Eu gosto muito de sugerir séries ou filmes leves, sou adepta à escapismo como um dos melhores remédios contra as dores da vida, porém hoje comento sobre uma das minisséries mais interessantes e importantes que está na plataforma Starplus: Dopesick.
Com um elenco forte, liderado pelo sempre talentoso Michael Keaton, a série fala sobre um dos maiores escândalos farmacêuticos da História, quando os opioides, os remédios contra dor (painkillers), praticamente viraram rivais de drogas ilícitas, com milhões criando dependência química.
A série mostra passo a passo como tudo aconteceu, a partir do final dos anos 1990s.
É doloroso, me perdoem o trocadilho.
O que é mais assustador da série é que se trata de uma história real, contada com algumas personagens fictícias. Baseada no livro de 2018, Dopesick: Dealers, Doctors and the Drug Company that Addicted America, de Beth Macy, a série está dividida em 8 episódios (três já estão na plataforma) e conta as várias frentes do que hoje é visto como um dos maiores problemas na sociedade americana, a dependência de remédios farmacêuticos.
Acompanhamos paralelamente os vários dramas, desde a criação da medicação Oxycontin - e como a indústria não apenas conseguiu inseri-la no mercado, mas como manipulou médicos e hospitais a adotá-la -, também vemos as histórias das vítimas, de pessoas em dor física e de alma, que acabam dependentes do remédio.
Igualmente acompanhamos a luta dos médicos, inicialmente enganados, dos vendedores, dos investigadores e da Promotoria que trabalha na ação (tardia) de impedir a epidemia do consumo de painkillers.
É quase didático, mas tem a assinatura do vencedor do Oscar, Barry Levinson, garantindo a qualidade da narrativa.
É um conto sobre ganância, imoralidade, irresponsabilidade, inocência e muita dor.
As atuações estão primorosas, especialmente a de Michael Keaton como o Dr Samuel Finnix, o médico que foi enganado pelos dados falsos fornecidos pela Indústria e medicou o remédio aos seus pacientes, perdendo muitos ao longo dos anos seguintes.
Peter Sarsgaard, quase um especialista em conteúdos investigativos e baseados em histórias verdadeiras, interpreta o promotor Rick Mountcastle, que iniciou a ação pública contra o OxyContin.
O assustador mesmo, para quem não acompanha de perto todo drama, é ver a força da família Sacklers, dona da empresa Purdue Pharma, criadora não apenas do OxyContin, mas do Valium e outros medicamentos.
De acordo com o livro e a série, para eles tudo não passa de negócios, lucros e bônus, valendo manipular conceitos médicos adotados como verdadeiros.
Afinal, a premissa era a de aliviar a dor dos pacientes sem criar o vício.
Quem não gostaria de encontrar o remédio miraculoso?
A série não conta a história de forma linear, demanda uma certa atenção para seguir os timelines de cada um, mas funciona.
Se você quiser saber mais, há um documentário da HBO, The Crime of the Century, que aborda o mesmo tema da série, incluindo a família Sackler e a ação judicial, que vale assistir como “cola”.
O ator Michael Keaton, que é produtor da série e certamente terá indicações ao Emmy, tem uma atuação deliberadamente suave como o médico que vem a se arrepender de ter contribuído para disseminação do uso do remédio.
O processo criminal contra a Purdue Pharma, que levou a empresa à falência, ainda está em andamento nos Estados Unidos.
A criação e venda do OxyContin é apontada como o marco zero da crise do opióide, que custou a vida de mais de meio milhão de americanos entre os anos 2000 e 2019, todos dependentes de painkillers.
É portanto, uma série densa, mas importante.