“Musa Anacrônica – A Alma Errante de Um Poeta”. Esse é o nome da obra lançada, na noite de ontem (11), na Academia Sul-Mato-Grossense de Letras (ASL), no Altos do São Francisco. Seu autor, o paulista Carlos da Fonseca. E, por trás do livro, assim como da trajetória do literato que o assina, revela-se uma história recheada de meandros pessoais e geográficos.
O volume reúne textos poéticos e mais pessoais de Fonseca, reputado, especialmente em Maracaju, no início do século, como eficiente escriba de papéis oficiais e discursos encomendados pelo poder público de então.
Os textos de “Musa Anacrônica” teriam sido escritos no finzinho do século até 1930. Ou seja, um momento de transição e efervescência literária, no Brasil e no mundo, com o modernismo brifando os caminhos da criação ante os espocares de renitentes parnasianos.
Mas quem foi Carlos da Fonseca? Sua errância em vida, o legado deixado e o resgate post mortem bem renderiam outros capítulos saborosos nas mãos de um cronista competente. E só aumentam o interesse em seu trabalho. O autor nasceu em 1879, no interior de São Paulo, nos arredores de Ribeirão Preto. Era filho de um professor, e tudo indica que ele e o irmão Pedro de Alcântara receberam educação esmerada.
Ao ficar viúvo, o patriarca resolveu se embrenhar pelo sertão desconhecido e, na época, quase inacessível do sul de Mato Grosso e, com os dois filhos, foi parar na região onde se encontra hoje a cidade de Maracaju. Passaram a dar aulas em fazendas, improvisando escolas onde o campo também era fértil para quem se interessava pelas lições, uma vez que os analfabetos eram maioria.
O dom da poesia e da prosa se revelou cedo na vida de Carlos da Fonseca. Um de seus poemas é de 1898, quando, aos 18 anos de idade, ele chegou a Mato Grosso. Esse poema foi escrito durante uma viagem pelo Rio Ivinhema. Dali em diante, não pararia mais. Raras vezes conseguiu voltar à metrópole, mas, em um desses retornos, reuniu 20 anos de textos e, sob o título “Vida Rústica”, publicou-os em 1918, na sessão de obras literárias do jornal O Estado de S. Paulo.
Esse livro fala de costumes regionais, folclore, culinária, política e natureza. São registros preciosos do passado aventureiro dos colonizadores. Cena dois: corta para a protagonista do resgate, no século 21. O pai do “rústico” Carlos da Fonseca terminou por se casar novamente, e uma das filhas do segundo casamento é Elizena Ribeira, que, por sua vez, seria a mãe de Elizena Ribeiro Chaves de Carvalho. Advogada e também escritora, a Elizena filha mudou-se para o Rio de Janeiro para estudar e lá se radicou.
Ela conta que sempre ouvia, entre os familiares, histórias do tio Carlos da Fonseca. A prosa doméstica versava, não raro, sobre a argúcia intelectual e as façanhas literárias de Fonseca, o tio Caíto. A sobrinha foi a responsável por resgatar, cem anos depois, o livro “Vida Rústica”, relançando-o em Campo Grande em 2018.
Naquela época, a advogada já tinha conhecimento da existência de uma segunda obra do tio, “Asas Emprestadas”, que havia sido lançada em 1928, quando o autor já morava em Maracaju. Fonseca havia participado da fundação da cidade, atualmente considerada a capital da linguiça, trabalhava na produção de textos notariais, como escrituras, testamentos e procurações, e também escrevia discursos de autoridades.
Elizena acabou voltando do Rio de Janeiro e passou a morar em Campo Grande. Sabendo do apreço da sobrinha pela história, os parentes passaram a lhe enviar preciosidades do baú familiar. Foi no meio delas que a advogada encontrou um livro manuscrito em “fina caligrafia”, com o título de “Musa Anacrônica – A Alma Errante de Um Poeta”.
Esses originais, “um verdadeiro tesouro!”, com direito a exclamação mesmo, no dizer da escritora Lenilde Ramos, revelaram mais uma faceta lírica do tio ilustrado. Ou melhor, facetas. Os manuscritos reúnem poemas construídos nas mais diversas formas da arte de versejar, desde o tempo em que chegou ao sul de Mato Grosso, no ano de 1898, até a sua morte, em 1930.
Enquanto “Vida Rústica” e “Asas Emprestadas” apresentam crônicas da vida cotidiana e registros da época, na obra “Musa Anacrônica – A Alma Errante de Um Poeta”, Carlos da Fonseca abre seu coração, revelando pensamentos, desejos, pontos de vista, dilemas e conflitos.
Elizena não perdeu tempo e, antes mesmo de reeditar “Asas Emprestadas”, optou por revelar aos leitores os versos raros dos manuscritos de “Musa”, realizando certamente o sonho de seu tio ao concretizar também a publicação dessa obra. Como muitas vezes acontece, o trabalho literário de Carlos da Fonseca ficou adormecido por um longo tempo, nada menos que um século. Mas agora ressurge com a chance do merecido reconhecimento e visibilidade.
Se não foi o primeiro escritor a publicar um livro no sul de Mato Grosso, Fonseca esteve, com certeza, entre os pioneiros. A ver.



As pinturas de Isabê também estarão na Casa-Quintal 109 de Manoel de Barros, museu na antiga residência do poeta, no Jardim dos Estados - Foto: Divulgação


Filme lança hoje - Foto: Divulgação

Patricia Maiolino e Isa Maiolino
Ana Paula Carneiro, Luciana Junqueira, Beto Silva e Cynthia Cosini


