Em “O Clube do Filme” (2007), um pai desempregado, buscando garantir a educação de um filho de 15 anos que enfrenta seguidas reprovações na escola, propõe ao rapaz a substituição das aulas por três sessões semanais de cinema. Em “O Mestre Ignorante – Cinco Lições Sobre a Emancipação Intelectual” (1987), Joseph Jacotot (1770-1840), um professor iluminista, rompe com os padrões pedagógicos então vigentes e com as suas convicções para, em plena França do século 19, criar um método revolucionário baseado na igualdade.
Inspirados em histórias reais, os dois livros, lançados no Brasil em 2009 e 2004, respectivamente, tornaram-se best-sellers. O primeiro, do crítico de cinema canadense David Gilmour, é de cunho autobiográfico. O segundo foi escrito pelo filósofo francês Jacques Rancière. Ambos narram propostas nada ortodoxas de prover a educação, seja no ambiente doméstico entre familiares, seja partindo de um professor para a sua turma de alunos. Mas, afinal, o que é educação? Embora não seja tão fácil defini-la, todos concordam sobre a sua importância.
Na filosofia, de modo bem genérico, a educação seria a transmissão e o aprendizado de técnicas de uso, produção e comportamento – ou seja, a própria a cultura – que permitem a um grupo humano a satisfação de suas necessidades, sua proteção em relação ao ambiente físico e biológico, bem como o trabalho coletivo segundo determinadas regras de organização e harmonia. Isso vale tanto nas sociedades primitivas quanto nas civilizadas, que se diferenciam, nesse sentido, apenas quanto à atitude ou orientação que procuram destinar à educação.
“É o mecanismo encontrado pela sociedade para possibilitar às novas gerações o acesso ao conhecimento, no caso escolar, e à forma de vida, no caso da família. Então, pega tudo aquilo que já foi produzido pela sociedade e forma as novas gerações. Isso é educação. A educação é histórica, assim como afirma o [pedagogo paulista Dermeval] Saviani. Em cada momento do desenvolvimento histórico da sociedade, ela se apresenta de uma forma diferente. E, sim, a educação escolar é diferente da educação familiar. Porém, as duas, o tempo todo, se completam. É impossível falar de uma sem falar de outra”.
Quem afirma é Paulo Duarte Paes, professor da Faculdade de Artes, Letras e Comunicação da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (FAALC-UFMS). Doutor em Educação pela Universidade Federal de São Carlos e especialista na formação de professores, ele diz que a escola deve se ater principalmente à educação no que se refere à apropriação das formas mais desenvolvidas do conhecimento: a ciência, a arte, a estética, a filosofia.
“Enquanto que a família ou as outras formas de educação comunitária se atêm a uma questão da vida cotidiana, de preparar uma nova geração para uma vida cotidiana. Mas as duas vão se interpondo uma sobre a outra”, reforça o professor.
“Falando da educação formal, cientificista, cabe à escola esse papel. No entanto, a educação deve ser mais ampla e envolve o desenvolvimento integral do ser humano”, pontua a pedagoga e psicóloga baiana Miriam Teles von Hauenschild, especialista na pedagogia Waldorf, de base antroposófica.
SETÊNIOS
A maior preocupação da educação Waldorf, segundo Miriam, é oferecer ao indivíduo um currículo e um espaço que com possibilidades de pesquisa, experiência, curiosidade e autonomia na aquisição dos assuntos abordados, respeitando a individualidade.
“Para [o filósofo e educador croata] Rudolf Steiner [1861-1925], a educação é o meio que o indivíduo desenvolve a sua capacidade para ser livre, criativo e consciente. Contudo, essa liberdade, criatividade e consciência estão vinculadas ao desenvolvimento sadio de cada setênio”, afirma. Steiner é o mentor da Antroposofia e da pedagogia Waldorf.
“Assim sendo, existem aspectos do desenvolvimento humano que estão diretamente ligados à família e o entorno do educando”, prossegue Miriam. “No primeiro setênio [até os sete anos], os adultos responsáveis pela criança devem ser dignos de serem imitados e mostrar à criança em pequenas coisas que o mundo é bom. Nesse período, a família é fundamental, é o alicerce. Uma família disruptiva causa insegurança e medo”, afirma a psicóloga.
“No segundo setênio, até por volta dos 12 anos, o mundo deve-lhe ser apresentado como belo. Observar a beleza do mundo nas diversas formas, principalmente na beleza do afeto. As crianças começam a desvendar aos poucos o mundo que lhes rodeia. As críticas devem ser evitadas. Mas não se deve empurrar para baixo do tapete, aproveitando o erro para conduzir ao acerto e cada acerto deve ser acatado com entusiasmo”, prossegue a educadora antroposófica,
“No terceiro setênio [dos 14 aos 21 anos], os pais, e educadores de forma geral, não conseguem mais fingir ou camuflar quem realmente são e como o mundo é verdadeiro. Esse jovem deve chegar aos 21 anos sabendo que existe bondade, beleza e feiuras no mundo. Como a bondade e a beleza foram cultivados nos primeiros setênios, os jovens tendem a ser livres para escolher o seu caminho”, explica Miriam.
PROFESSOR ACUADO
O professor Paulo Duarte Paes defende que “a educação escolar precisa de projeto, de método, de estudo e de muito conhecimento”. E o que o adulto deve saber em relação a uma criança no que diz respeito à educação?
“Que a criança, quando vem ao mundo, ela ainda não sabe. Ela precisa aprender e ela precisa ter humildade. Nós vivemos em uma sociedade em que essa humildade está sendo negada, em que há um relativismo entre o que a criança sabe e o que o adulto sabe”, responde.
“A criança passa a ter um poder muito além do que deveria ter, o que destrói a capacidade da escola ensinar, da mãe ensinar, do tio ensinar, das pessoas mais velhas e mais sábias. Sim, sabedoria para quem viveu mais, para quem estudou mais. Agora, existe uma imensa força contrária a isso, que acha que não tem valor nenhum estudar e conhecer. Mas isso é uma visão terraplanista de educação, sabe? O professor está acuado hoje na escola, está sofrendo”, opina o professor.
“E isso não é só no Brasil, é quase no mundo inteiro ou no mundo ocidental. Lá na Ásia, eles continuam com uma educação super-rigorosa, supervoltada para a ciência, para a arte e para a cultura”, observa Paes.
AUTOEDUCAÇÃO
Para Miriam Teles, “todos os educadores deveriam seguir a máxima de retirar do caminho do educando os empecilhos para seu total desenvolvimento. Para isso, a postura do educador deve ser sempre de alguém que pode ser imitado”.
A especialista diz que, depois da educação formal, cabe a cada indivíduo a continuidade da autoeducação.
“Esse é o tempo da contribuição consciente para o mundo. Agora mais do que nunca o indivíduo precisa desenvolver o eu, o ser espiritual livre, mais que aquilo que a sociedade exige que ele aprenda”, afirma a psicóloga e pedagoga baiana.
AUTORIDADE
“Sem autoridade, não há educação”, retoma Paes.
“Mas manter a autoridade sem entrar em uma perspectiva destrutiva. Porque, se ela for destrutiva, não é mais autoridade. O Brasil negligenciou muito a educação. A política pública não é só o dinheiro, é metodologia. Em termos metodológicos, não se avançou nada no sentido da busca de uma educação qualificada realmente. A política pública acompanhou tendências liberais que são um atraso no sentido da educação”, afirma o professor, que diz ser filiado à pedagogia histórico-crítica.
B+: Keila Fuke transforma a dança em escuta do corpo, cura emocional e reinvenção aos 59 anos - Divulgação
B+: Keila Fuke transforma a dança em escuta do corpo, cura emocional e reinvenção aos 59 anos - Divulgação


