cargo era utilizado para denominar os cargos aos quais as elites locais poderiam ocupar dentro do escalão militar e social brasileiro.

Esse fenômeno teve início durante o Período Regencial (1831-1842). Como o Império do Brasil se encontrava sem um Exército forte e centralizado, o governo apeou para os dirigentes locais, a fim de constituir milícias regionais e, assim, combater as rebeliões que aconteciam no País.

Naquele momento, foram colocados à venda postos militares como o de tenente, capitão, major, tenente-coronel e coronel da Guarda Nacional.

Aos olhos da população local, ser coronel era equivalente a ter um título nobiliárquico e passou a legitimar muitas das ações dos chefes locais. Os coronéis podiam recrutar pessoas para compor a força militar do governo.

O fenômeno do poder do coronel foi tão presente que se confunde com outros termos relacionados, tais como mandonismo, clientelismo e até feudalismo. Na América hispânica, encontramos similitude com o caudilhismo.

Historinha do coronel Chico Heráclio, o último coronel do Nordeste: mandou na cidade do Limoeiro (PE), afirmando que as eleições em sua cidade “tinham que ser feitas por mim”. Heráclio era do que, em dia de votação, distribuía aos eleitores, em envelopes lacrados, as chapas de seus candidatos. Um mais afoito se dirigiu a ele, depois de ter votado: “Fiz tudo certinho, coronel, como o senhor mandou. Agora me diga uma coisa: em quem eu votei?” A resposta veio rápido: “Nunca me pergunte uma coisa dessa. O voto é secreto, meu filho”.

Outro episódio engraçado: o do pênalti que o coronel mandou o juiz cobrar a favor de seu time, o Colombo. Foi em um jogo com um clube de Recife. O empate sem gols permanecia quando, a poucos minutos do fim, o árbitro marca a penalidade máxima para os visitantes. A confusão foi armada sem que Chico Heráclio soubesse o que estava ocorrendo. Ao ouvir as razões do juiz, decidiu dar a razão a ele. Um assessor lhe disse no ouvido que o Colombo perderia o jogo. Então o coronel ordenou: “Cobra, sim, mas contra a outra barra”.

Os territórios controlados politicamente pelos coronéis eram denominados “currais eleitorais”. Neles, qualquer um que se negasse a votar no candidato apadrinhado pelo coronel poderia sofrer violência física e até morrer. Esse método ficou conhecido como o voto de cabresto.

Apesar de toda hegemonia durante a República Velha, o coronelismo perdeu espaço com a modernização dos centros urbanos, bem como pela ascensão de novos grupos sociais. Igualmente, a Revolução de 1930, liderada por Getúlio Vargas, pôs fim a esta maneira de fazer política.

Até hoje podemos verificar sua influência no Brasil ao perceber o domínio de uma mesma família em certas regiões brasileiras. Basta olhar para a cara do Congresso para constatar a força do neocolonialismo.

Basta ver, também, que o Congresso tender a jogar no baú do esquecimento projetos de lei que contrariem os interesses de bancadas que jogam no tabuleiro do “toma-lá-dá-cá”. Há inúmeros projetos de reforma política que continuam no baú do esquecimento.

Haveria mecanismos para se fazer uma reforma em profundidade? Alguns fatores e variáveis são citados, entre as quais, a reforma política e eleitoral, o fim ou a redução da reeleição cruzada, barreiras para que ex-governadores imediatamente disputem o Senado, ou senadores retornem à Câmara sem intervalo, cláusulas de barreira mais fortes, que dificultariam a proliferação de partidos usados como meras legendas de aluguel, sustentáculos dos coronéis locais. A adoção do voto distrital, misto ou distrital puro, que poderia enfraquecer oligarquias estaduais, ao aproximar representantes de bases menores, porém sob risco de reforçar o poder de coronéis locais.

Na área da regulação da comunicação política, a medida mais adequada, segundo os especialistas, seria reduzir a concentração de concessões de rádio e TV em famílias políticas.
Eis o dilema central: coronelismo moderno é um sistema de poder que se adapta, quando se fecha uma porta, ele encontra outra.

Editorial

Estado acelera no etanol: energia verde

Basta circular pelas rodovias de MS para perceber os sinais dessa mudança. O fluxo crescente de caminhões-tanque não é por acaso nem por excesso pontual de safra

24/12/2025 07h15

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Talvez ainda não tenhamos nos dado conta da dimensão do que está acontecendo. Mas a produção de bioenergia está, literalmente, em pleno vapor no Brasil – e, de forma muito particular, em Mato Grosso do Sul. Trata-se de uma transformação silenciosa, que não costuma ganhar manchetes diárias, mas que pode ser decisiva para o futuro econômico, ambiental e estratégico do Estado e do País.

Basta circular pelas rodovias sul-mato-grossenses para perceber os sinais dessa mudança. O fluxo crescente de caminhões-tanque não é por acaso nem por excesso pontual de safra. Eles cruzam o Estado carregados de etanol anidro ou etanol hidratado, destinados para distribuidoras de todas as regiões do Brasil. É o retrato de uma cadeia produtiva em franca expansão, impulsionada por demanda crescente e por decisões estruturais que reposicionam o Brasil no mapa da transição energética.

Essa verdadeira revolução verde está acontecendo, de forma concreta, nos tanques de combustível. O consumo de etanol cresce, a produção acompanha esse ritmo e se diversifica, especialmente com o avanço do etanol de milho, no qual Mato Grosso do Sul se destaca nacionalmente. Soma-se a isso uma política energética relevante: a exigência de 30% de etanol anidro misturado a gasolina comercializada no País. Trata-se de uma regra estratégica, que reduz a emissão de poluentes, diminui a dependência do petróleo e fortalece uma matriz energética mais limpa e sustentável.

Não é pouca coisa. Em um mundo que busca, ainda de forma desigual, caminhos para a descarbonização, o Brasil dispõe de uma vantagem comparativa rara: a capacidade de produzir energia renovável em larga escala, com tecnologia, competitividade e menor impacto ambiental. Mato Grosso do Sul, nesse contexto, consolida-se como peça-chave. O Estado deixou de ser apenas um grande produtor agropecuário para se firmar como polo industrial de bioenergia, com usinas modernas, investimentos robustos e geração de empregos diretos e indiretos.

O Correio do Estado tem mostrado, ao longo dos últimos anos, a força crescente da indústria de etanol sul-mato-grossense. Não se trata apenas de números de produção ou de novos empreendimentos, mas de um reposicionamento econômico que altera a lógica de desenvolvimento regional. A bioenergia gera renda, movimenta cadeias logísticas, estimula inovação e amplia a arrecadação, ao mesmo tempo em que responde a uma das maiores urgências do nosso tempo: a necessidade de reduzir emissões e enfrentar as mudanças climáticas.

É claro que desafios permanecem. Infraestrutura, logística, regulação e planejamento de longo prazo precisam acompanhar esse crescimento para que ele seja sustentável em todos os sentidos. Mas o caminho está posto. O Estado já é, na prática, uma grande usina de energia verde a céu aberto, capaz de produzir combustível limpo, reduzir a pegada de carbono e contribuir para a segurança energética nacional.

Mais do que um ativo econômico, essa vocação representa uma responsabilidade. Mato Grosso do Sul pode – e deve – ser exemplo para o Brasil e para o mundo. A bioenergia não é promessa distante: ela já está nas estradas, nos tanques, nas usinas e no cotidiano da população. Cabe agora reconhecer essa realidade, valorizá-la e transformá-la em política de Estado, para que o desenvolvimento caminhe lado a lado com a sustentabilidade.

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ARTIGOS

O passado desafia a ciência

A teoria de Darwin, unanimidade na comunidade científica, trouxe a base para compreendermos a evolução das espécies, mas alguns pontos ainda intrigam

23/12/2025 07h45

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Ao longo da história, parece que nosso planeta foi palco de diferentes “camadas” de civilizações. Cada uma deixou marcas, enigmas e realizações que ainda hoje nos desafiam. Na camada atual, buscamos organizar o passado em linhas cronológicas, tentando conectar datas e teorias de evolução. Nem sempre, porém, essas conexões se sustentam de forma linear.

A teoria de Darwin, unanimidade na comunidade científica, trouxe a base para compreendermos a evolução das espécies. Mas alguns pontos ainda intrigam.

Há saltos inesperados e caminhos surpreendentes, como o caso do polvo – um animal com características biológicas únicas – ou o fator Rh negativo em humanos, cuja origem permanece pouco clara.

Esses exemplos alimentam a imaginação e levantam hipóteses sobre a Terra como possível “laboratório de experiências”.

Outro enigma fascinante é o surgimento e desaparecimento dos dinossauros. Eles habitaram todos os continentes e dominaram o planeta por milhões de anos. O fim abrupto, atribuído ao impacto de um meteoro na região do atual Golfo do México, teria desencadeado um inverno global que durou anos.

Para alguns, esse evento sugere não apenas um acidente cósmico, mas uma intervenção programada na história da vida.

Seguindo a linha do tempo, chegamos às primeiras civilizações humanas. Povos antigos demonstraram capacidades impressionantes: ergueram blocos de pedra de dezenas e até centenas de toneladas, como o monumental bloco de cerca de 570 toneladas na base da muralha em Jerusalém.

Além disso, desenvolveram conhecimentos científicos notáveis. Eratóstenes, físico e matemático grego, calculou a circunferência da Terra com precisão admirável há mais de dois milênios – e pensar que hoje ainda há quem defenda que o planeta seja plano.

Diante desse mosaico de enigmas, que vai dos saltos evolutivos às obras monumentais deixadas por povos antigos, o que realmente se evidencia é nossa inquietação ancestral. Cada hipótese, seja científica ou imaginativa, revela menos sobre o passado em si e mais sobre o desejo humano de construir sentido e reconhecer seu lugar na história do planeta.

É nesse espírito de investigação curiosa que em “Vale do Silêncio – O Enigma do Lago” não trago respostas, mas um convite, recriando, pela ficção, o impulso que sempre nos moveu: olhar para o inexplicável e ousar formular novas perguntas.

Ao final, não importa quão sólida seja uma teoria ou quão fantástica seja outra, o que permanece é a importância de continuar explorando e ampliando as possibilidades do que entendemos como origem.

Ao observar tantos pontos obscuros em nossa trajetória, fica claro que a humanidade ainda está longe de compreender completamente de onde veio. A ciência avança, corrige rumos, descarta teorias e propõe outras, mas deixa brechas que alimentam nosso impulso de investigar.

Cada lacuna é um convite para reexaminar certezas e assumir que parte do passado permanece fora do alcance. Especular não é apenas um exercício de imaginação, mas uma necessidade intelectual. Permite explorar caminhos improváveis, levantar hipóteses e reconhecer que a história humana é maior do que qualquer narrativa linear.

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