Ainda em 2023, quando anunciaram que (finalmente) fariam um filme sobre Bob Marley, focando nos últimos anos de sua vida e os bastidores do clássico álbum Exodus, celebrei. Afinal, Marley foi o mais conhecido músico e reggae de todos os tempos, vendendo mais de 75 milhões de discos, mas morreu de câncer, aos 42 anos, em 1981, meio que de repente para nós.
Em vida, sofreu atentados, com o racismo e ainda assim sempre se opôs à violência. A história dele claramente era fascinante, no entanto, o filme Bob Marley: One Love parece ter perdido a oportunidade de trazer dimensão ou sequer fazer a conexão com novos fãs sobre a trajetória do músico. Por que então estou aqui falando desse filme com você? Porque é importante.
Há um risco enorme quando o diretor e roteirista da obra é fã da música e usa a trilha sonora como guia. Várias biografias de cantores passam por isso: é como as canções fossem o único fio condutor possível, e tentam incluir todos os sucessos para dar alguma perspectiva sobre a música mais do que o autor.
Junte-se a isso a tendência forte de chapa branca, com a família aprovando cada detalhe (ou não) e defeitos são omitidos ou apressados, tentando deixar o público envolvido com a música e ignorando a pessoa.
É preciso ter muita curiosidade para checar o que está nas telas, para ter senso crítico do que é gravado como fato e ainda apreciar a trilha sonora. Isso não é um problema exclusivo de Bob Marley: One Love, esteve em Bohemian Rhapsody e outras biografias não musicais.
Como muitos gênios, Bob Marley era apenas um homem, cheio de traumas, frustrações e sim, falhas. O diretor Reinaldo Marcus Green, que já tinha feito King Richard (que rendeu o Oscar à Will Smith), pelo menos acertou na escolha do elenco, paradoxalmente, com um Kingsley Ben-Adir sensível e perfeito como Marley e Lashana Lynch também está ótima como Rita Marley. Não é o suficiente, mas me permite discutir aqui a obra.
Bob Marley: One Love foca nos dois anos no qual Marley viveu um exílio voluntário no Reino Unido, entre 1976 e 1978, uma vez que já era uma voz política na Jamaica e foi frustrado em tentar fazer um concerto de unidade para pôr fim à violência infligida por dois líderes políticos em conflito.
Ele sofre um atentado, descobre que tem câncer e volta ao seu país para finalmente uma apresentação lendária. Assim mesmo, superficial e rápido como descrevi.
No meio tempo, ele lida com o impacto de nunca ter conhecido seu pai, mantido um relacionamento abusivo e dependente com Rita, a traindo com inúmeras mulheres, mas esperando fidelidade e perdão incondicional da esposa.
DivulgaçãoPor exemplo, todo romance com a Miss Mundo de 1976, a modelo jaimaicana Cindy Breakspeare, para quem escreveu Waiting in Vain e que está em Exodus não passa de um frame no filme (literalmente) sem qualquer impacto como o que realmente aconteceu no casamento com Rita.
Numa ininterrupta sequência de uma hora e meia, a música de Marley nos interrompe mais do que nos envolve, e não temos noção da real perspectiva de seu talento artístico, nem mesmo dos conflitos políticos que o levaram ao exílio após sofrer um atentado.
Os flashbacks são usados de forma ainda mais confusa, e mesmo com Kingsley se esforçando para dar alguma dimensão a Bob Marley, é uma luta inglória para o ator. Por outro lado, não rever sua relevância é perder uma ótima oportunidade. Minha sugestão? OUÇA, Bob Marley a todo volume, e passe pelo filme atento para a superficialidade. Não há conjunção da força que ele foi como artista na tela, mas é importante conferir.

Cristianne e Rinaldo Modesto de Oliveira
Isabella Suplicy


