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OUTRAS OPINIÕES

Rolemberg Estevão de Souza: "Transigir, verbo intransitivo"

Diplomata

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O dicionário Aurélio, que acompanhou a formação de gerações de brasileiros e brasileiras, nos ensina que o verbo transigir vem do latim transigere, significando originalmente “impelir através” ou “levar a cabo”. Seu primeiro conceito é, no português moderno, “chegar a acordo, condescender”. Nos dias de hoje, em que o mundo político se vê em polarização inaudita, perdido em numerosos e muitas vezes inócuos e toscos debates em redes sociais, sem vigor interpretativo, países europeus forjados na mais fina cepa do iluminismo oitocentista retomam o substantivo “transigência” como norte para a boa política. Transigência, no Aurélio, é o ato ou efeito de transigir, condescendência, tolerância.

Como a maioria dos vocábulos presentes na teoria política, transigência comporta usos opostos, a depender da situação. Se Rui Barbosa em sua “Oração aos Moços” exortava os jovens a não flertar com a popularidade – “Não transijais com as conveniências” –, a arte política depende exatamente da popularidade, das conveniências e da construção de consensos. Transigir não significa contemporizar com o crime, com a irregularidade ou com a má-fé. Da mesma forma, o termo conciliar pode ser visto como um instrumento de proteção dos interesses de minorias alheias ao interesse público, ou um pré-requisito para o atendimento desses interesses, o da res publica.

No Brasil de hoje, estamos perdendo a capacidade de ouvir, de aproximar pessoas e posições políticas, de construir consensos mínimos em favor dos mais diversos setores da sociedade brasileira. O País que se orgulhava de ser uma sociedade miscigenada precocemente (ao menos em alguma medida), uma terra aberta aos imigrantes e um lugar em que árabes e judeus, católicos e protestantes e “gregos e troianos” podiam ser bons vizinhos, transformou-se em pouco tempo em sociedade tensionada, terra de atritos, lugar de incompreensão. Já foi demonstrado sobejamente na história da América Latina que a polarização política e os radicalismos não chegam a bom termo. É hora de recuperar os valores mais profundos da nossa sociedade, uma sociedade desigual é certo, mas harmônica sempre que possível.

O atual governo tem papel relevante a cumprir, sem abdicar de seus apoios nas eleições e no exercício do poder. Eleitores e eleitoras do atual governo – entre os quais me situo – sabem que governar é dialogar, ouvir as demandas e reivindicações, transigir no que é legítimo, legal e que está conforme o Orçamento federal. Entretanto, algumas lideranças dos segmentos que apoiaram Jair Bolsonaro – empresários, evangélicos, militares – precisam compreender que a gestão do País só será eficiente se voltada para todos, sem distinções, nos termos da Constituição.

Dialogar, ouvir e transigir, quando adequado, são orientações que aprendi muito cedo na carreira diplomática, a qual tenho orgulho de fazer parte. Também neste aspecto nossa Carta Magna é exemplar ao dispor em seu art. 4º os princípios da política internacional do País. São cláusulas da Constituição Federal a independência nacional, a prevalência dos direitos humanos, a autodeterminação dos povos, a não intervenção, a igualdade entre os estados, a defesa da paz, a solução pacífica dos conflitos, entre outras igualmente relevantes. Recordo que alguns desses princípios já estavam presentes na diplomacia brasileira antes mesmo da redemocratização, como a defesa dos direitos humanos, a autodeterminação, a não intervenção e a defesa da paz.

Enfim, aprendi com a Bíblia, com o Velho e com o Novo Testamento, assim como em minha formação como diplomata, que a arte da política se faz com a tolerância, o diálogo e a transigência.

EDITORIAL

É preciso passar um pente-fino na Cosip

O que a sociedade exige e com razão é transparência permanente sobre a aplicação da Cosip. Trata-se de uma contribuição pesada no bolso do contribuinte

20/12/2025 07h15

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A deflagração da Operação Apagar das Luzes, nesta sexta-feira, pelo Grupo Especializado de Combate à Corrupção (Gecoc) do Ministério Público de Mato Grosso do Sul (MPMS), é mais um daqueles episódios que deixam claro que a iluminação pública de Campo Grande guarda muito mais sombras do que se imaginava.

E, ao que tudo indica, ainda há muito a ser revelado sobre contratos, cifras e responsabilidades envolvendo um serviço essencial para a cidade.

Campo Grande figura entre os municípios que mais arrecadam no Brasil com a Contribuição para o Custeio do Serviço de Iluminação Pública (Cosip). Trata-se de uma arrecadação robusta, bilionária ao longo dos anos, paga mensalmente pelo cidadão na conta de energia elétrica.

Ainda assim, a realidade vista nas ruas é contraditória: bairros inteiros convivem com postes apagados, avenidas mal iluminadas e áreas que se tornam vulneráveis à criminalidade justamente pela ausência de luz.

A investigação que apura fraudes estimadas em R$ 62 milhões lança uma pergunta inevitável: como é possível faltar iluminação em um município que arrecada tanto?

Reportagem publicada pelo Correio do Estado no ano passado mostrou que a Cosip de Campo Grande superava, à época, a arrecadação de Curitiba – cidade com mais que o dobro da população. Mesmo assim, a capital sul-mato-grossense convive com um serviço precário e reclamações recorrentes da população.

O mais preocupante é que essas suspeitas de irregularidades surgem em meio a um discurso constante de crise financeira propagado pela administração municipal.

Se confirmadas, as fraudes não estariam ocorrendo em um cenário de escassez, mas sim em um verdadeiro manancial de recursos. Isso agrava ainda mais o quadro, pois revela que o problema pode não ser falta de dinheiro, mas falhas graves de gestão, fiscalização e zelo com o dinheiro público.

É legítimo esperar explicações detalhadas sobre os contratos firmados, os critérios de pagamento e a execução dos serviços. Mas isso, por si só, não basta. O que a sociedade exige – e com razão – é transparência permanente sobre a aplicação da Cosip. Trata-se de uma contribuição pesada no bolso do contribuinte, que deveria retornar em forma de ruas iluminadas, mais segurança e melhor qualidade de vida.

Nesse contexto, o trabalho do Gecoc merece reconhecimento. Mais uma vez, o MPMS cumpre seu papel institucional de investigar, cobrar respostas e iluminar áreas em que a administração pública falhou.

Combater a corrupção não é apenas punir culpados, mas também criar condições para que os serviços públicos funcionem melhor e com mais eficiência.

Iluminação pública não é luxo. É segurança, mobilidade e dignidade urbana. Se há dinheiro sobrando e luz faltando, algo está profundamente errado – e precisa ser corrigido com urgência, transparência e responsabilidade.

ARTIGOS

Redes sociais: o "estacionamento" da reputação corporativa

Qual é o limite entre a liberdade de expressão do trabalhador e a proteção da honra e da imagem empresarial

19/12/2025 07h45

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No ambiente corporativo contemporâneo, a fronteira entre opinião pessoal e responsabilidade profissional se tornou quase invisível. Com a hiperconectividade, qualquer manifestação nas redes sociais tem potencial para alcançar ampla visibilidade. Um único comentário ofensivo de um funcionário é capaz de comprometer a confiança interna, afetar a reputação da marca e desencadear litígios.

Quando as manifestações de funcionários ultrapassam o limite da crítica construtiva e se convertem em acusações ou declarações com potencial de impactar negativamente a imagem e a credibilidade da organização, abre-se espaço a um debate essencial: qual é o limite entre a liberdade de expressão do trabalhador e a proteção da honra e da imagem empresarial?

A repercussão, em casos como esse, costuma ser imediata. Colegas, clientes, fornecedores e demais parceiros têm acesso ao conteúdo, potencializando seus efeitos e ampliando o risco reputacional.

Qualquer que seja o caminho de resposta, a análise jurídica deve ser cuidadosa. A Consolidação das Leis do Trabalho (art. 482, alíneas j e k) prevê a possibilidade de dispensa por justa causa quando o empregado pratica ato lesivo à honra ou à boa fama de qualquer pessoa “no serviço”, especialmente quando dirigido ao empregador ou superiores hierárquicos.

A jurisprudência tem entendido que publicações em redes sociais podem produzir efeitos equivalentes aos de condutas praticadas no ambiente físico de trabalho, legitimando a aplicação da penalidade.

A Constituição Federal (art. 5º, incisos IV, V e X) assegura a liberdade de expressão, mas estabelece limites claros quando essa manifestação viola direitos relacionados à honra, à imagem e à dignidade. Já o Marco Civil da Internet reforça mecanismos de responsabilização de plataformas mediante notificação, permitindo respostas mais ágeis a conteúdos ilícitos.

Com a evolução da sociedade, a linha que separa opinião de ofensa se tornou cada vez mais tênue. A liberdade de expressão é garantida, mas não é absoluta: quando a crítica se transforma em injúria ou difamação, há quebra de confiança, podendo configurar justa causa, inclusive quando a conduta ocorre fora do expediente.

O desafio, agora, reside na interpretação. A definição do que constitui “crítica legítima” ou “falta grave” ainda é variável entre diferentes julgadores, o que aumenta o risco de reversão de penalidades, pedidos de indenização e danos à reputação corporativa.

Em um ambiente empresarial cada vez mais exposto ao escrutínio público, sobretudo nas redes sociais, torna-se imprescindível que as organizações adotem políticas claras, protocolos seguros de apuração e documentação robusta para fundamentar suas decisões e que as decisões e a gestão de tópicos sensíveis considerem estratégia, cautela e respaldo técnico.

Condutas inadequadas de colaboradores podem gerar impactos relevantes, mas a resposta empresarial deve estar alinhada à legislação e às melhores práticas de governança.

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