Fazer do limão uma limonada. A artista plástica Lázara Lessonier sabe bem o que significa o ditado popular muitas vezes lembrado quando se quer motivar alguém a partir para a superação diante de obstáculos e dificuldades.
E ela vem fazendo, com capricho, a sua limonada há mais de 40 anos. A vida seguia até então tranquila e calma ao lado da pequena Lássara, sua filha, então com 4 anos, e do seu marido, Aude Lessonier.
O casal era parceiro também na atividade profissional. Ambos eram funcionários, na época, da Secretaria de Estado de Fazenda em Três Lagoas. Movidos por uma promoção no trabalho, os dois tiveram que se mudar para Campo Grande. Em 8 de fevereiro de 1979, em meio ao corre-corre da mudança para a Capital, Lázara encaixotava alguns itens que restavam e carregava a bagagem, como se faz em qualquer mudança.
Até que, ao tentar segurar uma antena de tevê que haviam jogado para ela de cima do telhado de casa, Lázara recebeu uma descarga elétrica de 13.800 volts, tensão média na maioria dos postes públicos. Com o choque, precisou amputar as mãos para continuar viva. A partir daí, aos 26 anos, ela, que neste ano completa duas décadas de artes plásticas, teve que reaprender praticamente tudo: comer, andar, cozinhar, dirigir, escrever, digitar…
INSPIRAÇÃO NA NATUREZA
E na retomada de suas capacidades manuais, Lázara se tornou, primeiramente, escritora. Só tempos depois que começou a pintar, quase sempre óleo sobre tela.
Aliás, algumas dessas criações estampam o calendário 2024 do Correio do Estado. Nuvens, flores, animais, paisagens bucólicas. A cada mês, uma imagem e, com ela, um pouco da doce limonada que Lázara aprendeu a depurar ao longo da vida, entrando pelos olhos de quem vê.
“Minha inspiração vem da natureza. Amo natureza. Sempre que minha filha ou amigos fotografam o pôr do sol, paisagens e até mesmo flores, mandam para mim. Tenho o privilégio de morar em Mato Grosso do Céu, que me contempla diariamente com um pôr do sol diferente”, desmancha a artista plástica. Lázara prefere
o termo artes plásticas à expressão artes visuais, pois considera ser mais contemporâneo.
“As obras que estão no calendário são de meu acervo pessoal. Tenho um ateliê com exposição permanente para visitação de pessoas”, afirma a artista, que pinçou trabalhos de diferentes momentos de sua pintura para o calendário.
Para a confecção do impresso, as obras ganharam registro de Gerson Oliveira, repórter fotográfico do Correio do Estado. “Eu fiz um apanhado de várias categorias de pintura que confeccionei ao longo dos anos de pintura, para demonstrar que trabalho de uma forma eclética”, revela Lázara.
A ex-funcionária curtiu – e muito – a iniciativa deste veículo de comunicação, que a escolheu como destaque no calendário do ano em que o jornal completa sete décadas de fundação.
“Foi uma iniciativa maravilhosa do Correio do Estado estar valorizando meu trabalho e dos demais colegas artistas plásticos [em outras edições do calendário]. O resultado foi melhor do que eu esperava! Muitas pessoas adoraram o presente de fim de ano, e tem outras muitas ainda querendo mais exemplares”, comemora.
FORMAÇÃO E VIVÊNCIA
“Fiz minha primeira aula de pintura em 1985, mesmo ano em que confeccionei meu primeiro quadro. Acabei indo por meio de um convite de uma amiga para me ajudar na fase pós-acidente. Foi uma terapia fantástica, em que pude me reencontrar enquanto mulher. Aprendi a pintar com a professora Maria Tezeli e, logo depois, fui para o ateliê Leonor Lage, que foi minha inspiração”, conta Lázara.
Em tempos de equidade social, isto é, acesso de todos às mesmas oportunidades, sem importar cor, raça, gênero, origem social ou condição física, alguns termos entram em voga, como o chamado capacitismo (redução de uma pessoa às suas capacidades) – ainda que sejam bastante combatidos.
A militância mais aguerrida chega a condenar também valores que costumam ser obrigatoriamente exaltados quando se trata da pessoa com deficiência, como a ideia de superação.
Mas é com propriedade pessoal que a artista plástica e escritora toca no assunto: “Considero uma trajetória de superação de limites. O que parecia ser impossível até para pessoas com duas mãos se tornou possível para mim, que estava sem as duas mãos”.
E quanto ao livro “Vitoriosa – Espinhos e Perfumes”, que ela lançou enquanto se iniciava na pintura? “A escrita veio como forma de descrever sentimentos e sonhos. É uma forma de expressão e uma viagem de pensamentos. ‘Vitoriosa’ é de 1985. É um filho que ficou para mostrar o relato da minha superação. Apesar de o acidente ter ceifado minhas mãos, tive um novo recomeço. Sinto que foi uma forma de renascimento de uma nova mulher, mais forte, guerreira e determinada”, reflete Lázara, que não perde uma aula sequer de pilates.
“VOCÊ PODE”
A experiência com a deficiência física parece tê-la transformado em um manancial inesgotável de motivação, fé e autoconfiança. “O que passei só me mostrou que é necessário ter força de vontade, crer em Deus infinitamente e que querer é poder”, confirma a artista nascida em Inocência, mas “campo-grandense de corpo e alma”, como ela mesma define.
Lázara faz um breve retrospecto das garantias legais para as pessoas com deficiência. “Quando eu sofri o acidente, não existia leis quanto à obrigatoriedade para a acessibilidade, e sofri – e ainda sofremos – muito com essa falta. Mas com algumas políticas públicas e com a globalização de necessidades, houve uma modernização. Hoje podemos, mesmo com a falta de acessibilidade em alguns locais, nos locomover melhor.
Campo Grande está melhorando com o passar do tempo, considerando que a cidade é uma capital. É sempre importante estar procurando a melhoria contínua”, diz a artista plástica.
Ao fim da conversa, o repórter pede para Lázara deixar uma mensagem aos mais derrotistas, que se deixam abater sem vislumbrar luz no fim do túnel: “Saia da sua zona de conforto, pois você pode tudo que quiser. Se eu posso, você também pode”. É o que ela convoca com o seu habitual sorriso.
Se você quiser ver tanta luz pessoalmente, agende uma visita à galeria que leva o nome da artista, que fica na Av. Fernando Corrêa da Costa, nº 1.700. Basta ligar para a corretora de imóveis Lássara Lessonier, filha e quase xará da mãe: (67) 99947-0410.





