“Você instiga a gente a entrar naquilo, a pensar junto”, afirma Rozana Valentim enquanto mira os olhos de Edson Castro.
“Uma pergunta que estava fazendo para o Pierry era: ‘Como que ele acha que acabou?’. A gente olha aqueles pequenos formatos e pensa: ‘Fechei, deu, chega de forma, de traço, né?’. Em que momento você faz isso? Fiquei curiosíssima”, indaga Rozana
“O meu trabalho termina com o olhar do espectador. O meu trabalho sob o olhar do espectador para terminar. Porque, como você falou, eu deixo muito inacabado. Deixo para o espectador continuar aquilo, sabe? Não sei como dizer, mas não entrego nada de graça”, responde Castro, deixando a plateia ainda mais chapada após conferir os trabalhos da nova série que o artista dedica às queimadas do Pantanal.
O papo transcorreu durante a roda de conversa “O Que Falamos de Arte?”, pilotada por Rozana como parte da programação do 2º Atelier Portas Abertas Edson Castro.
Professora do curso de licenciatura em Artes Visuais da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), Rozana é doutora em Educação e levou alguns alunos, futuros professores de arte, para apreciar a mostra e também participar da prosa, que seguiu afiada com a trégua da chuva na tarde de sábado.
ARTE NA VEIA
“Seria muito fácil você ver lá a casinha com o morro e o ceuzinho. Isso é uma coisa que você quer mostrar para o mundo. Arte vem na veia, é como uma religião. Você estar todos os dias ali. Hoje é difícil realmente ver alguém que queira fazer arte. Todos os artistas que eu vejo hoje querem ganhar dinheiro, é incrível. E você não vai ganhar dinheiro se tentar fazer arte para ganhar dinheiro”, dispara Edson.
“Vai morrer pobre, numa boa. Mas faz um trabalho com sinceridade que o retorno vai vir, não tem como. O que é bom aparece, não tem jeito”, diz o artista visual.
“Hoje, existe um modismo nas academias europeias e tal, que os caras saem com os traços iguais aos de uma criança”, mapeia o anfitrião, que recebeu os visitantes, como sugere o nome do evento, literalmente, em seu ateliê, no Jardim Paulista.
“Ele pega um pedaço, ele é super-rebuscado, faz um truque, dá um puta tratamento em um pedaço. Aí, depois, ele faz um traço tosco em cima daquele trabalho para romper aquele negócio. Já estão há anos fazendo isso, e aí fica cansativo e os críticos de arte veem isso, os professores veem isso. Por isso que eu falo que a faculdade não forma o artista”, provoca Edson.
ACADEMICISMO? NÃO
“O academicismo dá uma solução para vários problemas, te dá um martelo para vários tipos de prego e, na realidade, você não vai pegar um prego deste tamanhinho para um martelo deste tamanhão. Como eu aprendi sozinho, aprendi eu mesmo a ir buscar o meu martelo para cada tipo de prego. Isso é legal para quem é autodidata, porque você se f… tanto, você erra tanto que acaba descobrindo umas coisas que a academia não ensina”, afirma.
“Quando eu olho uma obra, o que é que importa mais? Acho que o barato da arte é isso. Todo mundo aqui vai parar e dizer assim: ‘Aquela ali eu queria levar para casa, essa eu quero’. Então, é diferente. Nós somos diferentes, e a arte tem que promover isso, mexer com a gente. ‘Essa é minha’ porque eu quero olhar para ela. Me faz bem ou não, não é? Quando você fala assim, toca politicamente mesmo por meio do abstrato. Pô, é um ativismo também, é denúncia”, pondera Rozana.
“PENSAR CULTURALMENTE”
“Estou falando que a gente precisa enxergar que é um problema social, e a arte tem isso, essa capacidade de fazer a gente pensar culturalmente, historicamente. O que é que está acontecendo na vida? Eu vou passar despercebido? Não, eu vou lá e vou falar. Corumbá precisa do nosso olhar. E o seu, ele sempre existiu desde pequenininho”, diz a professora, com um olho na plateia e outro no artista.
“É legal a gente ver essa construção que você vai trazendo sem perder essa essência que está lá, fauna, flora, o que a gente quiser ali. A obra, quando você entrega para o espectador, é nossa também. Então, cada um chegou lá. Quem viu galho, quem viu passarinho. A gente vai ver de tudo, e isso é bom. Você entrega isso para a gente”, afirma Rozana.
Edson abre um sorriso. “Às vezes, a pessoa olha e diz: ‘O que é que é isso?”. Já tirei a pessoa do chão, já foi, já dançou, já tomou. Não sei, acho que precisa das duas coisas. É a troca. Porque, se você chegar e olhar o meu trabalho com preconceito, você não vê porra nenhuma e vai achar o trabalho uma merda, e aí pronto. Essa que é a diferença”, alivia o artista, sem perder o fio.
CUNHATAIPORÃ
“Achei a proposta do ateliê maravilhosa. Foi uma experiência muito bacana conhecer os novos trabalhos, ficar por dentro da obra dele. Eu sou fã do Edson”, resume Geraldo Espíndola, com cara de menino, enquanto vira o pescoço a todo o tempo tentando entender e viajar nas criações de caneta posca sobre papel fotográfico com imagens esgarçadas por efeito de ácidos naturais.
O cantor e compositor foi protagonista de um dos momentos sublimes do Atelier 2023, na sexta-feira, quando, ao apreciar Castro empunhando o bastão de óleo na criação de uma nova tela, não se conteve e mandou, à capela, “Cunhataiporã”, para o deleite dos presentes. A canção é um clássico do repertório de Geraldo e de sua irmã Tetê, que a gravou para o álbum “Piraretã” (1980).
“A cantoria surgiu em um improviso, não foi nada programado. Foi um presente criado pelo mundo invisível para nós ali. Eu estava conversando com a Milena [assistente de Edson Castro] e aí, falando sobre a música, porque ela ficou sabendo que eu era compositor e tal, e foi perguntando um pouco da minha história, resolvi mostrar justamente naquele momento em que o Edson estava finalizando, fazendo a obra”, conta Geraldo.
VITÓRIA
Do lado de fora, na varanda, o DJ Chiquinho embalava uma pista de dança improvisada. “O Edson é um amigo meu de longa data, que acompanha meu processo de me tornar DJ desde quando era só uma ideia”, diz ele, que marcou presença também no evento de 2022.
“O repertório, eu busco sentir o ambiente e moldar o set de acordo com ele. Como sabia que o Edson produziria um quadro naquele momento, e era um presente para mim, tentei moldar o set para o que eu queria que inspirasse essa produção. Também tentei dialogar com o pessoal em volta. Para mim, foi só vitória”.




