Artigos e Opinião

ARTIGOS

Quando a lei tenta alcançar o algoritmo

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A instalação da Comissão Especial na Câmara dos Deputados para debater o Projeto de Lei nº 2.338/2023 marca um momento decisivo para o futuro digital brasileiro. Enquanto parlamentares se reúnem em Brasília (DF) para discutir como regular algo que evolui exponencialmente, uma pergunta paira no ar: como controlar aquilo que, por natureza, escapa aos olhos e à lógica linear – e frequentemente anacrônica – da lei?

A inteligência artificial não espera. Enquanto debatemos sua regulação, ela avança a passos largos, transformando indústrias e redefinindo profissões. O Chat GPT alcançou 100 milhões de usuários em apenas dois meses, um ritmo de adoção jamais visto na história da tecnologia. Comparativamente, o telefone fixo levou 75 anos para atingir essa marca.

O projeto em análise traz elementos fundamentais: centralidade da pessoa humana, proteção de direitos fundamentais e mecanismos de responsabilização. Contudo, a velocidade legislativa raramente acompanha a inovação tecnológica. Quando a lei finalmente entrar em vigor, os sistemas de IA já terão evoluído para formas que os legisladores sequer imaginaram durante os debates.

Esse é o desafio regulatório contemporâneo: como criar regras suficientemente flexíveis para acomodar inovações futuras, mas robustas o bastante para proteger valores fundamentais? A resposta pode estar não em regular a tecnologia em si, mas em estabelecer princípios inegociáveis que orientem seu desenvolvimento.

O Brasil tem a oportunidade de se posicionar como protagonista nesse debate global. Enquanto a União Europeia adota uma abordagem mais restritiva com seu AI Act e os Estados Unidos preferem uma regulação setorial, podemos encontrar um caminho intermediário que equilibre proteção e inovação. Nossa tradição jurídica, que já produziu marcos como o Código de Defesa do Consumidor e a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), oferece um terreno fértil para essa construção.

A criação do Sistema Nacional de Regulação e Governança de Inteligência Artificial, prevista no projeto, representa um avanço significativo. Ao centralizar a governança na Autoridade Nacional de Proteção de Dados, reconhecemos a conexão intrínseca entre dados e inteligência artificial. Contudo, a efetividade desse sistema dependerá de recursos adequados e independência técnica.

Particularmente sensível é a questão dos direitos autorais. Quando sistemas de IA são treinados com obras protegidas, quem deve ser remunerado? O projeto prevê princípios de razoabilidade, mas a implementação prática será um desafio monumental. Estamos redefinindo o conceito de criação intelectual em uma era onde máquinas podem gerar conteúdo indistinguível do humano.

A classificação de sistemas de alto risco, como aqueles usados em recrutamento ou reconhecimento biométrico, também merece atenção especial. Decisões automatizadas nesses contextos podem perpetuar desigualdades históricas. O direito à explicação e à revisão humana é essencial para preservar a dignidade em um mundo cada vez mais algorítmico.

Enquanto avançamos nesse debate, uma reflexão se impõe: estamos regulando a inteligência artificial porque tememos sua capacidade de nos superar ou porque reconhecemos que ela amplifica tanto nossas virtudes quanto nossos vícios? Talvez a verdadeira questão não seja controlar a tecnologia, mas decidir coletivamente que tipo de sociedade queremos construir com as ferramentas que criamos.

E você, prefere uma IA estritamente controlada, mesmo que isso signifique menos inovação, ou está disposto a aceitar riscos em nome do progresso tecnológico? A resposta a essa pergunta definirá não apenas o futuro da regulação, mas o próprio contrato social da era digital.

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EDITORIAL

É preciso passar um pente-fino na Cosip

O que a sociedade exige e com razão é transparência permanente sobre a aplicação da Cosip. Trata-se de uma contribuição pesada no bolso do contribuinte

20/12/2025 07h15

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A deflagração da Operação Apagar das Luzes, nesta sexta-feira, pelo Grupo Especializado de Combate à Corrupção (Gecoc) do Ministério Público de Mato Grosso do Sul (MPMS), é mais um daqueles episódios que deixam claro que a iluminação pública de Campo Grande guarda muito mais sombras do que se imaginava.

E, ao que tudo indica, ainda há muito a ser revelado sobre contratos, cifras e responsabilidades envolvendo um serviço essencial para a cidade.

Campo Grande figura entre os municípios que mais arrecadam no Brasil com a Contribuição para o Custeio do Serviço de Iluminação Pública (Cosip). Trata-se de uma arrecadação robusta, bilionária ao longo dos anos, paga mensalmente pelo cidadão na conta de energia elétrica.

Ainda assim, a realidade vista nas ruas é contraditória: bairros inteiros convivem com postes apagados, avenidas mal iluminadas e áreas que se tornam vulneráveis à criminalidade justamente pela ausência de luz.

A investigação que apura fraudes estimadas em R$ 62 milhões lança uma pergunta inevitável: como é possível faltar iluminação em um município que arrecada tanto?

Reportagem publicada pelo Correio do Estado no ano passado mostrou que a Cosip de Campo Grande superava, à época, a arrecadação de Curitiba – cidade com mais que o dobro da população. Mesmo assim, a capital sul-mato-grossense convive com um serviço precário e reclamações recorrentes da população.

O mais preocupante é que essas suspeitas de irregularidades surgem em meio a um discurso constante de crise financeira propagado pela administração municipal.

Se confirmadas, as fraudes não estariam ocorrendo em um cenário de escassez, mas sim em um verdadeiro manancial de recursos. Isso agrava ainda mais o quadro, pois revela que o problema pode não ser falta de dinheiro, mas falhas graves de gestão, fiscalização e zelo com o dinheiro público.

É legítimo esperar explicações detalhadas sobre os contratos firmados, os critérios de pagamento e a execução dos serviços. Mas isso, por si só, não basta. O que a sociedade exige – e com razão – é transparência permanente sobre a aplicação da Cosip. Trata-se de uma contribuição pesada no bolso do contribuinte, que deveria retornar em forma de ruas iluminadas, mais segurança e melhor qualidade de vida.

Nesse contexto, o trabalho do Gecoc merece reconhecimento. Mais uma vez, o MPMS cumpre seu papel institucional de investigar, cobrar respostas e iluminar áreas em que a administração pública falhou.

Combater a corrupção não é apenas punir culpados, mas também criar condições para que os serviços públicos funcionem melhor e com mais eficiência.

Iluminação pública não é luxo. É segurança, mobilidade e dignidade urbana. Se há dinheiro sobrando e luz faltando, algo está profundamente errado – e precisa ser corrigido com urgência, transparência e responsabilidade.

ARTIGOS

Redes sociais: o "estacionamento" da reputação corporativa

Qual é o limite entre a liberdade de expressão do trabalhador e a proteção da honra e da imagem empresarial

19/12/2025 07h45

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No ambiente corporativo contemporâneo, a fronteira entre opinião pessoal e responsabilidade profissional se tornou quase invisível. Com a hiperconectividade, qualquer manifestação nas redes sociais tem potencial para alcançar ampla visibilidade. Um único comentário ofensivo de um funcionário é capaz de comprometer a confiança interna, afetar a reputação da marca e desencadear litígios.

Quando as manifestações de funcionários ultrapassam o limite da crítica construtiva e se convertem em acusações ou declarações com potencial de impactar negativamente a imagem e a credibilidade da organização, abre-se espaço a um debate essencial: qual é o limite entre a liberdade de expressão do trabalhador e a proteção da honra e da imagem empresarial?

A repercussão, em casos como esse, costuma ser imediata. Colegas, clientes, fornecedores e demais parceiros têm acesso ao conteúdo, potencializando seus efeitos e ampliando o risco reputacional.

Qualquer que seja o caminho de resposta, a análise jurídica deve ser cuidadosa. A Consolidação das Leis do Trabalho (art. 482, alíneas j e k) prevê a possibilidade de dispensa por justa causa quando o empregado pratica ato lesivo à honra ou à boa fama de qualquer pessoa “no serviço”, especialmente quando dirigido ao empregador ou superiores hierárquicos.

A jurisprudência tem entendido que publicações em redes sociais podem produzir efeitos equivalentes aos de condutas praticadas no ambiente físico de trabalho, legitimando a aplicação da penalidade.

A Constituição Federal (art. 5º, incisos IV, V e X) assegura a liberdade de expressão, mas estabelece limites claros quando essa manifestação viola direitos relacionados à honra, à imagem e à dignidade. Já o Marco Civil da Internet reforça mecanismos de responsabilização de plataformas mediante notificação, permitindo respostas mais ágeis a conteúdos ilícitos.

Com a evolução da sociedade, a linha que separa opinião de ofensa se tornou cada vez mais tênue. A liberdade de expressão é garantida, mas não é absoluta: quando a crítica se transforma em injúria ou difamação, há quebra de confiança, podendo configurar justa causa, inclusive quando a conduta ocorre fora do expediente.

O desafio, agora, reside na interpretação. A definição do que constitui “crítica legítima” ou “falta grave” ainda é variável entre diferentes julgadores, o que aumenta o risco de reversão de penalidades, pedidos de indenização e danos à reputação corporativa.

Em um ambiente empresarial cada vez mais exposto ao escrutínio público, sobretudo nas redes sociais, torna-se imprescindível que as organizações adotem políticas claras, protocolos seguros de apuração e documentação robusta para fundamentar suas decisões e que as decisões e a gestão de tópicos sensíveis considerem estratégia, cautela e respaldo técnico.

Condutas inadequadas de colaboradores podem gerar impactos relevantes, mas a resposta empresarial deve estar alinhada à legislação e às melhores práticas de governança.

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