os primeiros dois séculos de colonização, cerca de 100 mil portugueses vieram para o Brasil, uma média anual de 500 imigrantes, conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
No século seguinte, esse número passou para 600 mil, com uma média anual de 10 mil imigrantes portugueses.
Entretanto, foi na primeira metade do século 20, entre 1901 e 1930, que houve o ápice do fluxo migratório, com a média anual ultrapassando a barreira dos 25 mil portugueses sendo recebidos como novos residentes do Brasil.
Ao Correio do Estado, o cônsul honorário de Portugal em Campo Grande, Fernando Santos Gonçalves, explica que a imigração portuguesa na Capital se deu por volta de 1914.
“Foi quando os portugueses chegaram trazendo os dormentes para a Estrada de Ferro Noroeste do Brasil [NOB]. Não foi um período fácil para ninguém: onde hoje é a Feira Central, toda a região da Estação Ferroviária, era de propriedade dos Thomé, os primeiros portugueses a chegarem aqui em Campo Grande, no ano de 1914”, detalha.
Conforme Gonçalves, assim como as demais nações que vieram para Mato Grosso do Sul atraídas pela construção da Noroeste do Brasil, foi a partir da chegada dos primeiros imigrantes portugueses que Campo Grande potencializou seu desenvolvimento.
“Todos eles tinham profissões, como serralheiro e carpinteiro, e começaram a desenvolver esses ofícios aqui. Com isso, eles foram construindo a Capital. As casas, os quartéis, o cartório foram feitos por famílias portuguesas”, salienta.
O cônsul explica que o processo de imigração era muito difícil, pois as famílias ficavam por anos separadas, até que houvesse dinheiro suficiente para custear o translado da Europa para o Brasil.
“Normalmente vinha o pai primeiro, começava a trabalhar em um sistema que não havia problemas no contrato de trabalho. Eles, então, juntavam dinheiro em uma realidade em que vendiam o almoço para comprar a janta. Demorava até três anos para finalmente conseguirem trazer o resto da família”, ressalta.
Gonçalves conta que isso ocorreu em seu próprio processo de imigração. “Meu pai veio em 1958 para começar a construir a vida no Brasil. Eu cheguei em Campo Grande apenas dois anos depois, em 1960”, afirma.
ORIGEM
Segundo o IBGE, a origem socioeconômica do português imigrante se diversificou muito no decorrer dos últimos séculos. Passou de uma próspera elite, nos primeiros anos de colonização, para um fluxo crescente de imigrantes pobres, a partir da segunda metade do século 19.
Na década de 1930, os primeiros sinais de declínio do intenso fluxo migratório lusitano para o Brasil começaram a aparecer. Entre 1929 e 1931, o total de imigrantes portugueses para o Brasil caiu de 38.779 para 8.152, conforme o IBGE.
Durante o ápice da Segunda Guerra Mundial, em 1943, foram registrados apenas 146 imigrantes.
Entretanto, já no fim da década de 1960 e início da de 1970, houve a retomada dos movimentos migratórios ao Brasil. Como consequência, a comunidade lusitana no País cresceu de 247 mil para 410 mil pessoas.
Hoje, aproximadamente 2,5 mil portugueses e descendentes vivem em Campo Grande, de acordo com o cônsul honorário Fernando Gonçalves.
CAMINHO INVERSO
De acordo com o cônsul, hoje a imigração mudou de lado, com mais brasileiros fazendo o caminho inverso que um dia os portugueses fizeram.
“Hoje não tem mais a imigração de Portugal para cá, tem daqui para lá. Na minha própria família, meu filho fez doutorado em Portugal e adora lá. Procuramos fazer as coisas para manter esse laço entre os dois países”, reitera.
Dados da Embaixada Portuguesa apontam que a imigração de brasileiros ao país europeu atingiu a marca de 211 mil pessoas em março deste ano.
O número é crescente há pelo menos seis anos e, atualmente, a estimativa é de que a comunidade brasileira já alcança quase 30% de todos os estrangeiros em situação regular no país.
A estimativa do Itamaraty é ainda mais substancial, com cerca de 300 mil brasileiros vivendo legalmente em Portugal. Diferentemente de outros países europeus, o trabalho regularizado é o principal método de concessão de residência para brasileiros. Gonçalves destaca, ainda, que a procura de descendentes de portugueses pelo consulado em Campo Grande cresceu ainda mais nos últimos anos.
“Antes, os netos, para conseguirem a cidadania, tinham que ter um forte laço com Portugal, e muitos não tinham. Em uma reunião com mais de 240 cônsules, com todas as autoridades portuguesas presentes, eu pedi a palavra e questionei se os filhos e netos de portugueses que fossem sócios de uma associação luso-brasileira não teriam um laço suficiente. O primeiro-ministro falou ‘faça como queira’, e a partir daquele momento fiz exatamente isso, com os netos já tendo a cidadania concedida pelo consulado da Capital”, relata com orgulho.
ASSOCIAÇÃO
Com um número substancial de portugueses residindo em Campo Grande em 1929, os imigrantes decidiram que era necessário a criação de um centro para a colônia portuguesa, que recebeu o nome de Centro Beneficente Português, conforme consta no portal do Clube Estoril, em texto elaborado por André Patroni.
Nas primeiras décadas, a entidade atuava, de fato, como uma associação assistencial e de amparo aos conterrâneos que viviam na Capital.
Anos mais tarde, surgiu a preocupação de criar um local que pudesse servir de morada para os portugueses em dificuldade, especialmente os mais idosos.
Apenas em 1932, reunidos na casa do presidente da associação, Manoel Secco Thomé, os diretores da entidade decidiram comprar um terreno na Rua Barão do Rio Branco para a construção do espaço. No entanto, a sede só ficou pronta em 1939. Durante 15 anos, o local foi palco dos eventos mais importantes da sociedade campo-grandense.
Após décadas de pouca atividade social, o Centro Beneficente Português foi remodelado em 1985, para se tornar a Associação Luso-Brasileira de Campo Grande. Com o objetivo de construir um espaço de confraternização, a sede da Associação Luso-Brasileira resultou na criação do Clube Estoril.
O cônsul honorário de Portugal na Capital destaca que o empreendimento levou apenas três anos para ser finalizado, o que ocorreu em 1991.
“A gente foi conhecendo as pessoas que aqui estavam, começamos a agregar valores e, hoje, somos essa potência de colônia portuguesa, partindo deste clube que é uma grande estrutura para a cidade, o qual construímos em três anos e meio. E nenhum sócio foi prejudicado com isso, esse é um orgulho que temos”, comemora.
Sem perder a veia social, a Associação Luso-Brasileira, por meio do Clube Estoril, permaneceu no decorrer das últimas décadas com as ações beneficentes. Outro ponto de destaque são os eventos para celebrar a cultura portuguesa, como as sardinhadas e as bacalhoadas.




