Autoria: Projeto Comprova
A baixa no número de casos da Covid-19 em alguns países africanos nada tem a ver com a distribuição de ivermectina no país, como tentou sugerir o presidente Jair Bolsonaro em uma de suas publicações no twitter.
Conforme apurou o Projeto Comprova, o medicamento vem sendo usado para o tratamento de doenças causadas por parasitas.
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Se comparado a Europa ou às Américas, a África tem registrado números relativamente mais baixos de casos do novo Coronavírus, porém especialistas descartam qualquer relação com o uso de ivermectina.
O Programa Africano para Controle da Oncocercose (APOC, na sigla em inglês), de fato distribuiu milhões de doses de ivermectina para o tratamento da doença também conhecida como “cegueira do rio” em alguns países africanos, mas a iniciativa, mencionada na postagem do presidente, foi interrompida em 2015.
No ano seguinte, outro programa da Organização Mundial da Saúde (OMS), o Projeto Especial Expandido para Eliminação de Doenças Tropicais Negligenciadas, passou a distribuir a ivermectina e outros medicamentos para o combate a outras doenças comuns no continente e em outras partes do mundo.
Em 2019, ano anterior à pandemia da Covid-19, 152,9 milhões de pessoas receberam tratamento com ivermectina em países da África – em meio a uma população de mais de 1,3 bilhões de pessoas.
A droga, porém, não tem eficácia comprovada contra o novo Coronavírus. A própria OMS não recomenda a utilização do medicamento para o tratamento da infecção pelo Sars-CoV-2.
Desta forma, a Organização destaca que os resultados positivos no combate à pandemia, em alguns países da África, podem ser atribuídos às medidas de distanciamento físico e social e à ampliação da capacidade do sistema de saúde.
Outros fatores, como a experiência com epidemias, o fato da circulação de pessoas entre o continente e outras partes do mundo ser menor e a idade média mais baixa da população, também são apontados como possíveis influenciadores nos níveis da covid-19.
Além disto, já um fato não tão otimista, é que a aparente baixa de casos pode estar relacionada a subnotificação em alguns países.
Verificação
O primeiro passo da verificação foi checar os números da covid-19 no continente africano, especificamente nos países listados no tuíte do presidente. Para isto, foram utilizados dados disponibilizados pela própria Organização Mundial da Saúde.
Em seguida, o Projeto Comprova buscou reportagens e publicações científicas que tentam explicar o motivo para a incidência relativamente mais baixa da covid-19 na África.
Sobre a distribuição de ivermectina, foram consultados registros da OMS relativos ao Programa Africano para Controle de Oncocercose e ao Projeto Especial Expandido para Eliminação de Doenças Tropicais Negligenciadas.
Em boletins semanais, a Organização divulgou o número de comprimidos de ivermectina distribuídos globalmente e em países da África.
Em uma última etapa, buscou-se informações sobre a eficácia da ivermectina no tratamento da covid-19, consultando o posicionamento divulgado por órgãos como a OMS, a Anvisa e a FDA, além de entrevistas anteriores feitas pelo Projeto Comprova com diversos especialistas.
Lembrando que o Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 13 de janeiro de 2021.
A covid-19 no continente africano
É verdade que os números de óbitos em decorrência da infecção pelo novo coronavírus nos países africanos listados por Bolsonaro são menores do que os registrados no Brasil.
Porém, os dados apresentados na tabela anexada ao tuíte não refletem exatamente os dados de covid-19 do dia 4 de janeiro.
Os dados atualizados pelo site oficial utilizado pela OMS mostram números superiores já no relatório do dia 3 de janeiro.
Segue relação de infectados/vítimas fatais dos países selecionados pelo presidente:
| PAÍS | CASOS CONFIRMADOS | MORTES |
| Angola | 17.642 | 408 |
| Camarões | 26.848 | 448 |
| República do Congo | 17.997 | 596 |
| Etiópia | 125.622 | 1.948 |
| Moçambique | 19.309 | 169 |
| Nigéria | 90.080 | 1.311 |
| Quênia | 96.802 | 1.685 |
| África Central | 4.963 | 63 |
| Ruanda | 8.676 | 101 |
Inicialmente, a expectativa de especialistas e analistas de todo o mundo era de que o número de mortes pelo novo coronavírus e as taxas de infecção pela doença no continente africano fossem altas, em função do alto índice de populações vivendo em condição de vulnerabilidade.
A dificuldade de acesso aos equipamentos de proteção e higiene supostamente sustentava essas previsões. Porém, os números são outros e não há ainda uma confirmação científica sobre a causa dos números baixos nesta região.
Além da possibilidade de subnotificação dos casos e mortes pelo novo coronavírus em vários países da África, apontada desde os primeiros meses de 2020, especialistas também levantam outras hipóteses para a incidência da doença no continente.
Em maio, em uma entrevista à BBC, o especialista em saúde global e emergências sanitárias no Centro de Genebra para Educação e Pesquisa em Ação Humanitária, Karl Blanchet, também destacou o fato da população de vários países africanos já ter lidado com outras epidemias graves no passado.
Na mesma reportagem, o especialista africano em saúde pública da equipe de medicina tropical e humanitária do Hospital Universitário de Genebra, Frederique Jacquerioz, aponta a “baixa circulação existente entre os países do continente e o resto do mundo”.
A capacidade de resposta a pandemias, a imunidade da população, já afetada por outras doenças e a média etária mais baixa – já que o continente possui a população mais jovem do mundo – também são apontadas pelo pesquisador do Centro de Relações Internacionais em Saúde da Fundação Oswaldo Cruz, Augusto Paulo Silva, ouvido em outubro pela Agência Brasil.
Uma matéria da revista Época que analisa este mesmo tuíte de Bolsonaro relembra que em junho de 2020, a diretora regional da OMS na África, Matshidiso Moeti, atribuiu o bom desempenho destes países na pandemia às medidas de isolamento implementadas e melhorias realizadas no sistema de saúde.
“O que o Brasil pode aprender? Os países da África, desde muito cedo, implementaram medidas muito significativas de distanciamento social e físico. Isso nos deu um tempo a mais. Ao mesmo tempo, esses países trabalharam duro para ampliar a capacidade do sistema de saúde”, afirmou Moeti.


