Já visto até em outros países por plateias virtuais, "Guadakan", o mais recente espetáculo que reúne a Companhia de Dança do Pantanal e a Orquestra de Câmara do Pantanal (Ocamp), teve a sua primeira apresentação presencial fora de Corumbá, na noite de ontem, em Campo Grande, no Teatro Glauce Rocha.
Amanhã, será a vez de Ponta Porã e, no domingo, a turnê de estreia dos corpos estáveis do Instituto Moinho Cultural encerra-se em Dourados. As performances são gratuitas.
Uma estreia com dois juntos no palco. Individualmente, a Cia de Dança do Pantanal e a Ocamp já circularam em outros estados brasileiros e, em participações individuais de alguns de seus integrantes, até fora do País.
Mas apresentar-se para o público sul-mato-grossense, ainda que em apenas três cidades, tem sempre aquele gostinho especial, tanto para o elenco quanto toda a equipe do Moinho Cultural. Afinal, a temática de "Guadakan" fala fundo na alma de quem é pantaneiro, seja por nascimento ou adoção.
Envolvendo mais de 400 integrantes do instituto, a montagem, que precisou ser adaptada para viajar, estreou no mês de dezembro, em Corumbá, durante a celebração anual Moinho In Concert, registrando um público presencial de mais de 2,5 mil pessoas.
Concebido a partir de uma lenda guató, o espetáculo une dança contemporânea e orquestra a fim de suscitar uma reflexão:
"No princípio, era a simplicidade. Os antigos aprenderam e passaram a ensinar aos seus que tudo tem um dono no Pantanal, seres não humanos, sobrenaturais ou divinos, que devem ser respeitados e exigem uma conduta ética para que ali todos possam conviver em equilíbrio em meio aos recursos por eles oferecidos. Quando se quebram regras, punições serão proferidas. No presente, mais de 17 milhões de animais vertebrados foram mortos", diz o programa de "Guadakan", inspirada na lenda de mesmo nome.
A concepção cênica e a direção-geral é de Márcia Rolon. Os arranjos e a adaptação musical, de Eduardo Martinelli. A regência fica por conta de José Maikon Amorim Alves. A narração é de Arce Correia. A coreografia, de Chico Neller. Já os figurinos, de Luiz Gugliatto.
ALERTA
"Guadakan quer dizer Pantanal, que antes era seco e hoje é alagado. E 'Guadakan', um trabalho do Moinho com a Cia de Dança Pantanal e a Ocamp, vem com o objetivo de fazer um alerta para todos: de que nós estamos correndo risco, sim. Risco de vida, já que a nossa cidade, Corumbá, depende 100% do Rio Paraguai. Suas águas nos alimentam, e hoje nós não estamos cuidando disso com leis e ações concretas", destaca Márcia Rolon.
"Até hoje existe muita poluição em nosso rio, uma visão de desgaste e de abuso em relação a nossa natureza e ao nosso Pantanal. Então, a gente espera que, por meio da nossa arte, esse alerta possa chegar bem dentro de quem pode tomar decisões, criar leis e estimular a criação de políticas públicas para defesa, proteção e conservação", pleiteia a diretora-executiva do Moinho.
"O CORPO E A MÚSICA"
Para a bailarina Brenda Ribeiro, é muito boa a sensação de participar de uma turnê com essa. "Toda a oportunidade de dançar como nós temos, enquanto bailarinos e músicos, é sempre muito enriquecedora. É muito precioso estar em cena desenvolvendo ainda mais a nossa arte", afirma.
"O corpo e a música são o que compõem o espetáculo todo. São o que transportam qualquer pessoa que estiver assistindo para a atmosfera e a história que a gente quer contar e para as coisas que a gente quer fazer o público sentir. Então, é primordial, e o que tem de mais importante: a música e o corpo dos nossos bailarinos", avalia a Brenda.
DESAFIO DA REGÊNCIA
"Unir o clássico ao erudito, para nós da orquestra, é um desafio bem satisfatório, pois vem ao encontro com aquilo que a gente mais gosta de fazer, que é tocar. As peças compostas pelo Ezio Bosso trazem muito isso. Ele pega os elementos mais simples da música, que são escalas e os arpejos, e os aplica em suas composições, o que transforma realmente em um verdadeiro espetáculo", festeja o maestro José Maikon Amorim Alves, regente da Ocamp.
Compositor italiano de trilhas de cinema e balé, Ezio Bosso (1971-2020) é o autor das peças incluídas no repertório musical de "Guadakan".
"Para mim, que sou da regência, o maior desafio é manter a orquestra sempre por dentro da interpretação necessária para esse espetáculo. Essas peças exigem um nível de concentração rítmica e de interpretação no máximo que a gente pode ter. Então, temos sempre que estar trazendo isso", diz o maestro.
"Não basta só tocar o que está escrito na partitura. A gente tem que passar essa interpretação, passar toda essa energia na hora de tocar, para que o público que esteja nos assistindo também interaja e sinta o que a gente também sente no momento em que estamos tocando em cima do palco", pontua José Maikon, que estuda regência com a Orquestra Sinfônica Brasileira.
"Além disso, fazer esse trabalho com a companhia de dança tem trazido para nós uma experiência totalmente diferente. Tem nos dado uma visão de interpretação, de qualidade sonora, que a gente precisa ter, pois estamos tocando com outros artistas de uma área diferente da nossa. Realmente, é um espetáculo incrível, que tem feito com que a gente aprenda cada vez mais, trazendo para nós um aprendizado muito grande. Tenho certeza que, depois desse espetáculo, tanto a Ocamp quanto a Cia de Dança do Pantanal vão melhorar cada vez mais, buscando a excelência naquilo que fazem", aposta José Maikon.
"SOMOS PANTANEIROS"
"Somos pantaneiros e trazemos o bioma na nossa pele, na nossa veia, na nossa dança e na interpretação musical da nossa orquestra. É para isso que estamos na capital do Estado. Para que as pessoas conheçam um pouco do nosso trabalho, de uma alta qualidade técnica, tanto musical quanto coreográfica. Para também se orgulharem do nosso trabalho e saberem que nós somos porta-vozes do bioma", confirma Márcia Rolon.
"É por isso que a gente veio e vai para Ponta Porã e Dourados. Futuramente para fora do Estado também, levando esse alerta sobre o que estamos fazendo hoje com o Pantanal e o que queremos dele. E como podemos fazer algo diferente", milita a diretora-executiva.
Após Campo Grande, a Cia de Dança do Pantanal e a Ocamp estarão em Ponta Porã, nesta sexta-feira, com apresentação às 18h, no Centro Internacional de Convenções Miguel Gomes (Rua Baltazar Saldanha, nº 1.550).
Já no domingo, em Dourados, a apresentação de encerramento da turnê será às 16h20min, na Praça Antônio João, pela programação do Festival de Todos os Povos (Festop).
A turnê por MS conta com o apoio cultural da Fundação de Apoio à Pesquisa, ao Ensino e à Cultura (Fapec), da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), da prefeitura municipal de Ponta Porã e da Fundação de Cultura de Mato Grosso do Sul (FCMS).




