Artigos e Opinião

EDITORIAL

Precisamos de uma Bolívia forte

É do interesse de Mato Grosso do Sul que o novo governo boliviano adote políticas firmes contra o tráfico e o crime organizado. Precisamos de nossos vizinhos fortes

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A vitória de Rodrigo Paz Pereira nas eleições presidenciais da Bolívia reacende, deste lado da fronteira, uma expectativa que vai muito além da diplomacia. Para nós, sul-mato-grossenses, a escolha do novo líder boliviano impacta diretamente a nossa economia, a nossa segurança e, de certa forma, o nosso futuro.

Mato Grosso do Sul, mais do que qualquer outro estado brasileiro, vive uma relação de interdependência com o país vizinho – e é natural que esperemos muito do novo mandatário. Quando a Bolívia vai bem, o Brasil e especialmente nossa região também melhoram.

Nossa ligação com o país vizinho é histórica, econômica e geográfica. É por Mato Grosso do Sul que entra o Gasoduto Bolívia-Brasil, um dos mais importantes projetos de integração energética da América do Sul.

Somos os maiores compradores do gás boliviano, e essa parceria representa uma das principais fontes de receita para a economia do país andino.

Da mesma forma, o fornecimento constante e seguro do gás é essencial para o desenvolvimento da indústria e da infraestrutura brasileira. Por isso, torcer pela estabilidade política e econômica da Bolívia é, na prática, torcer pelo equilíbrio de nossa própria economia.

Seria excelente, para ambos os lados da fronteira, que novas jazidas de gás fossem descobertas e exploradas. Essa seria uma oportunidade não apenas para reforçar os cofres públicos bolivianos, mas também para garantir maior segurança energética ao Brasil, e, para Mato Grosso do Sul, maior segurança financeira.

Nosso estado é diretamente beneficiado por essa integração e tem muito a ganhar com uma Bolívia forte, produtiva e capaz de administrar bem seus recursos naturais.

Mas o desafio não é apenas econômico. Precisamos de uma Bolívia estável também no campo da segurança pública. Nas últimas décadas, o território boliviano tem se transformado em uma rota estratégica – e cada vez mais preocupante – para o narcotráfico.

Pior: tornou-se refúgio de integrantes de facções criminosas brasileiras, como o PCC e o Comando Vermelho, que buscam abrigo do outro lado da fronteira para escapar das ações policiais no Brasil.

Essa presença criminosa ameaça não só a soberania boliviana, mas também a segurança de Mato Grosso do Sul, que divide milhares de quilômetros de fronteira aberta e de difícil fiscalização.

Se os criminosos encontram terreno fértil na Bolívia, o problema rapidamente atravessa o mapa. Por isso, é do interesse mútuo que o novo governo boliviano adote políticas firmes contra o tráfico e o crime organizado, fortalecendo suas instituições policiais e de inteligência.

Uma Bolívia segura significa um Brasil mais protegido. E um Mato Grosso do Sul mais tranquilo.

A fronteira entre nossos países precisa ser um espaço de integração, não de contrabando e violência. Precisamos de uma relação madura e cooperativa, em que segurança e desenvolvimento caminhem juntos.

Rodrigo Paz Pereira tem agora a oportunidade de reconstruir pontes, de retomar a confiança internacional e de mostrar que a Bolívia pode ser, ao mesmo tempo, parceira comercial e aliada estratégica na luta contra o crime.

Do lado de cá, continuaremos torcendo – e cobrando. Porque quando o país vizinho cresce com estabilidade e responsabilidade, Mato Grosso do Sul também prospera.

ARTIGOS

De tributo a atendimento: a nova moeda do SUS

Programa nasce como resposta à crescente demanda reprimida em áreas especializadas e abre espaço para que o setor privado participe mais ativamente do esforço de reduzir filas e ampliar a cobertura assistencial

23/12/2025 07h30

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Nova medida do governo permite compensação de dívidas tributárias com prestação de serviços médicos especializados, harmonizando arrecadação estatal e tutela da saúde pública.

A Medida Provisória nº 1.301, de 30 de maio de 2025, instituiu o programa Agora Tem Especialistas, iniciativa que busca ampliar o acesso às consultas e procedimentos de média e alta complexidade no Sistema Único de Saúde (SUS).

O programa nasce como resposta à crescente demanda reprimida em áreas especializadas e abre espaço para que o setor privado participe mais ativamente do esforço de reduzir filas e ampliar a cobertura assistencial.

O Executivo federal, por meio da Portaria Conjunta PGFN/RFB nº 11/2025 e da Portaria GM/MS nº 7.307/2025, instituiu mecanismo pelo qual débitos relativos a créditos tributários e valores de ressarcimento ao SUS poderão ser extintos – total ou parcialmente – mediante a prestação de serviços especializados por unidades privadas e por operadoras de planos de saúde, criando, da ideia original, o Programa Agora Tem Especialistas – Fazenda.

A inovação normativa converte obrigação pecuniária em contrapartida material de saúde, inserindo-se na moderna tendência de flexibilização dos instrumentos de cobrança e de gestão do crédito público.

A configuração operativa distingue-se em dois componentes: (1) o crédito financeiro, no qual estabelecimentos de saúde privados (com ou sem finalidade lucrativa) podem compensar débitos com a União mediante oferta de atendimentos ao SUS; e (2) o ressarcimento ao SUS, em que operadoras de planos de saúde convertem valores que deveriam ser restituídos ao sistema em prestações de serviços especializados aos usuários.

A solução pretende transformar passivos litigiosos ou de difícil recuperação em bens públicos imediatamente efetivos.

Do ponto de vista dogmático, a possibilidade encontra amparo na disciplina da transação tributária prevista no Código Tributário Nacional e em lei posterior.

O art. 171 do CTN autoriza a lei a facultar a celebração de transação entre sujeito ativo e sujeito passivo, mediante concessões mútuas, para a extinção de crédito tributário; e a Lei nº 13.988/2020 regulamentou, no plano federal, modalidades e limites da transação tributária, sinalizando a opção da administração por meios negociados de satisfação do crédito público.

A interpretação sistemática dessas normas legitima a adoção de formas não tradicionais de extinção do crédito, desde que observados os contornos legais e procedimentais.

O interesse da União na adoção dessa técnica é múltiplo e racional. Em primeiro plano, a Administração Pública busca reduzir a dívida ativa de difícil recuperação e o contencioso judicial, mitigando custos processuais e administrativos que consomem recursos públicos sem conferir resultado efetivo.

Em segundo plano, a conversão de crédito em serviço pode gerar retorno social imediato, ao reforçar a oferta de procedimentos especializados no SUS, sem custos adicionais de caixa para a União.

Por fim, a transação fomenta previsibilidade e segurança jurídica para o contribuinte, criando alternativa legítima à execução fiscal. Esses objetivos são coerentes com as finalidades da Lei nº 13.988/2020 e com as práticas que a PGFN tem adotado na gestão da dívida pública.

As decisões recentes dos tribunais superiores ilustram o contexto jurídico em que se insere a inovação normativa.

O Superior Tribunal de Justiça, por exemplo, ao julgar o Recurso Especial nº 2.032.814, afastou a cobrança de honorários sucumbenciais quando o contribuinte renuncia à ação para aderir à transação, estimulando a composição e conferindo efetividade ao instituto.

Já o Supremo Tribunal Federal (STF), no Tema 1.220 (RE 1.326.559), examinou a relação entre créditos tributários e honorários advocatícios, reforçando a necessidade de equilíbrio entre arrecadação estatal e tutela de direitos de terceiros.

Naturalmente, toda inovação traz desafios. A definição de parâmetros objetivos de equivalência entre o valor da dívida e o serviço prestado, bem como a fiscalização da efetiva entrega e qualidade dos atendimentos, serão aspectos determinantes para o êxito da política.

Mais do que riscos, esses pontos representam cuidados necessários, compatíveis com a responsabilidade do Estado em zelar pelo equilíbrio entre justiça fiscal e interesse público.

Em síntese, a conversão de tributo em atendimento – quando fundada no marco legal da transação e acompanhada de mecanismos de governança – pode representar um avanço relevante: reduz litígios ao permitir a regularização dos débitos pela via administrativa, recupera a utilidade social de créditos estatais e amplia a capacidade do SUS.

Trata-se de iniciativa que merece acompanhamento atento pois pode inaugurar uma forma mais inteligente de aproximar arrecadação fiscal e efetivação de direitos fundamentais.

EDITORIAL

Santa Casa refém da própria má gestão

A Santa Casa precisa de mais do que socorros emergenciais: precisa de coragem para mudar, responsabilidade na gestão e respeito por quem sustenta sua missão

23/12/2025 07h15

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A situação vivida pela Santa Casa de Campo Grande ao fim de mais um ano é, infelizmente, a repetição de um roteiro conhecido – e previsível.

Há, pelo menos, uma década, o maior hospital filantrópico do Estado é vítima não apenas de um sistema público de saúde subfinanciado, mas, sobretudo, de escolhas administrativas equivocadas, da falta de planejamento e de uma gestão que parece incapaz de romper com seus erros históricos.

Neste fim de ano, o cenário chega a um ponto simbólico e constrangedor: a instituição depende, literalmente, de um milagre para pagar o 13º salário de seus funcionários.

Profissionais que sustentam o atendimento diário de milhares de pacientes, que enfrentam plantões exaustivos, superlotação, escassez de insumos e pressão constante, agora convivem com a angústia de não saber se receberão um direito básico. Isso não honra o nome “Santa Casa”.

Não há justiça social, não há moralidade administrativa e tampouco humanidade em deixar esses trabalhadores à mercê da incerteza.

É evidente que o problema não se resume à gestão interna. O subfinanciamento do Sistema Único de Saúde (SUS) é uma realidade nacional, e a Santa Casa, como tantas outras instituições filantrópicas, sofre com valores defasados, repasses insuficientes e atrasos frequentes.

O poder público tem, sim, parcela relevante de responsabilidade nesse quadro. Ignorar isso seria desonesto. No entanto, usar essa realidade como justificativa permanente para a ineficiência interna é igualmente inaceitável.

O que salta aos olhos é a aparente falta de disposição da administração do hospital em buscar eficiência, especialmente no campo financeiro.

Os números mostram que apenas o serviço da dívida – os juros e encargos pagos anualmente aos bancos – seria suficiente para quitar não apenas o 13º salário e evitar o acúmulo de outras obrigações em atraso, mas também de quitar quase toda a folha anual. Isso revela um modelo de gestão que prioriza a manutenção de passivos bancários em detrimento do compromisso com seus trabalhadores.

Mais uma vez, a saída apontada parece ser recorrer a novos empréstimos ou aguardar aportes emergenciais do poder público. Trata-se de um ciclo perverso. Endividar-se para cobrir despesas correntes, como folha de pagamento, não é uma estratégia de sustentabilidade; é um atalho para o colapso.

Empréstimos deveriam servir para investimentos, modernização, ganho de eficiência e redução de custos futuros – não para tapar buracos mensais de um caixa cronicamente desequilibrado.

O resultado é uma dívida cada vez menos saudável, maior dependência externa e nenhuma solução estrutural. Enquanto isso, a transparência sobre gastos, contratos e decisões estratégicas segue insuficiente, o que apenas aprofunda a desconfiança da sociedade e dos funcionários.

É lamentável que um hospital com tamanha importância social, histórica e simbólica chegue a esse ponto ano após ano. A Santa Casa precisa de mais do que socorros emergenciais: precisa de coragem para mudar, de responsabilidade na gestão e de respeito por quem sustenta a sua missão.

Sem isso, continuará sobrevivendo de milagres – e milagres, como se sabe, não fazem planejamento financeiro.

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