Quatro anos após o lançamento na França, ganha edição brasileira “O Coração – Frida Kahlo em Paris” (Astral Cultural Editora, 2022, 209 páginas, R$ 59,90). No livro, o cineasta e fotógrafo Marc Petitjean recupera a paixão que uniu seu pai, o colecionador Michel Petitjean, e a célebre pintora mexicana.
O casal se conheceu e manteve um relacionamento amoroso, sob sigilo, durante a temporada da artista em território francês, de janeiro a março de 1939. Uma tela com que a pintora presenteou o amante, “O Coração” (1937), representava, até o lançamento da publicação, a faceta mais conhecida do caso secreto.
Frida Kahlo (1907-1954) é um ícone em seu país e uma das artistas mais marcantes do século 20 em todo o planeta, graças à sua pintura de cores fortes e de caráter autobiográfico, que a tornou um expoente do surrealismo, de prestígio crescente ainda hoje.
Parte de sua popularidade, não é nenhuma novidade, decorre da movimentada, e muitas vezes trágica, vida pessoal da artista – o conturbado casamento com o pintor Diego Rivera (1887-1957), a saúde frágil, a bissexualidade, os traumas pessoais que precisou debulhar desde a infância, o gosto pelas coisas simples.
Tudo isso, além do engajamento político, fizeram da pintora uma personalidade de carisma e exuberância singular, que nunca hesitou em expressar, na sua arte, o binômio – na verdade, sempre incontornável – intimidade e criação.
O semblante meio sisudo, que muito marcou sua imagem pessoal, muita vezes transposta à tela com intenso realismo, não impediu que tenha assumido um lugar de destaque, para as novas gerações, como referência e inspiração, especialmente entre o público feminino e LGBT.
Breve, tórrido e secreto, o romance de Frida e Michel permaneceu ignorado, ou esquecido, ante a devassada trajetória pessoal de um dos nomes mais cobiçados do meio artístico, também, quando se trata de invasão de privacidade.
Até que Marc foi indagado sobre o affair por Oscar, um jornalista mexicano que havia escrito um artigo de quatro páginas sobre o interlúdio.
DÂNDI
Etnólogo, engenheiro agrônomo, militante de esquerda e jornalista, Michel Petitjean também era, sobretudo, um amante das artes e um autêntico dândi na Paris dos anos 1930.
Na época em que conheceu Frida, o pai de Marc mantinha um caso com a artista, e milionária, Marie-Laure de Noailles (1902-1970), que, por sua vez, também tinha por hábito colecionar amantes e atuar como mecenas, bancando, por exemplo, a produção dos filmes surrealistas de Man Ray, Luis Buñuel e Jean Cocteau.
Quando o cineasta e fotógrafo nasceu, em 1951, já fazia 12 anos que Frida havia deixado Paris. Marc Petitjean conta no livro que, ao revisitar o passado do pai, descobriu outra pessoa muito diferente.
“Ele era mais jovem, é claro, e tinha desejos, pontos de vista, preocupações, compromissos próprios de seu tempo, às vésperas da Segunda Guerra Mundial”, escreve Petitjean, que, além de ter dirigido dezenas de documentários, trabalhou em filmes de Paolo Barzman, Amos Gitai e Jean-Pierre Denis.
“Claude Mauriac, em suas memórias, o descreve nessa época como um ‘camponês risonho’ de rosto rechonchudo, alguém engraçado e bastante charmoso. O homem que eu conhecia era, sim, charmoso e elegante, mas também um pouco deprimido e nada divertido”, prossegue Marc Petitjean.
A VIAGEM
Quando partiu de Nova York, a bordo de um transatlântico, Frida planejava aquela que seria sua única exposição europeia em vida.
Com a ajuda do poeta André Breton e de sua esposa, Jacqueline Lamba, que a pintora tinha conhecido no México, Frida almejava o reconhecimento de seus pares surrealistas, apesar das reservas que tinha em relação a vários nomes do movimento.
Frida também buscava, com a viagem, dar um tempo do marido, Diego Rivera, que colecionava barracos com ela na mesma proporção com que enfileirava amantes, entre os quais, Cristina Kahlo, irmã da pintora, e o revolucionário marxista ucraniano Leon Trótski (1879-1940).
São as cartas que Michel enviou para Frida, encontradas no arquivo da mexicana, que serviram de base para seu filho reconstituir a aventura amorosa. Mas quem busca muita precisão nos bastidores da relação pode se decepcionar. Por exemplo, quanto tempo a artista teria ficado hospedada na casa dos Breton? Segundo o livro, pode ter sido por três dias, uma semana ou três semanas.
Frida também hospedou-se no Hotel Regina, que teria funcionado como a garçonnière dos pombinhos. No dia 2 de fevereiro, ela precisou ser internada no Hospital Americano, em razão de uma dor intensa nos ossos e em vários órgãos.
Antes do hotel, a artista permanecera com os Breton por 10 dias e atribuiria o agravamento de seu estado de saúde à falta de higiene do casal. Mas já havia enfrentado outros perrengues desde o início da viagem, como a retenção de suas obras na alfândega.
Não se sabe, e o livro não elucida, quem pagou a liberação: se o apaixonado Michel ou Marcel Duchamp, outro vanguardista célebre.
INTIMIDADE
Em uma gravação de áudio, realizada pela historiadora Nancy Deffebach, Michel revela que teve “muita intimidade” com Frida e que o fato de um desconhecer o idioma do outro nunca foi uma barreira entre os dois. “Ela era alguém que, antes mesmo que eu dissesse qualquer coisa, entendia o que eu queria dizer”, assevera Michel na entrevista, realizada em 1979.
Quando a pintora deixou o hospital, o casal passou alguns dias na casa de Mary Reynolds, uma amiga comum, e passeou pelo interior da França.
“Estou bem, não tenho tido aventuras ou amantes. Adoro Diego mais do que a minha própria vida”, escreveu a artista em uma carta para Ella e Bertram Wolfe. Mas, no dia 23 de março, ao desmontar a exposição “Mexique”, aliás, o mesmo nome de um livro que Michel havia publicado antes, Frida pediu que o suposto amante escolhesse uma das obras.
A obra escolhida foi “O Coração”, um óleo de 1937, de dimensões modestas (40 cm x 28,3 cm), que retrata Frida e, ao lado de sua figura, dois trajes que marcam momentos distintos da vida da pintora. Na parte de baixo da tela, um coração escorre sangue até o mar.
Ao fundo, aparecem montanhas. Nos anos 1990, a obra foi leiloada por mais de US$ 900 mil e, desde então, permanece fora dos olhos do público.
SAIBA
Obra já é vendida nas principais livrarias. O livro “O Coração – Frida Khalo em Paris” já está à venda nas principais livrarias do Brasil, físicas e on-line.


B+: Keila Fuke transforma a dança em escuta do corpo, cura emocional e reinvenção aos 59 anos - Divulgação
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