Artigos e Opinião

ARTIGO

Ricardo Trad: "O devido processo legal"

Ex-conselheiro da OAB, professor de Processo Penal e Advogado

Redação

07/01/2017 - 02h00
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Tenho longos anos de serviços prestados à Justiça Criminal do nosso país. Defendi e defendo casos que ganharam repercussão internacional (caso João de Deus e as Mensagens Psicografadas de Chico Xavier).
Lutei com todas as minhas forças contra os preconceitos, arbítrios e opiniões antecipadas da mídia sobre o crime e a conduta do réu.

Sou devoto radical da obediência as leis, o devido processo legal e o princípio do contraditório.
Sempre respeitei as decisões judiciais e, quando inconformado, busquei socorro nas instâncias superiores. Esta foi a minha vida como advogado criminalista. 

Na oportunidade em que externei o meu ponto de vista sobre o caso do Policial Rodoviário Federal, respeitosamente, discordei do eminente magistrado, através de considerações eminentemente jurídicas.
Em primeiro lugar, vê-se a olho desarmado que, quando da aplicação das medidas cautelares em favor do indiciado, observou-se a absoluta ausência do ministério público para se manifestar a respeito da aplicação da prisão preventiva ou a sua concordância com outras medidas menos rigorosas.

Ora, a audiência de custódia, tratando-se de ato jurisdicional era ao meu sentir imprescindível e indeclinável ainda que praticado na fase da investigação. Logo a presença do Ministério Público seria OBRIGATÓRIA. Tivesse presente o fiscal da lei, seria possível efetivar a regra do artigo 282, parágrafo único do Código de Processo Penal, QUE NÃO PERMITE QUE O JUIZ DECRETE, EX OFFÍCIO, medidas cautelares na fase de investigação.

Deveras, sem a presença do Ministério Público, a prisão em flagrante não poderá ser convertida em qualquer outra medida. Sendo o Ministério Público fiscal da lei e destinatário da investigação criminal, tornava-se indispensável a presença do Ministério Público na audiência de custódia, que não existiu.
Assim sendo, igualmente, a presença do advogado é de transcendental importância para fazer respeitar os direitos do preso e, sobretudo, para fiscalizar a legalidade da referida audiência em paridade de armas com o Ministério Público.

Depois, em segundo lugar, fiquei assustado com o corporativismo dos Policiais Militares na cena do crime. 

Chamados no cenário delituoso esses agentes públicos não deram voz de prisão ao autor do homicídio. Ora, tratando-se de um crime violento, com três vítimas, e os ânimos exacerbados era mister que algemassem o referido policial, como é feito costumeiramente com outras pessoas. Deram-lhe todos os privilégios, pouco se importaram que tinha um ser humano debruçado e morto por balas do ESTADO. 
Em terceiro lugar, fico horrorizado com a postura da Delegada de Polícia que, apressadamente, fazendo um juízo de valor, sem a apuração devida dos fatos, afirmou que o caso poderia ser tratado como LEGITIMA DEFESA. 

Não, Senhora Delegada, este entendimento cabe ao Ministério Público, titular da ação penal pública. 
E, finalmente, ao meu modesto juízo, embora faça enormes restrições a banalização da prisão preventiva, entendo que no caso presente estavam presentes todos os requisitos para a decretação da medida extrema. 
O crime, a princípio, reveste-se de gravidade concreta absoluta. Polícia não mata, protege. Polícia não usa o poder da farda e o poder da força para intimidar, matar e usufruir posteriormente das benesses do estado para se auto-proteger. O que se pede neste caso é prudência é imparcialidade, principalmente da senhora Delegada de Polícia que por paradoxal que possa parecer já absolveu sumariamente o Policial Rodoviário Federal.

Após a publicação deste artigo na minha página no facebook, o eminente magistrado que aplicou as medidas cautelares diversas da prisão revogou a sua decisão, decretando a prisão preventiva do indiciado, após requerimento do Ministério Público Estadual.

A decisão do magistrado mostrou a sua imparcialidade e o grande senso de justiça.

Surpreendentemente e em evidente contradição com a sua história institucional – a Ordem dos Advogados do Brasil/MS, ingressou com uma Reclamação junto ao CNJ, objetivando corrigir um possível erro de interpretação do ilustre magistrado quanto a questão jurídica em discussão. Despautério dos maiores!  
Aberração jurídica plena e despropositada, que não posso concordar ou aceitar. 

A Ordem dos Advogados, nesta investida assaz populista não me representa. Interesse da Classe não havia, no sentido jurídico da expressão.

No caso, a OAB/MS neste conflito de paixões exacerbadas, deveria invocar a carta-consulta de Evaristo de Morais à Ruy Barbosa a respeito de uma causa que comoveu e trouxe revolta a sociedade carioca, aí, sim a minha corporação teria legitimidade para alertar a sociedade sul-mato-grossense. Diz um trecho da carta:

“Quando quer e como quer que se cometa um atentado a ordem legal se manifesta necessariamente por duas exigências: a acusação e a defesa, das quais a segunda, por mais execrando que seja o delito, não é menos especial à satisfação da moralidade pública do que a primeira. A defesa não quer o panegírico da culpa,ou do culpado. Sua função consiste em ser, ao lado do acusado, inocente ou criminoso, a voz dos seus direitos legais. Se a enormidade da infração reveste-se de caracteres tais, que o sentimento geral recue horrorizado, ou se levante contra ela em violenta revolta, nem por isso essa voz deve emudecer. Voz do direito do meio da paixão pública, tão susceptível de se demasiar, às vezes pela própria exaltação da sua nobreza, tem missão sagrada, nesses casos, de não consentir que a indignação degenere em ferocidade e expiação jurídica em extermínio cruel.”

Este, em última análise, seria o papel institucional da Ordem dos Advogados do Brasil.

EDITORIAL

As bolhas que nos afastam da realidade

Enquanto uma parte do Estado amplia suas zonas de conforto, outra é pressionada a fazer mais com menos, arcando com o desgaste político e social das escolhas difíceis

17/12/2025 07h15

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A expressão “estar em uma bolha” deixou de ser apenas uma gíria de internet para se transformar em um retrato cada vez mais fiel da forma como a sociedade vem se organizando. Nas redes sociais, algoritmos direcionam conteúdos, opiniões e notícias de acordo com preferências previamente identificadas.

O resultado é um ambiente confortável em que quase tudo confirma aquilo que o indivíduo já pensa. Divergir passa a ser exceção e confrontar ideias, um incômodo evitado.

Fora do ambiente digital, a lógica das bolhas também se impõe. O isolamento crescente em condomínios fechados, verticais ou horizontais, reduz o contato cotidiano com o diferente. Ao limitar o convívio, o indivíduo perde a oportunidade de compreender realidades distintas da sua própria.

Torna-se, ao mesmo tempo, mais desconfiado e mais desinformado, conhecendo o mundo mais pelo “ouvir dizer” do que pela experiência direta. A realidade passa a ser filtrada, editada e, muitas vezes, distorcida.

As bolhas criam falsas impressões. Quando se consolidam em grupos, reforçadas pelo sentimento de pertencimento, geram uma perigosa falta de sintonia com o restante da sociedade. Problemas coletivos passam a ser relativizados, minimizados ou simplesmente ignorados.

A empatia dá lugar à autoproteção e o interesse público acaba substituído pela preservação de privilégios.

Nesta edição, mostramos um exemplo concreto dessa desconexão: o aumento do duodécimo para quase todas as instituições de Mato Grosso do Sul, mesmo após um ano marcado por crise financeira, enquanto cresce a sobrecarga sobre o Poder Executivo.

É sobre ele que recai, de forma quase exclusiva, o peso de enfrentar as dores reais da sociedade: da falta de recursos para serviços essenciais às demandas crescentes por saúde, educação, transporte e assistência social.

Essa discrepância orçamentária não é apenas um dado técnico. Ela reforça as bolhas institucionais. Enquanto uma parte do Estado amplia suas zonas de conforto, outra é pressionada a fazer mais com menos, arcando com o desgaste político e social das escolhas difíceis.

Trata-se de um desequilíbrio que aprofunda a sensação de injustiça e distancia ainda mais as instituições da realidade vivida pela população.

Seria desejável que integrantes das instituições que recebem repasses de duodécimo saíssem de suas bolhas. Que vivessem mais intensamente a realidade fora de gabinetes, relatórios e planilhas.

Que entendessem que, em tempos de dificuldades financeiras, reforçar privilégios e ampliar confortos institucionais não é apenas insensível, é socialmente injusto.

Romper bolhas não é simples, mas é necessário. Para indivíduos, para grupos e, sobretudo, para instituições públicas. A democracia e a justiça social exigem mais contato com a realidade concreta e menos acomodação em mundos protegidos. Caso contrário, seguiremos administrando percepções, e não problemas reais.

ARTIGOS

A Interpol e as lições do roubo ao Louvre: quando a cultura exige proteção global

O que alguns insistem em tratar como luxo é, na verdade, expressão de identidade coletiva, memória histórica e soberania cultural

16/12/2025 07h45

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A Interpol é amplamente reconhecida por seus sistemas de avisos e pela atuação no combate ao crime organizado transnacional.

O recente episódio envolvendo o Louvre, porém, recoloca em evidência um ponto ainda subestimado no debate público: crimes não violentos, como o roubo de bens culturais, também demandam tutela internacional qualificada.

O tráfico de obras de arte e de patrimônio histórico segue sendo um delito de baixo risco e alto lucro, alimentado pela opacidade do mercado e pela fragmentação das respostas estatais.

O que alguns insistem em tratar como luxo é, na verdade, expressão de identidade coletiva, memória histórica e soberania cultural. A Interpol parte dessa premissa, ao reconhecer a cultura como interesse jurídico protegido, merecedor da mesma atenção dedicada à vida, à segurança e à integridade física.

Nesse contexto, o Banco de Dados de Obras de Arte Roubadas da organização cumpre papel central: dar rastreabilidade a um mercado em que o patrimônio cultural pode, com facilidade, converter-se em saque.

A existência do banco de dados não é apenas simbólica. Ela permite a identificação de peças subtraídas, inibe a circulação ilícita e oferece suporte técnico às investigações nacionais.

Ainda assim, a eficácia do sistema depende de algo que nem sempre acompanha a velocidade do crime: cooperação internacional efetiva e compartilhamento ágil de informações entre agências de aplicação da lei.

Há espaço evidente para aprimoramentos. A ampliação do banco de dados com atualizações em tempo real, a integração mais ampla de museus, casas de leilão e colecionadores privados, além de protocolos obrigatórios de verificação de procedência, fortaleceriam significativamente o combate ao tráfico ilícito.

Do mesmo modo, penalidades mais rigorosas e treinamento especializado para forças policiais e autoridades alfandegárias são medidas indispensáveis para reduzir a atratividade econômica desse tipo de crime.

O episódio do Louvre serve como alerta. Proteger bens culturais não é capricho elitista nem pauta secundária: é defesa da memória, da identidade e do patrimônio comum da humanidade.

Quando uma obra é roubada, perde-se mais do que um objeto, perde-se um fragmento da história coletiva. A resposta, portanto, precisa ser global, coordenada e à altura desse valor.

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