Os policiais do Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gaeco) e da Delegacia Especializada de Repressão a Roubos, Assaltos e Sequestros (Garras) entraram de vez na guerra de grupos pelo controle do jogo do bicho em Campo Grande.
O objetivo, segundo uma das pessoas ligadas à Operação Successione, desencadeada ontem, é evitar a escalada da guerra pelo controle do jogo do bicho e o retorno das execuções ligadas à pistolagem e ao submundo do crime, realidade até 2019, quando foi deflagrada a Operação Omertà, que enfraqueceu o grupo que controlou por décadas o jogo do bicho na Capital.
Na operação de ontem, foram expedidos 10 mandados de prisão temporária, e cumpridos pelos menos 7, e ainda foram cumpridos 13 mandados de busca e apreensão, em Campo Grande e em Ponta Porã.
Apesar de haver uma guerra pelo controle do jogo do bicho, a operação desta terça-feira atuou contra apenas um dos grupos. O indício é que ele seja ligado à família Razuk. O deputado estadual Neno Razuk (PL) foi alvo de um dos mandados de busca e apreensão, e quatro servidores de seu gabinete na Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul (Alems) estão entre os presos.
Por ironia do destino, Neno Razuk é o corregedor da Alems, uma espécie de presidente da Comissão de Ética em outros parlamentos. Ontem, em entrevista coletiva, ele disse que não deixaria o cargo e negou qualquer envolvimento com o jogo do bicho em Campo Grande.
E foi além: disse que a contravenção corre solta na Capital e que ele não tem nada a ver com isso.
“Continuo: eu sou inocente, não fiz nada de errado. Sou um deputado, tenho meu trabalho. Eu faço meu trabalho social. Não tem por que eu sair, tenho a consciência limpa. Eu não sou um criminoso. O crime está acontecendo todo dia. Estão mirando em mim, não sou eu”, afirmou Razuk, ao ser indagado se continuaria ou não no cargo de corregedor.
Mas as investigações, de fato, mostram o envolvimento do grupo integrado por Razuk com o jogo do bicho, pelo menos em disputas com os operadores atuais do jogo. Os indícios são de que pessoas ligadas ao deputado teriam participado de mais de um roubo a malotes do jogo do bicho em Campo Grande.
Os policiais do Garras e do Gaeco estavam monitorando a casa de Razuk e verificaram que carros que foram usados em algumas das ações criminosas de roubo de malotes de apontadores do jogo do bicho entraram na residência do deputado, no condomínio Damha III.
Uma autoridade, que conhece a investigação e conversou com o Correio do Estado sob condição de anonimato, falou sobre a preocupação de se evitar um banho de sangue. “Os confrontos entre os grupos passaram a ocorrer com frequência”, disse.
Entre os presos estariam quatro assessores parlamentares de Razuk, um deles é o major da Polícia Militar Gilberto Luiz dos Santos. Um sargento da PM lotado no gabinete de Razuk também foi preso
Também aparece entre os presos o empresário de Ponta Porã José Eduardo Abdulahad, o Zeizo. Ele já foi preso pela Polícia Federal na década de 2000 por envolvimento com máquinas caça-níqueis, na Operação Xeque-Mate.
A DISPUTA
O jogo do bicho em Campo Grande virou um campo de batalha por espaço desde 2021, quando o patriarca da família Name, que comandava a contravenção na Capital, morreu na prisão, respondendo por várias execuções cometidas no fim da década passada.
De lá para cá, o grupo que estava no poder teria arrendado as operações da Capital a um grupo que atua fortemente no estado de São Paulo.
O grupo oriundo do interior de Mato Grosso do Sul, porém, viu nesse vácuo a oportunidade de progredir na Capital.
Esse grupo do interior, que tem protagonizado confronto com o grupo paulista que administra a maioria das bancas de jogo do bicho de Campo Grande, tem raízes na cidade de Dourados e alianças para o controle do jogo do bicho em Ponta Porã, Corumbá e em outras cidades menores de Mato Grosso do Sul.
MÁQUINAS APREENDIDAS
O envolvimento de pessoas ligadas ao jogo do bicho e ao deputado começou a aparecer no dia 16 de outubro deste ano, quando um assessor do deputado, o major aposentado Gilberto Luiz dos Santos, o mesmo que foi preso ontem durante a operação, foi detido em uma residência no Bairro Monte Castelo, em Campo Grande.
O ex-PM estava em um imóvel no qual foram apreendidas 700 máquinas que substituíram os tradicionais talões para fazer apostas do jogo do bicho. Com ele havia outro PM aposentado e outras oito pessoas.
Na ocasião, a atuação foi feita pelo delegado Fábio Peró, do Garras, o mesmo que investigou o grupo da família Name em 2019. No dia do fato, todas as pessoas presentes na residência foram liberadas após prestarem depoimento. Ninguém informou de quem seriam as maquininhas.
A investigação, então, passou a ser da Delegacia Especializada de Repressão à Corrupção e ao Crime Organizado (Dracco), e o secretário de Segurança Pública de MS, Antônio Carlos Videira, chegou a dizer que ela seria do grupo de São Paulo, que está comandando a contravenção na Capital.
Na época, o deputado Neno Razuk foi questionado sobre o flagrante de seu assessor, mas afirmou que manteria o major aposentado em seu gabinete na Assembleia Legislativa.
Ontem, o filho do major, identificado como Júlio, também foi detido por determinação da Justiça. (Colaborou Daiany Albuquerque)
OPERAÇÃO OMERTÀ
Deflagrada em setembro de 2019, a Operação Omertà, feita pelo Garras e com apoio do Gaeco, mirou o grupo comandado por Jamil Name e Jamil Name Filho, que foram presos. Segundo a investigação, além do jogo do bicho, os dois eram chefes de milícia armada.