Termos como “buzz”, “viral” e, sobretudo, “meme” apresentavam conotações muito diferentes das que têm hoje. Essas palavras são centrais à cultura da internet, um meio em que a informação encontrou novas maneiras de ser propagada. Embora os memes sejam um fenômeno global, algumas páginas resolveram utilizar a ideia para fazer piada com o cotidiano de Campo Grande.
As maiores páginas existentes são Passeando em Campo Grande, com 147 mil curtidas, e Campo Grande Mil Grau, com 37 mil curtidas. No geral, as imagens postadas nas páginas trazem montagens abrangendo situações políticas, culturais e sociais da cidade. Por meio do humor, as páginas fazem críticas. Contudo, há também casos em que as imagens reforçam preconceitos, sobretudo, em relação a bairros da periferia da cidade.
“A página surgiu há 4 anos, com a intenção de ‘humorizar’ a cidade. Eu via muito humor pelo Brasil e pouco regional, então criei algo para alvos internos”, explica Júnior, o criador e um dos administradores da página Passeando em Campo Grande – que preferiu não se identificar. Ele criou o espaço virtual no Facebook em época de eleição. “Época de maior comédia na TV não tem”, resume. Passado o período, Júnior decidiu partir para outros “alvos”, como se refere aos temas dos memes. “Migramos para piadas sobre os bairros e fatos da cidade”, explica.
É bastante comum ver a confusão entre humor e opinião nas páginas, o que gera situações polêmicas. Um desses casos é uma postagem feita em novembro na página Passeando em Campo Grande. Com 2,4 mil curtidas, 650 compartilhamentos e 170 comentários, o post traz a imagem de um pontilhão da Capital.
Na legenda, é informado que trata-se do viaduto na Avenida Costa e Silva, que havia sido pintado duas vezes, em duas semanas, por equipe da prefeitura. O motivo seriam pichações realizadas no local. Além das informações, um pedido: “Se você tiver passando por esse viaduto e ver alguém pixando, de um empurrãozinho por favor, nunca te pedi nada. Pixe nunca foi arte (sic!)”.
Entre os comentários, o artista plástico e performer Thiago Silva Moraes criticou a postagem lembrando que aquilo poderia ser entendido como “discurso de ódio”. Entretanto, a grande maioria dos comentários endossa a opinião da página – com alguns sugerindo a violência para resolver a questão.
“As polêmicas são uma forma de entender o povo. Eu julgo que a página é a voz do campo-grandense, então gosto de ver as ideias”, defende Júnior. “Nunca fui preconceituoso, o grande problema são os ofendidos sem causa que acabam virando motivo de piada por causa disso”, justifica.
CULTURA DA WEB
Para o advogado e professor universitário Raphael Chaia, especialista em Direito Eletrônico, os memes tomaram o lugar das charges perante as gerações mais novas. “Isso se deve ao fato de que há uma enorme facilidade em criar um meme, aliada à criatividade do usuário médio de internet, o que permite que mensagens viralizem muito rapidamente e de forma visual, o que é o ideal para a atual geração de usuários da internet”, explica. Ele enfatiza que existem aplicativos que podem ajudar na criação de memes, por exemplo.
Os memes, de acordo com o professor, podem desempenhar diferentes funções. “Representam desde piadas acerca do cotidiano, com o simples objetivo de fazer rir, até críticas ácidas com relação a diversos temas, que vão desde a política nacional até a crise dos imigrantes na Europa”, explica. No entanto, ele ressalta que a brincadeira tem limite.
“Há limites, claro, principalmente quando diz respeito a direitos e garantias individuais”, argumenta. Uso de imagens sem autorização de seu titular ou que tenham objetivo de caluniar, difamar ou injuriar alguém pode ser entendido como violação de direitos. “Quando os limites do humor e da crítica são extrapolados, e o meme deixa de lado seu papel de instrumento de crítica para se tornar uma arma de ofensas, há aí a necessidade de controle – afinal, a liberdade de expressão não pode ser confundida como um salvo conduto para prática de crimes”, ressalta.
Uma das áreas mais afetadas pelos memes é a política. “Uma vez que a mensagem é rápida, muito clara e se dissemina com extrema velocidade pela rede”, argumenta o professor, que ministrou uma oficina na Universidade Católica Dom Bosco com o tema “Variantes Linguísticas, Memes e Ativismo On-line”. “Temos testemunhado inclusive a ascensão de candidatos à Presidência da República para 2018, graças à popularidade que vêm ganho por memes da internet, que se multiplicam mais e mais”.
Segundo ele, ações para barrar um meme enfrentam dificuldades pela própria maneira como esse tipo de conteúdo se difunde. “Ainda que haja ações no sentido de tentar barrar o avanço do compartilhamento de um determinado meme, a tarefa já se mostrou em diversas ocasiões quase impossível, uma vez que a escala de progressão da disseminação da informação é geométrica, foge completamente ao controle do próprio autor da postagem original”, enfatiza.
Mas, afinal, o que é um meme? De acordo com Raphael, pode ser um vídeo, foto ou frase que aparece de repente, “muitas vezes de forma involuntária ou como uma brincadeira, e se espalha com uma velocidade absurda por e-mails, mensageiros instantâneos, fóruns e redes sociais”, explica. O termo foi cunhado pelo zoólogo Richard Dawkins em sua obra “O Gene Egoísta”, de 1976, fazendo um paralelo entre as ideias e comportamentos sociais e os genes humanos.

Estener Ananias de Carvalho e Renata dos Santos Araújo de Carvalho
Anderson Varejão, Luiz Fruet e Aylton Tesch


