O que Renato Teixeira e Evan Dando, uma das lendas do rock alternativo dos EUA, têm em comum? Antonia Teixeira. Filha caçula do primeiro e casada com o segundo, a videomaker não somente é a ponte entre o músico de 56 anos e o endereço brasileiro do casal, na Serra da Cantareira, em São Paulo, onde vivem desde o fim de 2022, mas também está ciceroneando o marido por rolês em diferentes regiões do País.
E, desde ontem à noite, chegou a vez de Mato Grosso do Sul. A visita foi motivada pelas belezas e pelas curiosidades locais relatadas a Dando, especialmente pela estudante de Direito Julia Sater, enteada do roqueiro e filha de Antonia com outro músico de mão cheia, Rodrigo Sater, irmão do menestrel Almir.
Laços de família devidamente registrados, a melhor parte é que, além de passear, Dando vai fazer um show solo na Capital, com participação especial de Rodrigo e abertura da banda Os Alquimistas.
Será na Estação Cultural Teatro do Mundo, na quinta-feira da próxima semana (14), a partir das 20h. Os ingressos já estão no segundo lote, a R$ 50 por pessoa. Informações e vendas pelo WhatsApp: (67) 99696-9774.
Evan Dando é o principal nome por trás, e à frente, do The Lemonheads. Vocalista, guitarrista e letrista, ele foi o mentor da banda desde o início, em 1986, com o lançamento do EP “Laughing All The Way To The Cleaners”, em que o músico também tocou bateria.
Apesar de enfileirar hits certeiros, a exemplo de “It’s a Shame About Ray”, do quinto álbum, de mesmo nome, lançado em 1992, e “The Great Big No”, do disco seguinte, “Come on Feel the Lemonheads” (1993), o grupo é mais conhecido, pelo menos no Brasil, por duas músicas cover.
“Luka”, de Suzanne Vega, e “Mrs. Robinson”, de Simon & Garfunkel, até que ajudaram, e muito, no estrelato da banda. Mas não se pode dizer que o Lemonheads tenha sido refém de canções de sucesso de outrem. Muito pelo contrário. Por exemplo, entre o desespero kamikaze de um Nirvana e o existencialismo quase dócil dos escoceses do Teenage Fanclub, Evan Dando parece ter trilhado o caminho do meio.
Por mais que isso fosse improvável há coisa de três décadas, por conta do excesso de substâncias químicas, Dando garante ter superado qualquer vício letal e segue com o que sabe fazer de melhor: cantar, a um só tempo, firme e macio nos vocais e mandar ver na guitarra, com riffs ora sujos, no melhor estilo hoje talvez old school das chamadas noise-bands, ora mais límpidos e suaves, com flertes no country.
Basta dar uma conferida em “Fear of Living”, faixa lançada há três semanas e que prenuncia, finalmente, um novo disco.
Com 10 álbuns na discografia, o Lemonheads não lança um disco de inéditas desde 2006. Mas a letra, enviada por Dan Lardner, da banda nova-iorquina QTY, que acabou falecendo em junho, e um encontro com o produtor Apollo Nove, em São Paulo, deram combustão para um novo trabalho.
Seattle, considerada a capital do grunge, fica na costa oeste dos EUA. Nascido em Boston, extremo oposto geográfico, Evan Dando mostra que, na verdade, o movimento que renovou o rock nos anos 1990 teve mais de um QG.
O músico conversou com o repórter do Correio B, por WhatsApp e por videochamada, na estrada para Campo Grande. Confira, a seguir, trechos da entrevista exclusiva.
Antes de falarmos do show, algo ainda sobre a tua presença no Brasil. Embora não seja mais novidade, como tem se sentido enquanto residente, e não apenas um visitante, por aqui? Com o que já se acostumou e o que ainda te causa surpresa ou estranheza?
Me sinto em casa aqui no Brasil. As pessoas são incríveis. Amo meu país, mas parece que os americanos perderam a alegria de viver. Existe muita culpa. Meu saudoso pai sempre dizia que a América do Sul é o futuro. Adoro a comida, tudo aqui é mais saboroso. Amo escondidinho de mandioquinha com carne-seca. E amo minha família, os Teixeira, que me fazem sentir como se nos conhecêssemos desde sempre. Acho um pouco perigoso os chuveiros elétricos, mas também já me acostumei. Adoro as tempestades com raios.
Como vai ser o show em Campo Grande?
O show vai ser solo. Voz e violão e guitarras. O Rodrigo Sater, que é pai de parte dos meus enteados, vai tocar algumas comigo. Ainda vamos ensaiar e decidir quais, mas provavelmente (a banda britânica) The Kinks (formada em 1964) e algumas coisas mais. Tem também a banda de abertura, Os Alquimistas, e acabamos de combinar que tocaremos duas músicas juntos. Será surpresa para quem for ao show. E claro que tocarei alguns clássicos do Lemonheads, mas talvez não “Mrs. Robinson”.
E o novo álbum anunciado para 2024? Em que etapa estão as canções do disco? Qual a contribuição brasileira ou de brasileiros? Sei que o Apollo Nove está na parceria.
Quanto ao disco, minha música sempre foi influenciada pela música brasileira, mas nunca faria algo étnico apenas pelo fato de estar morando no Brasil. Apollo está produzindo meu disco, e como nos conhecemos foi quase um milagre. Apesar de a minha namorada conhecer muitos produtores em São Paulo, ela não queria forçar um encontro, tipo play date (marcar para tocar), sabe?
Então, por sorte, na estreia do documentário “Elis e Tom” (2022), que o tio da Antonia, Roberto de Oliveira, dirigiu, acabei sendo apresentado ao produtor Apollo Nove.
Nossa conexão foi imediata. Começamos a gravar o disco e tem ficado cada dia mais divertido e produtivo nosso trabalho juntos. No momento estamos trabalhando em 20 músicas demo para, em seguida, escolher as que vão estar no disco. A ideia é trazer minha banda (o baterista John Kent e o baixista Farley Glavin) em junho para gravarmos o disco valendo.
“Almir Sater parece ter poderes mágicos”
Evan Dando, do Lemonheads, diz que sabe tocar “Romaria”, que pratica viola caipira e que tem curiosidade sobre o E.T. Bilú; confira a segunda parte da entrevista com o roqueiro dos EUA que visita CG e passou a morar em São Paulo em 2022.
Pela influência do country no teu trabalho e por tanta proximidade com o Renato Teixeira, entre outros nomes, há chance de uma pegada da música regional brasileira no próximo álbum?
Eu aprendi a tocar “Romaria” e tenho tentado tocar viola caipira, que é um instrumento fascinante. Mas não sei se isso vai influenciar as músicas do disco novo. Não tenho muito controle do que sai de mim musicalmente falando, então não consigo responder a essa pergunta. Minha mãe já me pediu pra não abrasileirar minha música, colocando ritmos brasileiros no álbum só porque estou morando aqui. Fica muito forçado, sabe? E eu obedeço minha mãe.
Um jornalista chegou a lembrar do Johnny Cash ao comentar sobre os vocais de “Fear of Living”. E, mesmo antes de ler sobre essa comparação, eu cheguei a pensar no Iggy Pop quando ouvir o single. Você, de fato, está cantando mais grave de uma vez por todas ou aquele registro da faixa é apenas uma entre outras possibilidades que explora na tua voz?
Obviamente a minha voz está mais grave por eu estar mais velho, mas nas outras faixas a voz estará bem menos grave do que essa.
O que traz consigo do grunge e de todo o zeitgeist daquela geração que você ajudou a moldar? Acredito que há um legado do grunge para o rock? Qual seria esse legado?
Acho que o grunge trouxe mais violência para o som das guitarras. All I want is beer and damage (“Tudo o que eu quero é cerveja e fazer estrago”; frase atribuída a Darby Crash, da banda de punk-rock Germs, falecido em 1980).
Peço que, se possível, aponte algum nome (banda ou músico) daquele período que talvez não tenha tido reconhecimento à altura do talento. E nos tempos atuais? Teria um artista que você curte bastante?
Um cara talentoso que não teve tanto reconhecimento é o Jonathan Richman (músico de Boston nascido em 1951). Hoje em dia curto Mac Miller (rapper dos EUA nascido em 1992 e falecido em 2018).
O que pode dizer sobre o teu jeito de tocar e compor? Quais guitarristas fizeram e ainda fazem a tua cabeça?
Minhas influências são Ron Asheton (The Stooges), Tony Iommi (Black Sabbath), Neil Young, David Gilmour (Pink Floyd), Phil Collen (Def Leppard) e Louvin Brothers (dupla de country e bluegrass do Alabama formada pelos irmãos Ira e Charlie Louvin nos anos 1940).
O que conhece de Mato Grosso do Sul?
Dois dos meus três filhos, enteados mas considero meus filhos, têm suas raízes em Campo Grande. A filha do meio, Julia Sater que está cursando direito e a quem chamo de Judge (Juíza) Julia é o motivo de estarmos indo visitar CG. Ela e Dylan Sater, que mora em SP com a gente, me falam muito do pôr-do-sol daí, de como Bonito é bonito e ontem fiquei sabendo do E.T. Bilú (que teria sido visto na comunidade alternativa Zigurats, em Corguinho). Estou muito ansioso pra conhecer a família Sater. Quem sabe encontro o Almir (Sater). Mas não sei se vou ter essa oportunidade. Ele parece ser uma pessoa com poderes mágicos.


Ryan Keberle, trombonista - Foto: Divulgação / Alexis Prappas

Marcio Benevides, Maria José falcão e Fabiana Jallad
Andreas Penate e Monica Ramirez


