Vivemos uma crise de saúde mental no Brasil, que se reflete de forma direta no mundo do trabalho. Em 2024, o Brasil registrou quase 500 mil afastamentos do trabalho por transtornos mentais, um crescimento de 66% em relação a 2023.
Em Mato Grosso do Sul, o número de licenças médicas concedidas por questões de saúde mental saltou de 5,5 mil, em 2023, para cerca de 9 mil no ano passado. Isso representa um aumento de 61%.
Os dados são do Observatório de Segurança e Saúde no Trabalho e resultam em perda de produtividade, aumento de custos para as empresas e para o sistema de saúde, além da redução da capacidade de inovação da economia.
A depressão e a ansiedade levam à perda de 12 bilhões de dias de trabalho, gerando um impacto econômico global de quase US$ 1 trilhão, de acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Apesar da gravidade, a resposta institucional no Brasil tem sido insuficiente. A Lei nº 14.831, sancionada em março de 2024 para criar o Certificado de Empresa Promotora da Saúde Mental, até hoje não foi regulamentada e segue sem efeito prático.
Já a Norma Regulamentadora nº 1 (NR-1), atualizada para incluir riscos psicossociais na política de saúde e segurança do trabalho, teve sua entrada em vigor adiada para 2026, muito em função da pressão das empresas, que resistiam à sua implementação.
Os dados do Anuário Saúde Mental nas Empresas 2025, divulgado no Dia Mundial da Saúde Mental (10 de outubro), mostram que o índice geral de promoção da saúde mental pelas grandes companhias no Brasil passou de 5,05 pontos em 2024 para 8,19 neste ano.
O crescimento foi puxado pelos resultados de um pequeno grupo de empresas que, efetivamente, transformam discurso em ações concretas. No entanto, em um ranking cuja pontuação máxima é 16, isso mostra que estamos muito aquém do ideal.
O estudo, que analisou relatórios das próprias organizações, mostra ainda fortes contrastes entre setores e empresas.
Ainda existe uma cultura empresarial que enxerga incompatibilidade entre aumentar a lucratividade e promover o bem-estar. É possível conjugar o bem-estar dos colaboradores com o retorno para os acionistas. Estudos demonstram o impacto positivo dos investimentos em saúde mental.
Análises da McKinsey apontam retorno de até quatro vezes para cada dólar investido, o que é ratificado pela National Safety Council (EUA). Pesquisa da Federação das Indústrias de Minas Gerais (Fiemg) aponta que transtornos mentais causam prejuízo às empresas brasileiras equivalente a 4,7% do PIB.
Mas, se investir em saúde mental vale a pena, devemos entender por que ainda predomina a hesitação em ampliar ações de promoção do bem-estar. O desafio central é cultural.
A escuta verdadeira dos colaboradores exige coragem das lideranças, que passam a lidar com a subjetividade em um mundo guiado pela objetividade. Quando se abre esse espaço, não basta coletar informações: é necessário agir a partir delas, e falta a vontade política de colocar a cultura no centro e encarar o tema com seriedade.
O Brasil não precisa apenas de novas leis ou normas, mas de regulamentações eficazes, fiscalização ativa e, sobretudo, lideranças dispostas a enxergar que saúde mental não é custo, e sim investimento estratégico.


