Desde que as primeiras teorias sobre a origem da riqueza ganharam corpo, ao final do século 18, a economia firmou-se como uma ciência de verdades duras e inconvenientes. O egoísmo como pressuposto, a escassez como limite, aliados a um certo pessimismo da razão, popularizaram o apelido que lhe foi dado pelo historiador Thomas Carlyle: “ciência lúgubre”. Para o bem ou para o mal, nos momentos de crise, coube ao pensamento econômico ser o porta-voz de um realismo nem sempre compatível com o desejo dos governos, tão interessados em influir na psicologia social dos agentes.
Divorciar-se das vontades e das paixões implica ver as coisas como elas realmente se apresentam – sejam elas lúgubres ou não. Em pouco mais de cem dias, erodem-se as crenças num Estado capaz de tudo, no poder ilimitado do orçamento público e no papel do governo como líder do processo de crescimento. Em desequilíbrios múltiplos, chegamos aos abismos fiscal e externo com déficits de 7,3% e 4,2% PIB, na escalada do IPCA a 8,3%, ao descontrole do câmbio, ao freio de seis trimestres consecutivos no investimento e na recessão que se avizinha.
A “desintoxicação dos juros” foi a principal aposta de Dilma 1. Mas em vez de atacar as causas da inflação – o déficit público e a indexação dos contratos –, e permitir assim que as taxas fossem reduzidas, decidiu cortar a penicilina em plena infecção, aumentando a febre. Ato contínuo, congelou tarifas públicas para segurar o IPCA, criando a expectativa de um inevitável ajuste futuro. Como resultado todos passaram a se defender, antes mesmo que ele viesse, aumentando preços. De tanto o Banco Central desprezar o centro da meta de inflação, deixando o índice impunemente na banda superior, o mercado convenceu-se que este era o patamar normal, convertendo o teto em piso.
Chegamos, assim, a uma espiral inflacionária que precisará ser debelada com um aperto monetário e fiscal que produza uma recessão suficiente para que todos acreditem que a meta inflacionária é para valer. Por ironia, agora que o programa do segundo mandato é negar a matriz econômica do primeiro, é o desemprego quem terá a missão inglória de reduzir salários para fazer os preços se acomodarem.
Infelizmente, em quase todos os negócios nos quais se meteu a política econômica atual errou: nos subsídios às tarifas de energia, no marco regulatório do pré-sal, nas margens negativas da Petrobrás, na morte do etanol, no nível desequilibrado do câmbio, na política anacrônica de comércio exterior, nas desonerações setoriais casuísticas, nas “pedaladas” contábeis para cumprir a Lei de Responsabilidade Fiscal. Dirão que se trata de keynesianismo barato. Nada mais errôneo: é apenas má gestão macroeconômica.
Reformar tudo, ao mesmo tempo, só é possível quando um governo eleito convenceu a sociedade que este deveria ser o programa a ser executado com a sua chegada ao poder. Ocorre, entretanto, que a negação explícita deste programa foi justamente o que conferiu novo mandato à presidente, que para rechaçar o ajuste incutiu no imaginário coletivo a imagem de banqueiros tirando o arroz e o feijão da mesa do trabalhador. Quanto mais ela o implementa – porque dele precisa –, mais destrói o capital político que lhe garante a governabilidade. Uma armadilha e tanto, diria Carlyle.
A credibilidade, para o tomador de decisões, não é um recurso ilimitado que pode ser sacrificado perdulariamente sem que traga consequências para a sua sobrevivência no negócio. O Brasil de 2015 é o resultado de um acúmulo de contradições que hoje ganham forma concreta na crise, na desconstrução de um governo que queria um país rico e sem miséria, sem saber como conduzi-lo. A razão aponta pessimismo, o medo bate à porta e liberta o pior dos instintos. A ciência lúgubre, novamente, faz justiça a velha fama.


