Artigos e Opinião

ARTIGO

Odilon de Oliveira: "A penhora dos bens dos sócios"

Advogado e juiz federal aposentado

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O sistema tributário nacional permite a instituição de impostos, taxas e contribuição de melhoria. Em 2018, a carga tributária, no Brasil, aproximou-se dos 35% do PIB – Produto Interno Bruto, que corresponde ao total de bens e serviços produzidos num ano. O PIB de 2018 foi de R$ 6,8 trilhões, dos quais só a corrupção levou 2,92%, suficientes para a construção de escolas para 20 milhões de alunos ou de 730 mil leitos hospitalares para se somarem aos atuais 320 disponibilizados pelo SUS. 

Segundo o Banco Mundial, no Brasil, em média, 68% do lucro das empresas são destinados ao pagamento de impostos. É o 14º do mundo com a maior carga tributária. O primeiro colocado, com 45%, é a Dinamarca. A Suécia tem uma carga de apenas 27%. Nesses dois países, a qualidade de vida é muito superior à do Brasil, onde os impostos consomem o que corresponde a 5 meses de trabalho, por ano. Essa dinheirama, aqui, não retorna em forma de serviços de boa qualidade. Bastam os exemplos da segurança, educação e saúde. 

E a boca do leão é cada vez mais gananciosa, como se essa carga tributária toda fosse apenas um trago. Os métodos empregados na arrecadação, embora previstos em lei, concentram poderes excessivos nas mãos do fisco, a exemplo da operacionalização da chamada desconsideração da personalidade jurídica de uma empresa, mecanismo empregado para estender aos sócios responsabilidade tributária, alcançando seus bens particulares. Os sócios passam a ser executados juntamente com a pessoa jurídica. Eis algumas considerações a respeito. 

Para que haja essa desconsideração de personalidade, exige a lei a ocorrência de desvio de finalidade na administração empresarial, a exemplo da utilização deliberada da empresa para lesar credores, dentre eles o próprio FISCO. A prática de atos ilícitos, como o emprego da empresa para lavar dinheiro ou cometer evasão fiscal, autoriza a medida. Pratica ato ilícito o sócio que ultrapassa indevidamente os limites marcados pelo fim social ou econômico da empresa. A confusão patrimonial, caracterizada pela falta de separação entre o patrimônio da empresa e o dos sócios, é outro motivo previsto em lei para alcançar os bens particulares dos proprietários da pessoa jurídica. 

Uma empresa é um patrimônio, uma propriedade, e, como tal, tem que cumprir sua função social dentro da ordem econômica. Exigência legal e constitucional. O Código Tributário Nacional, marcando esse regramento, dispõe que os sócios são pessoalmente responsáveis por débitos relativos a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com abuso de poderes ou infração de lei, contrato ou estatutos (art. 135). Agindo assim, os gerentes, diretores ou representantes de pessoas jurídicas se tornam sujeitos passivos dessas obrigações, sendo alcançados. 

A questão, todavia, são os privilégios conferidos ao poder fiscal, que, muitas vezes, escorregam para o estuário da truculência. Isto encaixa aparência de terrorismo fiscal e, ao lado da enorme carga tributária, incentiva a sonegação e afugenta capital estrangeiro. A evasão de riquezas é outra consequência, incentivada também pelas amarras da burocracia. A experiência de 30 anos como juiz federal mostrou muitos exemplos de lavagem de dinheiro e de crimes financeiros relacionados com a postura do Estado-fiscal. O truculento não é o auditor, o fiscal, mas o sistema tributário. 

Os diretores, gerentes e sócios de empresas devem ficar atentos na proteção de seus bens particulares. Há como se defenderem. A desconsideração da personalidade jurídica, para alcançar o patrimônio dos sócios, pode ocorrer em qualquer fase processual. Na maior parte dos pedidos feitos pelo FISCO, o juiz, sem ouvir os sócios, decreta a indisponibilidade de seus bens e, muitas vezes, o bloqueio de contas bancárias e aplicações financeiras. Instaurado o incidente, o mais razoável é, antes de tudo, mandar citar e aguardar as manifestações dos sócios, no prazo de 15 (quinze) dias. Essa antecipação da justiça ocorre em ritmo de arbitrariedade, trancando a vida de todos, inclusivefamiliar e da própria empresa, que, de mãos atadas, até deixa de pagar a folha de salários, podendo quebrar. 

O juiz tem que ser bastante sensato. Sua decisão pode salvar o FISCO, claro, mas nem sempre. O travamento das atividades empresariais causa prejuízos para o próprio credor tributário, com a redução do fato gerador de tributos. O desemprego é certo. A economia é atingida. O interesse social é afetado. O equilíbrio da justiça é, pois, fundamental. Ao aplicar a lei, “o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, ..., observando a proporcionalidade, a razoabilidade, ...” (art. 8º do CPC). O poder fiscal, por sua vez, tem que se conter como mero agente normatizador, fiscalizador e incentivador de qualquer atividade econômica, garantindo, sem terror, a livre iniciativa privada e a livre concorrência. 

EDITORIAL

É preciso passar um pente-fino na Cosip

O que a sociedade exige e com razão é transparência permanente sobre a aplicação da Cosip. Trata-se de uma contribuição pesada no bolso do contribuinte

20/12/2025 07h15

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A deflagração da Operação Apagar das Luzes, nesta sexta-feira, pelo Grupo Especializado de Combate à Corrupção (Gecoc) do Ministério Público de Mato Grosso do Sul (MPMS), é mais um daqueles episódios que deixam claro que a iluminação pública de Campo Grande guarda muito mais sombras do que se imaginava.

E, ao que tudo indica, ainda há muito a ser revelado sobre contratos, cifras e responsabilidades envolvendo um serviço essencial para a cidade.

Campo Grande figura entre os municípios que mais arrecadam no Brasil com a Contribuição para o Custeio do Serviço de Iluminação Pública (Cosip). Trata-se de uma arrecadação robusta, bilionária ao longo dos anos, paga mensalmente pelo cidadão na conta de energia elétrica.

Ainda assim, a realidade vista nas ruas é contraditória: bairros inteiros convivem com postes apagados, avenidas mal iluminadas e áreas que se tornam vulneráveis à criminalidade justamente pela ausência de luz.

A investigação que apura fraudes estimadas em R$ 62 milhões lança uma pergunta inevitável: como é possível faltar iluminação em um município que arrecada tanto?

Reportagem publicada pelo Correio do Estado no ano passado mostrou que a Cosip de Campo Grande superava, à época, a arrecadação de Curitiba – cidade com mais que o dobro da população. Mesmo assim, a capital sul-mato-grossense convive com um serviço precário e reclamações recorrentes da população.

O mais preocupante é que essas suspeitas de irregularidades surgem em meio a um discurso constante de crise financeira propagado pela administração municipal.

Se confirmadas, as fraudes não estariam ocorrendo em um cenário de escassez, mas sim em um verdadeiro manancial de recursos. Isso agrava ainda mais o quadro, pois revela que o problema pode não ser falta de dinheiro, mas falhas graves de gestão, fiscalização e zelo com o dinheiro público.

É legítimo esperar explicações detalhadas sobre os contratos firmados, os critérios de pagamento e a execução dos serviços. Mas isso, por si só, não basta. O que a sociedade exige – e com razão – é transparência permanente sobre a aplicação da Cosip. Trata-se de uma contribuição pesada no bolso do contribuinte, que deveria retornar em forma de ruas iluminadas, mais segurança e melhor qualidade de vida.

Nesse contexto, o trabalho do Gecoc merece reconhecimento. Mais uma vez, o MPMS cumpre seu papel institucional de investigar, cobrar respostas e iluminar áreas em que a administração pública falhou.

Combater a corrupção não é apenas punir culpados, mas também criar condições para que os serviços públicos funcionem melhor e com mais eficiência.

Iluminação pública não é luxo. É segurança, mobilidade e dignidade urbana. Se há dinheiro sobrando e luz faltando, algo está profundamente errado – e precisa ser corrigido com urgência, transparência e responsabilidade.

ARTIGOS

Redes sociais: o "estacionamento" da reputação corporativa

Qual é o limite entre a liberdade de expressão do trabalhador e a proteção da honra e da imagem empresarial

19/12/2025 07h45

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No ambiente corporativo contemporâneo, a fronteira entre opinião pessoal e responsabilidade profissional se tornou quase invisível. Com a hiperconectividade, qualquer manifestação nas redes sociais tem potencial para alcançar ampla visibilidade. Um único comentário ofensivo de um funcionário é capaz de comprometer a confiança interna, afetar a reputação da marca e desencadear litígios.

Quando as manifestações de funcionários ultrapassam o limite da crítica construtiva e se convertem em acusações ou declarações com potencial de impactar negativamente a imagem e a credibilidade da organização, abre-se espaço a um debate essencial: qual é o limite entre a liberdade de expressão do trabalhador e a proteção da honra e da imagem empresarial?

A repercussão, em casos como esse, costuma ser imediata. Colegas, clientes, fornecedores e demais parceiros têm acesso ao conteúdo, potencializando seus efeitos e ampliando o risco reputacional.

Qualquer que seja o caminho de resposta, a análise jurídica deve ser cuidadosa. A Consolidação das Leis do Trabalho (art. 482, alíneas j e k) prevê a possibilidade de dispensa por justa causa quando o empregado pratica ato lesivo à honra ou à boa fama de qualquer pessoa “no serviço”, especialmente quando dirigido ao empregador ou superiores hierárquicos.

A jurisprudência tem entendido que publicações em redes sociais podem produzir efeitos equivalentes aos de condutas praticadas no ambiente físico de trabalho, legitimando a aplicação da penalidade.

A Constituição Federal (art. 5º, incisos IV, V e X) assegura a liberdade de expressão, mas estabelece limites claros quando essa manifestação viola direitos relacionados à honra, à imagem e à dignidade. Já o Marco Civil da Internet reforça mecanismos de responsabilização de plataformas mediante notificação, permitindo respostas mais ágeis a conteúdos ilícitos.

Com a evolução da sociedade, a linha que separa opinião de ofensa se tornou cada vez mais tênue. A liberdade de expressão é garantida, mas não é absoluta: quando a crítica se transforma em injúria ou difamação, há quebra de confiança, podendo configurar justa causa, inclusive quando a conduta ocorre fora do expediente.

O desafio, agora, reside na interpretação. A definição do que constitui “crítica legítima” ou “falta grave” ainda é variável entre diferentes julgadores, o que aumenta o risco de reversão de penalidades, pedidos de indenização e danos à reputação corporativa.

Em um ambiente empresarial cada vez mais exposto ao escrutínio público, sobretudo nas redes sociais, torna-se imprescindível que as organizações adotem políticas claras, protocolos seguros de apuração e documentação robusta para fundamentar suas decisões e que as decisões e a gestão de tópicos sensíveis considerem estratégia, cautela e respaldo técnico.

Condutas inadequadas de colaboradores podem gerar impactos relevantes, mas a resposta empresarial deve estar alinhada à legislação e às melhores práticas de governança.

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