Considero um privilégio sempre ter sido curiosa e também ter vivido em um tempo em que ter informação era difícil, demandava vontade de querer saber e possibilidade de ter acesso. Digo isso porque eu sabia que Alfred Hitchcock era um gênio, todos me diziam isso, mas descobri o quanto tendo minha experiência de descobrir seus filmes sem saber todos os detalhes antecipadamente.
Hoje, escapar do spoiler é impossível e no caso dos filmes dele, tira muito do que ele mais hábil em fazer: nos deixar ansiosos, gritando onde estamos para uma tela, impossibilitados de ajudar a ninguém. Vi Psicose pela primeira vez com 10 anos, ou 11, mas sem saber de nada. Janela Indiscreta, também. E confesso: gritei, me desesperei e fiquei exatamente como ele queria.
Já mencionei várias vezes que meu filme favorito do diretor é Intriga Internacional (North By Northwest), mas é complexo eleger “um”. Certamente, no meu top 5 está Janela Indiscreta, que, em 2024, completa 70 anos.
Em tempos pré febre de true crime ou de voyerismo, Hitch criou uma história simples: o fotógrafo L.B. Jeffries (James Stewart) sofreu um acidente e está “preso” em uma cadeira de rodas por meses. Sem ter o que fazer e sendo um homem ativo, passa a observar seus vizinhos pela janela de seu apartamento, acompanhando seus encontros, desencontros, vida cotidiana de todos até que em uma noite quente de verão, acredita que houve um possível assassinato.
Sem poder sair de onde está, ele convence sua noiva Lisa Fremont (Grace Kelly), uma elegante modelo e estilista de vestidos e sua enfermeira, Stella (Thelma Ritter), a ajudá-lo a decifrar o que pensa ter testemunhado e juro, a tensão é inacreditável. Isso porque também estamos presos com ele, e graças à Hitchcock, é um risco ainda maior.
A genialidade de Alfred Hitchcock, como ele mesmo admitiu, era criar suspense, mas não surpresa. Embora tenha nos surpreendido também. Segundo explicou, “Uma bomba debaixo da mesa explode, e isso é surpresa. Sabemos que a bomba está debaixo da mesa, mas não quando ela explodirá, e isso é suspense”. Simples, não? E tão perfeito.
No caso de Janela Indiscreta, o roteiro foi escrito por John Michael Hayes, baseado no conto de Cornell Woolrich de 1942, It Had to Be Murder e todo filmado nos estúdios da Paramount, com cenário que incluía a réplica de um pátio de um prédio em Greenwich Village, Nova York. Todos os detalhes demandaram seis semanas até ficarem prontos e até hoje, 70 anos depois, são perfeitos.
Anos depois, Hitchcock admitiu que o filme se inspirou livremente em uma história real, o caso do médico americano, Dr. Hawley Harvey Crippen, que vivia em Londres, envenenou sua esposa e cortou seu corpo, alegando para a polícia que ela havia se mudado para Los Angeles.
Ele foi pego quando sua secretária e amante foi vista usando as joias da falecida e um amigo da família procurou sem sucesso pela Sra. Crippen na Califórnia. Crippen e sua amante fugiram da Inglaterra sob nomes falsos e foram presos em um transatlântico depois que a polícia encontrou partes do corpo da Sra. Crippen em seu porão.
Quem conhece o filme entende toda referência e também por isso é lendário. Sendo o segundo longa do diretor com Grace Kelly, seguido de Disque M para Matar (também de 1954) e assim ele eternizou a beleza e o talento da atriz no seu auge.
Numa brincadeira pessoal, James Stewart, que fez quatro filmes com Hitchcock, brincou que estar na cadeira de rodas foi a resposta bem-humorada do diretor ao pedido dele após ter ficado em pé no filme sem cortes Festim Diabólico (Rope), que queria ficar sentado. Um caso de cuidado com o que se pede?
Janela Indiscreta é perfeito porque as estrelas estavam alinhadas, uma produção perfeita e onde a “simplicidade” (não há outra palavra) é onde está a genialidade. Tanto que na entrevista que fez com François Truffaut ele reconhecei estar no auge sua criatividade.
Curiosamente, na época do lançamento, houve críticas quando ao voyeurismo do herói. Sabemos que é total hipocrisia. E por isso mesmo, resiste ao tempo, completando sete décadas ainda sendo um dos favoritos de todos os fãs de cinema. Vale sempre rever!