Três semanas depois de aprovar um projeto do Executivo que criou um grupo de cerca de 155 “marajás” no serviço público municipal, a Câmara de Vereadores barrou, após sofrer forte pressão, aumento de até 380% no salário de comissionados na prefeitura de Campo Grande. O projeto acaba, ainda, com o limite de pagamento dos chamados jetons, aqueles que deram origem à chamada folha secreta.
Para que esses aumentos sejam possíveis, porém, servidores concursados tendem a perder direitos. Um deles, conforme alteração no artigo 130 da Lei Complementar 190, é o vale-alimentação de R$ 350,00 ou R$ 494 que é pago a parte dos servidores efetivos que recebem algum adicional de fiscalização municipal, como é o caso de parte da Guarda Municipal e servidores da Agetran, Sesau e Semadur.
Mas o mais grave, segundo o advogado Márcio Almeida, é que esse projeto entregue no “apagar das luzes” à Câmara permite a redução das verbas consideradas variáveis, como é o caso dos plantões pagos à grande maioria dos servidores da Saúde.
Isso, segundo o advogado, abre possibilidade para “cortar salário desde o motorista da ambulância até o mais graduado médico que atende nos postos de saúde”. Pagamentos relativos à insalubridade, periculosidade, adicional noturno, produtividade SUS, entre outras verbas variáveis poderão sofrer corte do tamanho que o chefe do Executivo entender, explica Márcio Almeida.
Além disso, abre a possibilidade para reduzir os rendimentos de auditores fiscais, exceto daqueles da Sefin, que no começo de dezembro foram beneficiados com um projeto que garantirá vencimentos da ordem de R$ 70 mil mensais a partir de fevereiro próximo, classificado como “bônus”.
Na justificativa do projeto enviado à Câmara, o Executivo alega que está propondo as mudanças por exigência do Tribunal de Contas do Estado, que detectou uma série de irregularidades no pagamento de altos salários sem embasamento legal, naquilo que ficou conhecido como folha secreta e que provocou um “rombo” de R$ 386 milhões na folha da prefeitura somente em 2022.
Outra controvérsia é relativa ao artigo 115 da Lei 190. Atualmente, os "encargos por gratificações especiais" podem ser pagos somente se um engenheiro, por exemplo, fizer atividades fora do seu horário normal de trabalho. Com a possível mudança, poderá receber indenização somente fazendo seu trabalho diário.
O TCE descobriu que alguns engenheiros estavam recebendo mais de R$ 40 mil mensais irregularmente. "Em vez de reduzir estes altos salários, querem legalizá-los", segundo Márcio Almeida.
Contudo, de acordo com o advogado Márcio Almeida, que já está preparando uma denúncia para ser entregue ao Ministério Público Estadual e ao Ministério Público de Contas, em vez de reduzir os gastos excessivos com comissionados e temporários, a prefeitura está “tentando legalizar a gastança exagerada. Esse projeto faz exatamente o contrário daquilo que recomendou o TCE, que mandou reduzir gastos com a folha de pagamento".
Conforme o artigo 116 da Lei Complementar 190, de dezembro de 2011, mensalmente podem ser pagos somente dez jetons para qualquer servidor municipal (o valor é em torno de mil reais por reunião).
Agora, caso as alterações sejam aprovadas, esse número não terá mais limite máximo. O “Prefeito Municipal deverá estabelecer, quando houver pagamento de vantagem, o número de sessões mensais e a quantas serão remuneradas, por regulamento específico do Poder Executivo”, diz o texto enviado à Câmara.
Outra parte que provocou reação dos sindicalistas que representam os servidores efetivos, os quais lotaram a Câmara nesta quarta-feira (20) e impediram a convocação de uma sessão extraordinária para aprovar a medida sem que houvesse debate, é aquela que abre a possibilidade de aumento de até 380% na remuneração de comissionados.
Nota de repúdio que está sendo divulgada pelas redes sociais usa o exemplo de um comissionado DCA-9, que é o menor cargo na estrutura funcional da prefeitura. Hoje, segundo essa nota, só com a gratificação o salário desse comissionado é de R$ R$ 1.526,04. Com a nova redação, o valor chega a R$ R$ 5.812,47, sem levar em consideração outras vantagens.
E tem mais, segundo sindicalistas que estiveram na Câmara e conseguiram barrar a votação a toque de caixa. Se as mudanças forem aprovadas, as gratificações podem passar de 100% sobre o salário inicial e chegar a 200%. Isso, segundo Márcio Almeida, está sendo feito somente para beneficiar apadrinhados de políticos.
Nos bastidores, o Executivo alega que precisa melhorar o salário de comissionados porque a base atual é muito baixa e técnico nenhum aceita cargos de secretário ou adjunto, por exemplo, pelo salário atual, que não pode superar os R$ 21,4 mil do teto da prefeita. Depois dos descontos, ele recebe em torno de R$ 14 mil mensais, o que seria insuficiente para atrair qualquer técnico nas áreas de saúde, engenharia, arquitetura e outras.
Embora o presidente da Câmara tenha garantido que não votará o tema sem debate prévio, o temor dos sindicalistas é de que a prefeita convoque uma sessão extraordinária e aprove as mudanças que, segundo eles, tendem a reduzir o rendimento de milhares de servidores efetivos.
Esse receio aumentou na manhã desta quinta-feira (21), quando o secretário da Casa Civil, João Rocha, convidou vários presidentes de sindicatos para uma reunião no Paço Municipal. Até a publicação desta reportagem esse encontro não havia acabado.


