Depois da “demissão” de centenas de motoristas que prestavam serviço, a empresa Uber do Brasil passou a ser alvo de uma enxurrada de ações judiciais em Campo Grande e em outras cidades com pedido de reintegração e indenização por danos morais e lucros cessantes.
É que a empresa simplesmente entendeu que todos aqueles que têm alguma anotação criminal na Justiça são “fichas-sujas” e baniu inúmeros trabalhadores, independentemente se houve condenação, da época em que isso ocorreu ou há quanto tempo trabalhavam para a plataforma. As ações tramitam tanto na Justiça Comum quanto na trabalhista.
Prova disso é o caso de Paulo Henrique Julião Estevez. Conforme a ação judicial que tramita desde o 23 de janeiro deste ano, “o autor foi motorista da plataforma por mais de cinco anos, tendo mais de duas mil corridas, exercendo sua atividade com excelência, conforme demonstra sua avaliação positiva no próprio aplicativo.
Em outubro do ano passado, porém, foi bloqueado. E, depois de muita insistência, conseguiu descobrir que isso ocorreu por conta de um processo criminal do qual fez parte em novembro de 1999. Porém, ele nunca foi condenado ou preso por conta daquele caso.
E, conforme escreve seu advogado, é “importante ressaltar que o caso mencionado ocorreu há mais de 25 anos e, de acordo com a legislação brasileira, o cumprimento do acordo de suspensão condicional de processo não gera antecedentes criminais, tampouco qualquer restrição à vida civil ou profissional do beneficiário”.
Por conta disso, o advogado Calos Eduardo Correa pede indenização de R$ 10 mil por anos morais e ainda o ressarcimento daquilo que o motorista deixou de faturar desde que foi banido. Ele não sabe o valor porque ele nem mesmo tem acesso à plataforma para descobrir o faturamento médio mensal do motorista, conforme alega na ação judicial.
Naquele mesma data, 23 de janeiro, também começou a tramitar, na 4ª Vara Cível, o caso do motorista Vicente Inácio Salvidar Benitez. Ele alega que trabalhou 7,5 anos para a Uber e repentinamente , em dezembro de 2023, foi bloqueado. Isso ocorreu depois que enviou sua ficha de antecedentes criminais à empresa.
A única informação que recebeu foi a de que não passou na checagem de segurança, que é feita por uma empresa terceirizada à Uber. Por isso, recorreu à Justiça exigindo a reintegração à plataforma e o pagamento de R$ 91.563,22, valor que teria faturado no ano anterior.
Um dia antes, em 22 de janeiro, começou a tramitar a ação envolvendo o motorista Alisson Rodrigues Arce. Ele foi banido em agosto do ano passado e agora cobra indenização de R$ 20 mil por danos morais e mais R$ 16.585,31 relativos aos lucros cessantes.
Ele diz que trabalho por sete anos e seis meses e fez um total de 7.228 corridas, recebendo aprovação em 99% das corridas, o que é praticamente nota máxima. Ele alega que esta era sua principal renda e que a esposa está grávida de sete meses e tem uma filha de 11 anos para sustentar. Por conta do bloqueio, entrou em depressão, alega seu advogado ao pedir a indenização por ano moral.
O processo do qual fez parte é de 2002, quase 23 anos atrás. O caso está arquivado faz anos, mas mesmo assim foi demitido por ser “ficha-suja”.
LACUNAS
Histórias semelhantes existem às dezenas em diferentes varas e no juizado especial. Em Campo Grande existiam, até o fim de janeiro em torno de 105 ações nas quais a Uber foi acionada por diferentes motivos. Porém, em torno de dois terços deles envolvem pedidos de indenização por conta dos bloqueios decorrentes das chamadas anotações criminais.
Parte delas deu entrada por meio da defensoria pública, mas a maior parte foi protocolada por advogados particulares. Tem até ação judicial de advogado em início de carreira que trabalhava como motorista de aplicativo e ele próprio apresentou pedido de indenização.
E em todas as ações os autores pedem isenção das custas processuais. E, em todas a Uber contesta esta gratuidade, uma vez que, sem isenção, menos gente tende a recorrer. Em sua defesa a empresa alega que excluiu os motoristas por uma questão de segurança.
Os pedidos de liminar para reintegração à plataforma e indenização estão sendo sistematicamente rejeitados. As tentativas de acordo também estão fracassando. Os motoristas estão utilizando trechos da lei do consumidor ao reivindicarem determinados direitos. Mas, a Uber alega que não existe relação de consumo entre motoristas e a plataforma de tecnologia.
Porém, decisões favoráveis nos tribunais de justiça de São Pulo e Rio de Janeiro tem motivado uma série de motoristas de Campo Grande e de outras cidades a tentarem a mesma sorte.
De acordo com o advogado Kayque Rodrigues Leandro da Silva, que atua em um escritório pelo qual foram ajuizadas em torno de 30 ações em Campo Grande e em outras cidades, se os motoristas não obtiverem vitória na primeira instância, a intenção é recorrer e chegar até o Superior Tribunal de Justiça, se for o caso.
Ele entende que a chamada Justiça Comum deve resolver o imbróglio, mas tem outros advogados que preferem recorrer à Justiça do Trabalho. “Lá tem uma enxurrada muito maior de motoristas recorrendo por conta do mesmo problema”.
“É compreensível que uma empresa defina suas regras para firmar suas parcerias de trabalho. Mas no caso dos desligamentos por conta de simples anotações criminais, a Uber precisa obedecer às normas brasileiras. Ela não pode simplesmente dizer que pessoas são fichas-sujas sem que sejam”, entende o advogado.


