Dos seus 45 anos de vida, mais de 20 vêm sendo dedicados ao teatro musical. Formada em Fisioterapia, Andrezza não chegou a exercer a profissão, pois foi levada pela onda de famosas produções da Broadway que ganhavam suas primeiras montagens brasileiras e se instalavam de vez em São Paulo na virada do milênio, período esse que se tornaria um divisor de águas para aqueles que, como ela, figuram hoje entre os principais nomes da história do gênero.
A atriz, que na adolescência se dividia entre o esporte, sendo inclusive jogadora federada no voleibol, e a música, cantando em eventos do colégio, integrando bandas, e se apresentando em restaurantes de garçons cantores, chega aos palcos em 2001, com “Les Misérables”, após descobrir um anúncio de jornal em busca do elenco; o que ela não imaginava é que a produção que marca sua estreia na “Broadway brasileira”, a consagraria melhor Atriz Coadjuvante nos principais prêmios do gênero 16 anos depois, em uma segunda versão.
Estreante como ensemble no musical baseado na obra de Victor Hugo, emendou superproduções como “A Bela e a Fera” no papel de Dona Cômoda - nas duas montagens brasileiras -, o original “Cole Porter - Ele Nunca Disse que me Amava”, “Cats”, “Mamma Mia”, em um de seus papéis preferidos, a Dynamo Rosie, “Priscilla, a Rainha do Deserto” como Shirley, “A Madrinha Embriagada” como Dora Aviadora, “Mudança de Hábito” como Irmã Patrícia, “We Will Rock You” como Killer Queen, “Wicked” como cover de Madame Morrible, “Les Misérables” como a premiada Madame Thénardier, “A Pequena Sereia”, da Disney, onde foi convidada para viver Úrsula, “Sunset Boulevard” como alternante de Norma Desmond e, em seu último trabalho, pré pandemia, “Chaves - Um Tributo Musical”, como a famosa Dona Clotilde, também à convite dos produtores responsáveis, os mesmos que emendaram a proposta irrecusável de tê-la como Donna Lovett em “Sweeney Todd”.
Já fora dos palcos, entre um trabalho e outro, Andrezza ainda foi responsável pela preparação vocal de espetáculos como “Sweet Charity”, com Cláudia Raia, e produções como “Peter Pan - Todos Podemos Voar” (2007), da CIE Brasil (atual T4F), e “Aida” (2008), da Master Produções Artísticas e Culturais e Break a Leg! Produções e Eventos.
Essa semana ela estreou no musical "Uma Linda Mulher" em São Paulo como a personagem Kit De Luca que já é um grande sucesso.
Capa do Correio B+ desta semana, ela fala com exclusividade sobre início de carreira, personagens e suas construções e claro, Uma Linda Mulher.
A atriz Andrezza Massei é Capa exclusiva do Correio B+ desta semana - Foto: Rodrigo Negrini - Diagramação: Denis Felipe e Denise NevesCE - O que veio primeiro na sua vida, a música, a dança ou a interpretação?
AM - O que veio primeiro na minha vida foi a música. Eu cantava quando adolescente em rodinhas de violão que evoluíram para bandas do colégio. Eu era bolsista do colégio 50% porque jogava Voleibol, era federada, e 50% porque eu cantava nas feiras de CIências e outros eventos.
Cantava de abrir a boca, nunca estudei. Minha vida profissional começou porque uma pessoa dessa banda, um pianista, me chamou para fazer piano e voz em bares e hotéis, comecei a fazer este tipo de trabalho, mas foi por pouco tempo porque logo entrei em um restaurante onde os garçons eram cantores, o Sammer Brothers, do mesmo dono do extinto Brooklyn. Era meio que fachada de garçom, mas a gente atendia também, só não pegava o serviço pesado. Neste caso o repertório que a gente cantava era de jazz, folk e blues.
CE - Precisou mudar muitas coisas na sua vida e rotina quando escolheu viver de Arte?
AM - Eu precisei mudar muita coisa na minha vida quando comecei a viver de música, porque na época eu estava fazendo a faculdade de fisioterapia, até então, tinha sido tudo muito amador, na brincadeira, mas aí a coisa meio que ficou séria, com a fase do restaurante, de cantar a noite.
Eu precisei trancar a faculdade, fiz três anos e tranquei o quarto - que era o último de estágios - e depois de dois anos que eu voltei para terminar, então eu meio que fiz essa fase do restaurante e o começo dos ‘Les Misérables’ no ano de estágio, entrega de TCC, etc, então minha rotina era uma maluquice, eu entrava super cedo no primeiro estágio às 08h, saia 12h, entrava no segundo estágio as 14h, saia às 18h, e ia direto para o restaurante que começava às 20h30 e acaba às 02h.
Fiquei quase um ano assim e no final do ano surgiu o musical e sai de tudo. Acabou a faculdade, peguei o canudo da colação e fui direto pro ensaio do Les Mis. Foi a minha sorte se não não teria conseguido, teria que sair de um ou não entrar no outro, no caso.
CE - Você é conhecida especialmente por sua veia cômica, mas não se limita a isso, prova disso são seus últimos trabalhos. Como é pra você transitar por tantos tipos de personalidade?
AM - É muito gratificante, mas é muito assustador também, essa coisa de mudar completamente. O desafio é o que move a maioria de nós, artistas, mas ao mesmo tempo ele assusta, porque você não sabe se vai conseguir. Sair dessa coisa da ‘gordinha engraçada’, da Úrsula, e cair de cabeça numa Norma Desmond, que é absolutamente todo o oposto do que acostumei fazer, desde o corpo, até a voz, a intenção dramática, a idade, tudo.
Tudo era muito diferente do que estava acostumada, até mesmo a posição de alternância de uma grande atriz. É apaixonante. Por isso também aceito bastante papéis hoje em dia, pois penso o que vão me trazer de mudança na vida, de desafio.
É é legal também porque, em muitas ocasiões, essa mudança me faz descobrir coisas em mim que eu não sabia que tinha, então não deixa de ser uma forma de autoconhecimento, pois se você ficar só em um perfil, em um padrão, vai perder chances de testar, de descobrir novas facetas através da arte - que eu acredito.
Ao lado do colega de profissão Rodrigo Lombardi em "Sweeney Todd" - Foto: DivulgaçãoCE - Como é o seu processo de construção a cada novo trabalho?
AM - Já começo a procurar coisas sobre o universo do personagem, e nem falo só de texto. Tento escutar músicas da época, se for o caso de um personagem de época, no caso, quando o corpo é muito diferente tento focar minha alimentação, tipo de exercício para o próximo, condicionamento físico, se for um musical com algum tipo específico de voz, mais operístico ou mais beltada, eu tento fazer aulas, vejo muitos filmes, do assunto, até eu realmente pegar tudo do texto.
Eu gosto de ver bastante referências, não para copiar, mas até para ver o que eu não quero fazer, mas as melhores referências são sempre os livros, a época, e eu vou fundo nisso, é um processo legal de construção e desconstrução.
CE - Com mais de 20 grandes musicais no currículo, dá tempo de desapegar das personagens?
Como é esse processo?
AM - É sempre um luto quando eu acabo um personagem. Eu fico com a voz do personagem, o corpo do personagem durante um tempo, eu penso como o personagem, pareço maluca, mas a gente vive isso seis, sete vezes por semana, fora os ensaios, a preparação para tudo isso, então cada personagem é de uma forma muito especial. Dependendo do personagem, se eu tenho mais empatia, é mais difícil ainda…
O primeiro desapego mais difícil, em termos de musical, foi em “Les Misérables”, tive até febre. Mesmo sabendo que eu já estava no elenco de “A Bela e a Fera”, a gente sente como se despedisse de uma família, não só de um personagem. Você vê aquelas pessoas todo dia, você convive mais com o elenco e a produção do que com a sua família, certamente. Então dependendo do grupo e do que você vive no processo, é muito difícil dar tchau.
Com o tempo você aprende e não se apega tanto. Eu até tento não me apegar muito a tantos, mas é impossível. Hoje eu já começo um trabalho sabendo que ele vai acabar e consigo lidar melhor com isso, o tempo de luto é menor. Fica a lembrança, mas o luto fica um ou dois dias, o tempo de remoer é menor, vou me despedindo antes, começo a postar fotos e elas viram memórias…
Massei em A Pequena Sereia - Foto: DivulgaçãoCE - Como tem sido a experiência de ensaiar esse novo musical (Uma Linda Mulher)? O que acha que ele tem de especial?
AM - Todo novo musical, ele chega com uma série de desafios pra gente, desde a parte vocal, a parte de interpretação, parte física. Então, tá sendo uma descoberta de uma época que eu vivi na infância, mas que agora tá muito mais presente e a lembrança dessa época tá mais tona.
Então, tá sendo bem exaustivo, vamos dizer assim, porque a gente tem uma intensidade de ensaios muito grande, tanto vocalmente como fisicamente, é uma exaustão, mas é pro bem, faz parte do processo.
Eu acho que justamente essa questão da nostalgia, de fazer você lembrar da sua infância, da sua adolescência, dos bailinhos, da fase mais gostosa da tua adolescência, do conto de fadas, do primeiro namorado. Eu, particularmente, me lembro muito de ver esse filme na sessão da tarde e ficar sonhando com o príncipe, vamos dizer assim. Então, acho que essa é a parte mais legal desse musical.
CE - A trilha dele é bem apoiada no Rock, que é um gênero que você se identifica desde o inicio da carreira. Como tem sido esse "reencontro"?
AM - O rock sempre foi muito presente na minha vida. Eu comecei a minha carreira cantando rock in roll. E voltar pra isso, na verdade, acho que eu nunca saí, mas poder exercitar isso no palco, num espetáculo de teatro, é mais especial ainda. Eu nunca larguei, nunca larguei dessa questão do rock.
CE - Onde a Kit de Luca mais te desafia?
AM - Eu acho que justamente na questão de juntar a exigência vocal com a exigência física. Ela se movimenta bastante, é um personagem que se movimenta bastante, muito intenso, pula para lá, pula para cá e tem esse vigor bem característico do personagem que a gente criou. Então juntar isso com a voz, que é uma partitura bem dificinha, vamos dizer assim, bem complicada, eu acho que é o maior desafio.
Como Kit De Luca - Uma Linda Mulher - Foto: Pedro DimitrowCE - Sua personagem é mais explorada no musical do que no filme. Considerando então que haja menos referências, como foi a construção dela?
AM - Então, realmente, eu preferi, a gente, eu, diretor, nós preferimos não focar nem na interpretação do filme, nem na do musical, e tirar aí um meio termo e criar algumas coisas. A gente teve essa liberdade. Uma coisa diferente do que foi, por exemplo, com o personagem da Vivian e do Edward, que já são muito icônicos.
Então, como a gente tinha essa liberdade de construção, acabou sendo mais gostoso ainda, porque eu pude trazer alguns elementos já da minha vida, dessa questão do rock, que tem a ver também com a parte do musical, com a Kit no musical. O Fred trouxe as referências dele mais cinematográficas. Então, eu acho que foi uma mistura de tudo com o toquinho brasileiro da Andresa.
Eu me basei bastante nas grups dos anos 80, aquelas meninas que ficavam atrás das bandas, meio que vivendo agrupadas com as bandas de rock, viajando para lá e para cá, que são bem vida louca, até inconsequentes, vamos dizer assim.
São pessoas que largam, às vezes, suas vidas para ir atrás de uma banda, por exemplo. Então, eu tentei transferir isso para essas características de viver o momento que a Kit tem. A Kit vive muito o momento e, ao mesmo tempo, ela é muito leve, ela é muito resiliente também. Apesar de toda a merda que acontece com ela, ela consegue dar a volta por cima e ela não liga tanto para isso ou até liga, mas ela passa por isso de uma forma bem leve e eu acho que é por aí.
CE - E dentre tantas personagens marcantes, tem alguma que foi mais difícil desapegar ou que deixou mais saudade?
AM - A primeira personagem que eu sofri por “deixar para trás” foi a Rose, do “Mamma Mia”, que foi um processo muito legal, que tive com a Kiara Sasso e a Rachel Ripani, ficamos muito próximas na época e eramos realmente irmãs, me lembro que quando acabou a última cena, da cama, da música ‘Chiquitita’, eu fiquei deitada no chão, não conseguia levantar pra voltar ao espetáculo e quem me levantou foi o Thiago Machado.
Cai num choro desesperado. A Kiara precisou tomar remédio pra conseguir cantar a última música. Até hoje a gente lembra e a gente sofre, não consigo escutar muito as músicas que fico meio mal.
Vencedora do Prêmio Bibi Ferreira de Melhor Atriz em Musicais em 2022 - Foto: DivulgaçãoCE - Já passou por alguma mudança considerável ao longo da carreira, para poder criar uma personagem?
AM - Sim, e às vezes inicio os processos bem antes. No caso da Norma, de “Sunset Boulevard”, por exemplo, que veio logo depois da Úrsula, de “A Pequena Sereia”, foram seis meses, e implicou em mudança física, mudança de voz, mudança de comportamento e de perfil; eu era a gordinha engraçada e precisei me adaptar a um perfil mais frágil, mais franzino. Não foi necessariamente por causa do espetáculo que eu emagreci, mas eu enxergava a Norma assim, mais magra, então essa adaptação física também é muito importante, por isso, a cada processo de um musical para outro, avalio bastante a questão física, vocal, e tento ficar completamente imersa no universo desses personagens, pesquisando tudo que posso, de todas as referências possíveis, sejam físicas, mentais ou gestuais.
CE - Mesmo com tantos anos de carreira e trabalhos especiais, considera importante que o artista ainda se recicle de alguma forma?
AM - É absolutamente necessária essa reciclagem. Tanto pra você não carregar vícios para um próximo trabalho, quanto para a sua saúde mental, porque a gente sempre carrega um pouco do personagem com a gente, para o bem ou para o mal, então é bom fazer uma “limpeza”, eu gosto de começar, mesmo já tendo um outro trabalho, acho importante relaxar, fazer algum curso relacionado a arte, sobre interpretação, música, mas não necessariamente ao próximo personagem. Eu gosto de fazer essa transição esfriando a cabeça, e como não consigo viajar ou sair de férias por muito tempo, em função dos trabalhos quase sempre emendados, vou atrás de me divertir com algum lazer mais básico, para aí sim entrar no próximo universo.
CE - Sobre fãs: do seu primeiro grande musical, em 2001, pra cá, como enxerga a proximidade e conexão que hoje existe, e que é bastante diferente de quando começou neste mercado?
AM - Realmente é diferente, mas vejo positivamente. Primeiro que antigamente, há mais de 20 anos, a gente não tinha nem fã de musical, porque eram poucas as pessoas que curtiam, que curtiam os musicais de fora. Isso foi aumentando, foi crescendo, teve um boom de “Wicked” pra cá, com a abertura de sites, blogs, fóruns de discussões sobre o tema.
Claro que sempre há o risco de passarmos por algum tipo de desconforto, mas comigo nunca aconteceu, sempre fui muito bem tratada e querida pelos fãs. Acho que é muito positivo para a divulgação do nosso trabalho, é muito importante, muitos deles formam opinião, ainda mais com essa onda dos influenciadores digitais. Eu gosto muito de ter essa relação estreita, claro, com respeito entre as duas partes.
Sempre que posso atendo a todos, respondo tudo que me escrevem, mesmo que demore um pouco, e gosto desse papo. Tenho fãs desde os primeiros trabalhos, fãs que viraram alunos e tempos depois estão aí dividindo o palco com a gente, dando aula também, é um barato, meio que a gente acompanha a formação deles. Alguns são apenas fãs, outros seguem o caminho, e acho muito legal a gente poder influenciar vidas para o bem.
Andrezza Massei - Foto: DivulgaçãoCE - Em paralelo a vida de atriz você também mantém ativo o seu lado de arte-educadora. Como funciona?
AM - Eu sempre, desde que comecei nesse mundo, dou aula de canto, ministro cursos, e auxilío no aprimoramento para os musicais, através da preparação vocal, é um trabalho bem sério. Adoro dar aula, dar coaching, principalmente de atuação para canção, acho muito legal.
CE - Além dos palcos, você também pode ser ouvida em diversos trabalhos. Fale um pouco sobre esse seu outro lado.
AM - Faço dublagens de música e voz para filmes, vídeo games, além de jingles e publicidade. Recentemente dublei a Meryl Streep na nova temporada de “Only Murders in The Building”, uma atriz que eu admiro muito e que já tinha dublado em “O Retorno de Mary Poppins”, e claro, a Úrsula - uma personagem que já dublava em animações e tive a honra de dublar no live-action de “A Pequena Sereia”, originalmente com voz da Melissa McCarthy. Também me realizo muito neste trabalho.
CE - E com tanta diversidade, falta algo na sua carreira?
AM - Recentemente gravei uma participação na novela “A Infância de Romeu & Julieta”, do SBT, o que só me deixou com mais vontade de fazer televisão, mas também adoraria fazer filmes e seriados - atuando mesmo -, tenho loucura pra fazer, pois curto muito cinema. Apesar de ser uma outra linguagem, sei que seria um desafio incrível, e acho que está faltando isso na minha vida.
Ryan Keberle, trombonista - Foto: Divulgação / Alexis Prappas

Marcio Benevides, Maria José falcão e Fabiana Jallad
Andreas Penate e Monica Ramirez


