Há quase 25 anos na região central de Campo Grande, um personagem se mantém como a exceção à regra no anonimato tão comum às grandes cidades. O nome da carteira de identidade, Antônio Pereira da Silva, 53 anos, passa despercebido; basta, no entanto, perguntar por Sabiá para qualquer comerciante e frequentador assíduo das ruas do centro da capital sul-mato-grossense para saber de quem se trata. Seja distribuindo folhetos de propaganda para quem passa, trabalhando como engraxate, ou até mesmo “arranhando” o violão em uma nota só – que ganhou de presente – para receber ofertas em uma caixinha de papelão: são grandes as possibilidades de que você, leitor ou internauta, já tenha cruzado com Sabiá pelas calçadas da região central, com suas sacolinhas embaixo do braço.
“Esse garoto é uma atração, é uma figura aqui na cidade, conhecido entre as crianças”, define Gelásio Lani, proprietário de comércio na Rua Barão do Rio Branco, com o carinho de quem ajuda a cuidar de Sabiá desde que ele apareceu na região central de Campo Grande, segundo ele, “do nada”. Naquela época, nem sequer havia calçadão na via pública.
Vem desse período, também, o apelido de passarinho: “Um amigo o viu e disse: ‘Parece um sabiá’. Demos almoço e assim ele foi ficando. Nunca passou necessidade. Sabiá é desconfiado e ligeiro. Já chegamos a oferecer para ele viajar, até conhecer outras cidades, o Rio de Janeiro, mas ele não quer. A paixão dele é Campo Grande, o centro da cidade e também os desfiles [cívicos]”, afirma.
Outro “anjo” na vida de Sabiá é Maria Alves de Queiroz. Proprietária de uma lanchonete na Barão do Rio Branco há 33 anos, ela também se recorda da aparição do amigo na região central e dá sua própria versão sobre o apelido. “Ele chegou por aqui ‘bicudo’ e magro, por isso o apelido de Sabiá. Também não era tão alto como é hoje”, conta.
DESFILE
Com o tempo, Sabiá foi sendo abraçado pelos comerciantes da região central. “Nós comemoramos o aniversário dele [em junho] pelo menos umas cinco ou seis vezes aqui mesmo na Barão, em frente ao meu comércio, com balão e tudo. Os próprios comerciantes organizavam e também era uma forma de arrecadar roupas para ele”, recorda-se Maria.
Entre os presentes, um tem significado todo especial – camisa e calça brancas, conta a amiga. É com esse traje que Sabiá tem o hábito de comparecer – e participar – dos desfiles de 26 de Agosto, em comemoração ao aniversário de Campo Grande, e, posteriormente, de 7 de Setembro. “Ele sempre desfila de roupa branca e sapatos. Ele gosta da festa”, afirma a amiga.
Sabiá não costuma firmar ponto no centro, mas é visto com mais frequência nas ruas Barão do Rio Branco e Dom Aquino. Costuma chegar cedinho à região, de ônibus – conforme informações dos amigos, mora em um quartinho no Bairro Guanandi.
A reportagem tentou marcar um encontro com Sabiá, mediado pela amiga Maria. No entanto, ultimamente, o passarinho do centro de Campo Grande anda mais arisco do que de costume. A saúde já não é mais a mesma, o pé direito apresenta uma possível inflamação crônica e, em consequência das dores, ele anda agitado.
Os comerciantes mais próximos têm buscado ajudá-lo; mas, por enquanto, Sabiá só tem conseguido receber cuidados paliativos e a preocupação é de que o quadro se torne ainda mais grave. “Sabiá nunca vai ser o mesmo se não for livre”, alerta a amiga Maria.


