A Constituição Federal de 1988 considera as prisões cautelares (antes de uma condenação) como exceções a qualquer cidadão e, por isso, seus requisitos são herméticos para sua decretação.
Infelizmente, essa excepcionalidade se transformou em uma criação jurisprudencial de situações que não estavam previstas em lei, como, por exemplo, um problema seriíssimo que vivemos em um país de dimensão continental, em que se aventa o argumento de risco de fuga pelo fato de a pessoa investigada viver em região de fronteira, para se somar aos outros motivos de lei, a fim de decretar a prisão preventiva; como se isso fosse mais um argumento para a decretação de prisão preventiva de pessoas que vivem na fronteira seca e que respondem a um processo criminal, o que é um verdadeiro absurdo.
Entre as criações jurisprudenciais que, por décadas, decretam a prisões preventivas de pessoas, sem que houvesse previsão legal, é a situação de periculosidade do agente por receio de reiteração criminosa, pelo fato de a pessoa responder a outros inquéritos ou ações penais, que sequer foram julgadas, em verdadeira afronta ao princípio constitucional de inocência, que é um princípio permanente no nosso Estado Democrático de Direito, colocando em tabula rasa a liberdade, que é a regra.
O Projeto de Lei nº 226/2024, de relatoria do ex-senador Flávio Dino, hoje ministro do STF, teve seu texto aprovado bicameralmente, e encaminhado recentemente para a sanção presidencial, visa acrescentar como requisitos para a decretação da prisão preventiva quatro situações de periculosidade do agente para análise do Poder Judiciário que já eram construções jurisprudenciais:
(1) modus operandi, inclusive quanto ao uso reiterado de violência ou grave ameaça à pessoa;
(2) a participação em organização criminosa;
(3) a natureza, quantidade e variedade de drogas, armas ou munições apreendidas;
(4) o fundado receito de reiteração delitiva, inclusive à vista da existência de outros inquéritos e ações penais em curso.
O que sempre foi motivo da advocacia se insurgir contra a ilegalidade das prisões, ao que parece, terá um novo capítulo de enfrentamento para se discutir a constitucionalidade, pois teve parecer favorável do senador Sergio Moro, que rejeitou as alterações propostas pela Câmara dos Deputados e, ainda, acatou a sugestão apresentada pelo procurador-geral da República, para deixar claro que os critérios são alternativos, e não cumulativos, ou seja, basta a presença de um dos requisitos para justificar a prisão preventiva, mas que o projeto de lei, como forma de “abrandar” a situação, prevê que a periculosidade deve ser concreta, e não de forma abstrata, a fim de não possibilitar ao julgador que hipoteticamente considere a periculosidade para a decretação da prisão preventiva.
A maior justificativa do projeto de lei é o excesso de soltura nas audiências de custódia, porém, nada se fala a respeito de política criminal, superlotação de presídios, condições precárias para tratamentos de saúde de presos, insuficiência de agentes penitenciários, falta de estrutura física e pessoal para receber os presos provisórios, sem contar que a ponderação da magistratura ao decidir pela prisão preventiva o que era motivo para muitos julgadores ponderarem no momento de decidir um pedido de prisão preventiva, em razão da grande quantidade de processos nas varas criminais, o projeto de lei piora o problema do Judiciário com relação ao excesso de prazo para julgamento de processos de réus presos.
O alargamento dos motivos para a decretação das prisões preventivas é enxugar gelo. Não é decretando prisão preventiva que vai se resolver o problema da criminalidade, mesmo porque o crime já aconteceu. Diminuir a criminalidade significa aparelhar os sistemas de inteligência das polícias para evitar que o crime aconteça e não superlotar presídios, permanecendo num ciclo vicioso.


