Jejuns de mais de 8 horas sem necessidade, medicamentos errados, negligência, equipes sobrecarregadas, enfermeiros sem luvas e máscaras, banheiros inundados, lixos sem tampa, janelas que não fecham e buracos no teto. Essas foram algumas das denuncias feitas pela jornalista Suelen Morales, de 33 anos, mãe de um bebê de 1 mês e meio, que está internado há quase 30 dias no Hospital Regional de Mato Grosso do Sul.
Com 16 dias de vida, em 10 de maio, o pequeno foi levado ao hospital com Síndrome Respiratória Aguda Grave. A doença evoluiu para uma pneumonia, e desde então o bebê e sua mãe passaram duas semanas no Centro de Terapia Intensiva, e no dia 20 foram transferidos para a enfermaria.
Suelen explica que, em decorrência da pneumonia, o bebê teve líquido no pulmão, e posteriormente abscesso pulmonar, uma infecção necrosante, que precisa ser removida por radiointervenção.
Acontece que, para o diagnóstico preciso, seria necessária uma tomografia. A equipe médica deixou o bebê de jejum por mais de 8h, período acima do recomendado, para a realização do exame. Pela manhã, a mãe foi informada de que o aparelho de tomografia do HRMS estava estragado, ou seja, o jejum foi em vão.
"Desde meia-noite deixaram meu filhinho sem mamar, ele chorou a madrugada inteira. E eu fui pesquisar, vi que o bebê que mama no peito e precisa de sedação para fazer uma tomografia tem que fazer jejum de quatro horas. Mas não, falaram que tinha que ser jejum absoluto, e o menino ficou aqui esguelando. Chegou de manhã, vieram com a informação de que a tomografia estava quebrada, que não teria como fazer", relatou Suelen
A solução apresentada pelo Hospital Regional foi levar o bebê para fazer o exame no Hospital Universitário, já que existe uma "parceria". A tomografia demorou uma semana para finalmente ser feita.
"Chegou na outra semana, fomos para o HU e lá os profissionais nos informaram que, realmente, o jejum poderia ser de 4 horas. Aí fizemos o jejum certo, ele fez a tomografia e foi constatado o abscesso pulmonar necrosante, que nós precisamos tirar por rádiointervenção. Rádiointervenção que só tem onde? No HU", explicou a mãe.
Novamente, a família precisou esperar outra semana para a realização da radiointervenção, que estava marcada para a manhã desta quinta-feira, dia 6 de junho. Mais uma vez, o bebê fez jejum, mas agora começando às 3h da madrugada, já que o procedimento estava marcado para o início do dia.
"Dei de mamar até 3 horas da manhã. Colocaram o soro errado nele. Usaram o soro fisiológico, questionei 'Ué? Não tem que ser soro glicosado?' e me responderam 'Ah, é o que está prescrito aqui'", relatou a jornalista.
Passou a madrugada, e pela manhã a equipe médica foi questionada sobre o exame, e apesar da resposta não ter sido muito precisa, garantiu que ele seria feito pela manhã.
"Perguntei 'que horas está marcado o procedimento? Porque ele está de jejum desde 3 horas da manhã. Se é uma coisa marcada, tem que ter um sistema'. E responderam: 'Não, mãe, não tem. Será ainda de manhã' e pediram para aguardar", acrescentou Suelen.
Mãe e filho esperaram até 11h pelo procedimento, sem sucesso.
"Ele ficou de jejum até 11 horas da manhã, para mandarem uma residente me avisar que não estava marcado o procedimento, que ele foi agendado para o dia 11, e que não sabem de onde surgiu a informação de que seria hoje, dia 6. Deixaram meu filho de jejum, me deixaram aguardando, falaram que o motorista estava vindo, que era 15 minutos, que estava com a equipe... Para depois, 11 horas da manhã, falarem que eles não sabem de onde surgiu isso? Que não tinha nada marcado?", questionou a mãe.
A equipe não explicou o "mal-entendido", afirmou apenas que estava faltando insumo no Hospital Universitário para a realização do procedimento. Depois, alegaram que foi porque o HU estava sem anestesista.
"Então é assim, e ninguém quer dar um nome. Agora, além de cuidar a medicação, eu vou ter que cuidar o nome [dos profissionais]. Perguntar 'qual é o seu nome? Qual é a sua função? Quem falou com você?", desabafou.
Outro ponto que chamou a atenção de Suelen foi a falta de documentação e papéis que comprovem os procedimentos.
"Não tem nada, não tem documentação nenhuma. Isso é puro descaso e negligência com o meu filho. Eu vou fazer 30 dias aqui. Já briguei tantas vezes por causa de medicação errada, por causa de exame. Agora, por causa do procedimento. Tem duas semanas que eu estou na central de vagas do Core, tentando transferência pro HU, e o HU me negando, a Santa Casa me negando, porque não tem vaga. E eu vou fazer o quê com o meu filho? Ele vai ficar padecido aqui até quando? Já tomou sangue, já tomou tudo. Eu não aguento mais", finalizou.
Suelen entrou até com liminar na Justiça para tentar a transferência, mas a burocracia leva tempo, e não teve nenhum avanço até aqui.
Medicamentos errados e
equipes sobrecarregadas
O problema com o soro não foi o único relatado. Segundo Suelen, falta equipe para atender a todos, e por isso os medicamentos são ministrados no horário errado. Além disso, as mães precisam ficar perguntando o que está sendo aplicado, porque acontece de confundirem e levarem a medicação incorreta.
"Não tem enfermeiros para atender todos. Quando vem dar um antibiótico para a criança, dá tudo fora de horário. Você tem que perguntar o que estão dando para não confundirem com outra criança. Aqui você tem que ser técnico também, sabe? Tem que controlar tudo, porque é desorganizado", comentou a mãe.
Além das constatações, os próprios enfermeiros teriam dito a ela que estavam sobrecarregados.
Estrutura Precária
Como se não bastassem os episódios relatados acima, o hospital tem ainda muitos problemas estruturais. Segundo a jornalista, o ambiente é "insalubre".
"O banheiro aqui é abandonado. O teto é todo aberto, as janelas descoladas, entrando vento. Terrível. Tem barata no quarto. A funcionária da limpeza falou que isso aqui é a casa da barata, a gente que é visitante. Então, é esse o ambiente: insalubre", relatou ao Correio do Estado.
Suelen aproveitou para ressaltar que, apesar do Hospital anunciar reformas e pintar as áreas externas, a realidade no espaço interno é outra.
"Enquanto eles estão pintando por fora, inaugurando reforma no setor de Oncologia, porque o andar de Oncologia parece uma realidade paralela do Hospital Regional, parece que não é o mesmo hospital, porque o restante é tudo sucateado, por aqui falta insumo, falta profissional, falta equipamento", denunciou.
Quando foi para o hospital acompanhar o bebê, Suelen ainda se recuperava de uma cesária. Os pontos abriram e ela teve uma infecção. O médico chegou a comentar que era porque o ambiente do HRMS era "podre", e por isso que "deu ruim".
Para agravar ainda mais o cenário, a jornalista acrescentou que os profissionais não usam luva nem máscara.
"As mães aqui perguntam 'o que o seu filho tem?' e alertam: 'tem que cuidar, porque se não seu filho pega outra coisa e nunca mais sai daqui'", desabafou.
Confira algumas fotos do ambiente:
O que diz o Hospital Regional?
Sobre a tomografia
A transferência de pacientes que precisaram realizar o exame de tomografia iniciou no dia 22 de maio, conforme a assessoria de imprensa do Hospital Universitário Maria Aparecida Pedrossian (Humap-UFMS/Ebserh) informou ao Correio do Estado.
Segundo a assessoria, a equipe do HRMS cuidava do transportes dos pacientes com ambulância própria. Cerca de seis dias depois, precisamente no dia 29 de maio, o reparo do aparelho de tomografia foi concluído.
A parceria entre os hospitais é muito comum, conforme disse a Chefe da Divisão de Apoio Diagnóstico e Terapêutico Simone Crispim.
"Quando o Humap-UFMS/Ebserh precisa, utiliza o apoio do Regional e vice-versa. Nesse caso em específico, o Regional encaminha o paciente com o contraste para realização do exame", explica Simone.
Sobre os demais problemas mencionados
O Correio do Estado encaminhou ao Hospital Regional uma lista questionando todos os pontos citados pela paciente. Em resposta, o HRMS informou apenas que há um projeto em andamento para levantar as necessidades de obras e intervenções no Hospital, e sugeriu que as denúncias sejam feitas nos canais internos. Confira:
"O Hospital Regional de Mato Grosso do Sul (HRMS) informa que há um projeto sendo realizado, em parceria com a Agesul (Agência Estadual de Gestão de Empreendimentos), para levantar as necessidades de obras e intervenções no hospital.
O hospital possui canais específicos para denúncias e reclamações, sendo eles a Ouvidoria e o SAC (Serviço de Atendimento ao Cliente). Estamos à disposição da família para dirimir quaisquer dúvidas sobre o atendimento prestado."