Fábio Assunção acredita muito do poder da arte está em discutir assuntos espinhosos.
E foi esse potencial que ele viu no texto de “Onde Está Meu Coração”, série da Globoplay que aborda o vício em drogas pela perspectiva de uma família de classe média-alta.
Na série de 10 episódios escrita por George Moura e Sergio Goldenberg, Fábio é David, médico com passado obscuro e pai zeloso de Amanda, residente de medicina interpretada por Letícia Colin.
“David fica sem chão quando descobre que a filha está usando crack. Mesmo sendo um sujeito esclarecido, acaba tomando atitudes drásticas que o afastam da Amanda. A série apresenta um ponto de vista interessante e esclarecedor sobre o tema”, valoriza o ator, sobre a produção gravada ao longo de 2019 e que agora figura entre os programas mais vistos da plataforma de streaming.
Natural de São Paulo, os olhos claros e a cara de bom moço fizeram de Fábio um galã instantâneo.
A estreia na tevê foi aos 19 anos, como mocinho de “Meu Bem, Meu Mal”, de 1990, e a partir daí, seguiram-se sucessos como “Vamp”, “O Rei do Gado”, “Por Amor” e “Celebridade”.
No final dos anos 2000, problemas de saúde acabaram o afastando de “Negócio da China” e, lentamente, o ator foi se distanciando do ritmo frenético dos folhetins.
Com pouco mais de 30 anos de serviços prestados ao vídeo e com quase 50 anos, Fábio segue cheio de projetos inéditos e aguarda a retomada das gravações de “Fim”, nova série da Globo.
“O mundo parou para todo mundo, se observar um pouco. Acho que essa volta ao trabalho será diferente e especial. Enquanto isso não acontece, que bom que temos ótimas produções para entreter quem está em casa”, ressalta.
P - “Onde Está Meu Coração” aborda o vício em drogas por um ângulo mais elitista. Essa perspectiva da série chamou sua atenção?
R - Muito. É um ponto de virada na forma de enxergar esse assunto. É claro que olhar o tema por questões como diferença de classes e violência urbana também é importante.
Mas a série trata de forma muito contemporânea a experiência de uma residente de Medicina com o vício em crack, uma substância que, geralmente, é mais conectada com pessoas mais pobres e em situação de rua.
P - Na série, você é David, um pai amoroso e preocupado em ajudar a filha a se curar do vício. Do ponto de vista de alguém que já passou por problemas de saúde do tipo, como você avalia as atitudes do personagem?
R - É complicado. O uso de drogas, lícitas ou não, é um tema negligenciado pela sociedade.
Quando o David vê a filha dependente de crack, apesar de ser médico, ele fica completamente desorientado. Sem saber o que fazer, escolhe uma internação compulsória como solução.
O tratamento forçado é algo que ninguém deseja para si mesmo.
O personagem pega esse caminho porque claramente nunca parou para discutir e encarar o assunto com a naturalidade e respeito que ele exige. A sociedade perdoa todas as doenças, mas a dependência química tem uma recepção estranha.
P - Por quê?
R - É comum ver adolescentes se embriagando e todo mundo achando muito alto-astral.
A série fala de como a sociedade não discute esse tema e, quando acontece dentro de casa, as pessoas têm de se virar para encontrar um caminho.
“Onde Está Meu Coração” é uma grande oportunidade de o vício ser discutido com as famílias brasileiras de uma forma adulta e sem a questão da exclusão.
P - Em que sentido?
R - O texto é muito cirúrgico e insere todo mundo na conversa: o pai, a mãe, o namorado, a irmã.
Se essa série fosse ambientada apenas na cracolândia, certamente as cenas seriam vistas com certo distanciamento. Mas, quando entra também no lar de classes mais abastadas, é possível entender que estamos falando de todos nós.
P - A forma que você aborda sua história com o vício ao longo da vida em entrevistas e redes sociais é sempre muito direta e sincera. Como essa vivência influenciou seu trabalho na série?
R - Dei meu total apoio e foi uma entrega necessária para encontrar o melhor tom para o meu personagem.
Levei a Letícia (Colin) para conhecer o Narcóticos Anônimos, onde participamos de uma roda de partilha e ouvimos diversos relatos emocionantes.
A preparação para este trabalho foi marcada pelo respeito com o tema.
Todos os envolvidos sabiam que era importante se apropriar do assunto para que o resultado não ficasse superficial.
Então, tivemos encontros com pessoas ligadas à política pública de drogas, médicos, psiquiatras e usuários. Foram momentos muito especiais.
O apoio de familiares e de amigos é fundamental para que se consiga dar a volta por cima - Foto: Divulgação


