Já são quase quatro anos sem tocar em Mato Grosso do Sul. A última vez foi em 2019, pelo Festival América do Sul Pantanal, em Corumbá. Como será o show desta sexta-feira em Campo Grande?
A gente não volta para Campo Grande há um tempão mesmo, talvez uns 10 anos. Também teve a pandemia, né? Logo depois da última vez que a gente foi. A gente deixou de gravar disco por muito tempo, mas a banda nunca parou. Me lembro bem sim do festival em Corumbá. Ali era outro show, de lançamento do disco anterior (“Sentidos do Sim”, de 2017).
Essa turnê que a gente está fazendo, a “Paralamas Clássicos”, tem sido um reconhecimento muito grande em todo lugar que a gente tem ido. É um roteiro que passa por toda a nossa carreira, desde o primeiro disco até o último, e é um show grande, hein?
Foi difícil tirar as músicas e conseguir fazer um roteiro mais enxuto para ser uma coisa que tivesse um fim. São umas 30 músicas, basicamente só Paralamas. A única cover que tem, pode-se dizer que é quase uma música nossa, que é “Você”, do Tim Maia, que a gente regravou em 1986 e nos apropriamos dela como se fosse nossa. Não chega a ser um cover, é uma regravação, uma interpretação nossa.
É difícil acreditar nisso, mas em 1986, quando lançou essa música, pouca gente ouvia Tim Maia. Na verdade, era off, ele estava por baixo. Não tinha ainda recebido essa consagração que lhe é de direito.
Não estou dizendo que foi a gente que fez esse revival, mas nós fomos uma das pessoas que levantaram ele. A gente regravou “Você”, começou a tocar muito no rádio e aí começou a se ouvir mais Tim Maia, e hoje em dia ele é essa referência que é. Então, a gente é quase parceiro.
Como é compor, ensaiar, gravar e se apresentar por tanto tempo?
O que era para a gente uma conquista, um sonho, quando gravamos o primeiro disco, há quarenta anos, se apresentar no Circo Voador, fazer show com o Lulu Santos… Era um sonho e acabou virando o nosso modo de vida mesmo. A gente nunca planejou o passo seguinte. Ou melhor, a gente só planejou o passo seguinte. Nunca imaginamos que dois anos depois estaríamos fazendo isso, ou quarenta anos depois, como agora estamos comemorando essa data. Foi muito passo a passo.
No começo, a gente queria tocar no Circo Voador, tocar na Rádio Fluminense, que era uma rádio que tocava música independente. Esse foi o primeiro passo. E tivemos tanta sorte também, a gente nem procurou uma gravadora.
Naquela época, depois que a Blitz estourou, as gravadoras estavam catando as bandas que poderiam dar uma sequência àquilo ali e começaram a nos assediar. A gente escolheu uma gravadora e conseguiu gravar um disco muito rápido.
Em agosto de 1983, estávamos lançando o primeiro disco (“Cinema Mudo”), e o passo seguinte foi… Não ficamos felizes com esse disco, não gostamos da experiência e partimos para gravar outro disco (“O Passo do Lui”, 1984), e aí veio o Rock in Rio (1985). Sempre assim, com passos muitos breves.
Quando vimos, já tinha passado 10 anos, depois 20, e a gente na nossa rotina do que a gente mais gosta, que é tocar no palco. Tudo que a gente faz, gravar disco, tocar na televisão, fazer entrevista, enfim, tudo com o objetivo sempre de estar no palco, tocando o que a gente gosta. Tem sido uma realização mesmo, algo impensável no tempo de adolescentes.
Ter uma banda com 40 anos de estrada, não existia um paralelo assim no Brasil. Mas estamos nós aqui. Não que a gente tenha influenciado, mas apontamos para uma direção que depois outras bandas seguiram, como Nação Zumbi e Skank.
Em “Bora Bora” (quarto álbum, de 1988, lançado após “Selvagem?”), entraram os metais, era uma coisa muito diferente para banda, a forma de comunicação. E a gente nunca mais largou.
Já pensou em “pendurar” o contrabaixo?
Não. Naquela época do acidente do Herbert, em 2001, que foi um baque na nossa vida e na carreira, perguntavam: “Vocês ainda vão tocar?”. Primeiro, eu nunca deixei de ter esperança de que o Herbert voltaria. Era uma coisa impensável os Paralamas não voltarem à ativa, sempre foi uma coisa que eu tive como norma, apesar de, naquela época, ser uma coisa muito arriscada, ninguém tinha certeza de nada, mas a gente não conseguia aceitar.
Eu dizia: “Eu não sou músico, eu sou um Paralama”. É o que me considero. Com o tempo você vai vendo que você depende mesmo. Da banda, da música. Nunca pensei em largar os Paralamas. Tive uma banda de reggae, que chamava Reggae B, há uns 20 anos atrás. A gente seguiu com ela até quando deu. Porque era muita gente, cada um tinha seu trabalho. Nunca mais a gente conseguiu reeditar.
Como se descobriu em relação ao instrumento? Quais baixistas curte ouvir?
Começou por uma sugestão do Herbert. Porque nós morávamos em Brasília, ele foi no ano de 1977 morar no Rio e eu fui no ano seguinte. A gente fez vestibular em 1978 e, nessa ida para lá, nos vimos muito isolados. Em Brasília, tínhamos uma turma grande, um monte de amigos, andávamos de skate e tal. Todos adolescentes com uns 16 anos, e a gente custou a engrenar uma turma de amizade, a gente ficava muito unido.
Ele já tocava guitarra muito bem e eu tocava violão muito mal (risos). Ele falou: “Arranja um baixo para a gente tocar junto, pelo menos a gente fica trocando ideia”, então comprei um baixo e comecei a tocar. Ele me ensinava umas coisas, eu tirava as músicas que gostava. Foi mais para socializar que veio a música para mim, e acabou que me encontrei.
Comecei a gostar de reggae, onde o baixo manda, e aí eu fui me encontrando e me realizando, e acho que realmente é meu instrumento. Tenho um baixo acústico, mas nunca toquei à vera, só em casa, de brincadeira. É um instrumento muito bacana, muito bom. Mas nunca experimentei tocar nem nos Paralamas nem em outras situações. Não ousei ainda me apresentar.
Quase não estudo em casa, sabe? Não fico tocando horas em casa, porque acho que vai tirar a espontaneidade, sei lá. Se eu vou com as poucas armas que tenho, acho que me viro bem.
Temos grandes baixistas, como por exemplo o Liminha, que produziu alguns de nossos álbuns. O Lee Marcucci, que era do Tutti-Frutti. O Jamil Joanes. O Arthur Maia (1962-2018). São até contemporâneos meus. Mas o que me influencia mais como baixista são os baixistas de reggae. Baixistas jamaicanos, principalmente o que se chama Robbie Shakespeare (1953-2021).
Que fazia dupla com o Sly Dunbar…
Exatamente. Esse aí. Esse cara é quem lê a música do modo mais interessante. Durante muito tempo, é claro que você vai pegando a sua forma de se manifestar e de interpretar, mas eu pensava assim na hora de compor: “Como é que Robbie Shakespeare tocaria essa música?”. É uma referência e uma influência muito grande. Mas você vai pegando a sua própria linguagem e acaba tendo a sua personalidade.
Por que usa o mesmo instrumento há tanto tempo?
É um baixo americano que se chama Factor, uma fábrica pequena. Achei ele em 1986 e é o que eu tenho usado. Passei por outros, voltei e não abro mão mais. Eu trouxe muita coisa do reggae para o Paralamas, o meu jeito de tocar, que é muito inspirado nisso, e acaba que puxo um pouquinho para esse lado. Nós todos gostamos. É uma forma boa de dar roupa às composições.
O que mais gosta de fazer?
Tem meu lado rural (risos). Eu fazia Zootecnia na faculdade quando comecei a banda e larguei antes da formatura. Mas eu tenho um sítio (em Mendes, no estado do Rio) e gosto de criar ovelha, tenho uma plantação de cacau. Coisa pequena, mas gosto desse lado rural.
O que mais aprecia nos companheiros de banda?
O Herbert e o João são extremamente virtuosos. Eles tocam muito, sabem muita música. Eu aprendi muito com eles e agradeço muito a paciência que eles tiveram de me assistir aprendendo ali e errando, tentando acompanhar.
Somos muito amigos, e a amizade nesses 40 anos trabalhando juntos vai se transformando em uma irmandade, em uma coisa maior, em um universo. Sempre que a gente toca com outras pessoas, acho estranho. A mágica só acontece mesmo quando juntamos nós três (continua na página B4).
“Tenho boas ideias graças ao reggae”
A banda mantém a estampa de trio, mas a “família” Paralamas costuma ser mais numerosa no palco... O João Fera (tecladista), por exemplo, pode ser visto como um quarto Paralamas.
Ele vestiu a camisa há muito tempo. Ele era músico de banda de baile que toca covers. O João Barone conhecia ele desde pequeno e ensinava os colegas a tocar violão e tal. Ele não conhecia nada das coisas que a gente ouvia, as músicas e bandas da África, da Jamaica, e fui mostrando para ele entender como era o nosso modo musical.
E ele pegou isso de uma forma única e virou uma referência. Dos anos 1980, quando o reggae cresceu muito no Brasil, ele é uma referência. Ninguém toca como ele toca. O jeito e a visão que ele tem do reggae e da parte dele no reggae viraram referência. É nosso irmão. Um Paralama honorário.
O músico que está há menos tempo com a gente é o trombonista João Bidu, que está há 26, 27 anos. O João Fera está há 36, 37 anos. Então, todo mundo entra aqui e não sai. Vira família, e a gente toca muito, toda semana. É uma convivência muito intensa. Tem aquelas brincadeiras, parece turma de escola.
O que os levou a prosseguir com a banda após o acidente do Herbert?
Nunca passou pela nossa cabeça outra possibilidade. Tínhamos certeza de que o Herbert e o Paralamas voltariam. Tudo foi relativamente muito breve. O Herbert ficou 40 dias em coma. Dois meses depois, a gente já estava no estúdio tocando juntos (“Um Longo Caminho”, de 2002, é o primeiro disco lançado após o acidente de ultraleve, em fevereiro de 2001, que deixou Vianna paraplégico e com perda parcial de memória).
A gente viu isso como uma forma de ajudá-lo naquela volta. Você não sabe quem é você, o que está falando ali. E vai voltando, vai voltando. E ele voltou tocando logo. Queria tocar, queria tocar, e, tocando juntos, ajudaria a memória a voltar.
O projeto que a gente tinha antes de o acidente acontecer era fazer um disco de trio. As músicas que estavam em andamento foram pensadas com arranjos simples, básicos, de trio. Mas o acidente mudou tudo, e a gente fez questão que todo mundo participasse. Estava todo mundo naquela onda de tocar o barco para frente, todo mundo junto, e acabou que fizemos essas músicas depois com arranjos para todos. Mas a ideia original era essa.
Graças a Deus, ele está ótimo. Foi bem branda essa pneumonia recente. Quando fui visitá-lo no hospital, ele estava superbem já, louco para sair para a gente tocar. Os primeiros shows foram em Curitiba e no Rio, no Festival de Inverno, no fim de semana agora. O festival do Rio foi maravilhoso, um daqueles especiais. Mostrou que a banda está em plena forma, com vontade.
Ele tem comorbidade, está na cadeira de rodas, sofreu um acidente muito grave. Então, o médico, o mesmo que cuidou dele na época do acidente, dr. Pantoja, pneumologista, achou que era mais interessante ele receber um antibiótico na veia, com horário certo e tal. Uma coisa mais confiável, e dar alta com a plena certeza de que estaria curado.
“Os Sentidos do Sim”, último álbum de estúdio, foi lançado em 2017. Vem disco novo por aí ou outras novidades?
Não tem nada que nos obrigue a gravar. A gente quer gravar porque é uma necessidade artística. A vontade de entrar no estúdio e fazer coisas novas, mostrar coisas que a gente está compondo. Daqui para o fim do ano a gente vai se encontrar, trocar ideias, e acho que no próximo ano a gente vai apresentar alguma coisa. Não é promessa, não é compromisso.
Conta um pouco mais da tua ligação com o reggae.
O reggae me pegou quando eu estava aprendendo a tocar, ouvindo coisas diferentes. Tinha a geração dos pós-punk inglês, que estava começando a misturar o reggae com o punk, e aquilo pegou a gente de jeito. Eu já conhecia reggae desde os anos 1970.
O irmão do Herbert, o (antropólogo) Hermano (Vianna), tinha mostrado para a gente Bob Marley e tal. Eu até, em uma primeira prospecção, não gostei. Porque eu gostava de rock e achei aquilo devagar. Não curti não (risos).
Já nos anos 1980, principalmente conhecendo os toasters, que seriam os rappers do reggae, como Yellowman, esses caras, fui me encantando. E eu levava as coisas que ia conseguindo escutar para eles (Barone e Herbert).
Ao mesmo tempo, meu pai morava no Chile e, não sei porque, lá tem uma frequência de discos da África muito grande. Tinha um selo francês. Nessa época, no Brasil, não chegavam coisas diferentes assim. Só as bandas grandes. Do reggae, tinha Bob Marley.
Eu era muito curioso e me apaixonei. No reggae, a base do negócio é o baixo. A linha do baixo dá uma personalidade à música muito grande. A cara da música no reggae é o que o baixo está fazendo ali junto com a voz. Sei que não sou um grande instrumentista, mas sei que tenho boas ideias. E muito graças ao reggae e às melodias que o baixo segura.



As pinturas de Isabê também estarão na Casa-Quintal 109 de Manoel de Barros, museu na antiga residência do poeta, no Jardim dos Estados - Foto: Divulgação


Filme lança hoje - Foto: Divulgação

Patricia Maiolino e Isa Maiolino
Ana Paula Carneiro, Luciana Junqueira, Beto Silva e Cynthia Cosini


