Fez muito sucesso, há pouco mais de duas décadas, o longa-metragem “Quase Famosos” (2020), em que o cineasta Cameron Crowe leva às telas, como seu alter ego, o personagem de 15 anos vivido por Patrick Fugit. Na trama autobiográfica, o adolescente William Miller, na função de jornalista, acompanha a sua banda preferida e acaba conquistando seus ídolos, os fãs, a revista Rolling Stone e, de quebra, ganha um crush.
Pois é. Se o show (2/12) do australiano Dave Evans, primeiro vocalista do AC/DC, não chegou a causar tanto estardalhaço em Campo Grande, a passagem de dois pesos pesados do rock pela Capital, na semana passada, provocou furor entre os fãs, trouxe rebuliço na cena independente e gerou expectativa para possíveis parcerias com jovens músicos locais.
Um dos nomes é o norte-americano Evan Dando, de 56 anos, ícone do indie rock dos EUA, à frente do Lemonheads desde a década de 1980. O outro é a soteropolitana, como se chama quem nasce em Salvador (BA), Priscilla Novaes Leone, de 46 anos, que se consagrou na cena do rock nacional com o nome de Pitty. Uma curiosidade: ambos residem em São Paulo. A roqueira baiana, que se apresentou na Capital no sábado, vive lá desde 2003. Já o roqueiro de Massachusetts, que se apresentou na quinta-feira (14), está em SP há um ano.
Evan passou mais tempo na cidade. Chegou com uma semana de antecedência da apresentação que faria no Teatro do Mundo, foi a Bonito, voltou, teve encontros com novos e velhos admiradores de seu som e com quase-famosos da imprensa, a exemplo deste cronista. E até recebeu presentes, como um par de garrafas e uma taça da cerveja Demschinski, ofertados pelo próprio cervejeiro que produz, o também músico Alan Rafael.
No show da semana passada, Evan Dando tocou ao lado de Rodrigo Sater, o mais veterano, de idade e de carreira, entre os comparsas locais, e da banda Os Alquimistas, que fez um dos show de abertura, além de subir no palco com o líder dos Lemonheads, banda que estourou graças a versões matadoras de “Luka” (Suzanne Vega) e “Mrs. Robinson” (Paul Simon), mas que provaria ser bem mais que isso. Também se apresentaram, antes do astro, a banda Lua & Os Cometas e, mostrando apenas duas canções, Marcela Mar.
Apaixonado pelo Brasil, onde se apresenta desde os anos 1990, o cantor e guitarrista dos EUA reforçou os vínculos com o País desde que engatou a relação amorosa com a videomaker Antonia Teixeira, filha mais nova do músico Renato Teixeira, com quem mora em uma bucólica residência na Serra da Cantareira. Antonia já foi casada com o instrumentista Rodrigo Sater, figura conhecida do circuito de Campo Grande, irmão do mestre Almir, e que mora por aqui. Sacou agora o porquê da esticada de Evan na cidade?
OS ALQUIMISTAS
“O show foi ótimo, mas o que mais gostei foram os ensaios. Tocamos ‘Set Me Free’ e ‘Better Things’, dos Kinks, ‘Can’t Hardly Wait’, do Replacements, e algumas canções do Johnny Thunders & The Heartbreakers”, afirma Bo Loro, de 24 anos, batera e vocal da banda Os Alquimistas, esquecendo-se de mencionar “I Don’t Care”, clássico do Ramones. “Após alguns ensaios, acabamos ficando bem amigos e provavelmente faremos algo no futuro”, anuncia.
Com inspirações nas bandas da swinging-London e do glam-rock, mas também em Beatles e Mutantes, Os Alquimistas usa o epíteto “irreverência, acidez e instrumentos antigos” para se definir. Os irmãos Perim (contrabaixo) e Leotta (teclado) completam o trio, que, isso mesmo, segue a linha de bandas de rock sem guitarra, como a Morphine. Eles têm 10 anos de estrada e, de fato, chamam atenção no palco com o baixo Giannini modelo Rickenbacker e o órgão Saema, que reforçam a estampa retrô do grupo.
“Eu e o Evan temos um gosto muito, muito parecido. Muito! Acho que foi natural que a gente tocasse junto, porque temos as mesmas referências”, diz Bo Loro, enfileirando algumas referências comuns, apesar da diferença de idade, de 32 anos, com o ídolo, entre elas o guitarrista norte-americano Johnny Thunders (1952-1991), guru protopunk do New York Dolls (1971-1977) e de outras formações, e a banda Big Star (1971-1974), do Tennessee.
“O power-pop uniu Evan e Os Alquimistas. O que considero marcante no som do Lemonheads é essa onda power-pop de que eu tanto gosto. E o Evan também”, afirma Bo Loro.
OS COMETAS
“Eu sou amiga da Julia Sater [filha do Rodrigo Sater], que é enteada dele [Evan Dando]. Ela me chamou para passar as férias em São Paulo, onde ele mora. Ele me ouviu cantar e eu mostrei a banda para ele, que gostou muito”, conta Ana Lua, vocalista da Os Cometas. “É incrível esse contato com um artista internacional muito renomado, que participou de uma das cenas mais importantes da música mundial e que também tem um olhar para as bandas novas, oferecendo oportunidades para todos”, afirma.
Seu grupo apresentou uma empolgante “junção de rock nacional, psicodélico e MPB”, como a própria Ana classifica. Com suas versões bem trabalhadas de “Ando Meio Desligado” (Mutantes), “Que Beleza” (Tim Maia) e “A Menina Dança” (Novos Baianos), Os Cometas fizeram três gerações, ou mais, misturadas no eclético público, requebrarem e baterem cabeça.
“Surgimos no início de 2023 e estamos fazendo um som com referências nossas, mas já desenvolvendo músicas autorais”, diz a vocalista. Dan (guitarra, 18 anos), Felipe Kirsten (violão, percussão e vocal, 19), Curumin (baixo, 25) e Isaac (bateria, 19) são os outros integrantes do promissor combo musical.
“Estamos muito felizes e gratos por essa oportunidade de mostrar o nosso show pela primeira vez juntamente de pessoas maravilhosas como Os Alquimistas e o Evan Dando”, completa, destacando, no cabeça do Lemonheads, “a postura de roqueiro que corre nas veias dele”.
MARCELA MAR
Mascote no elenco de quase-celebridades instantâneas, Marcela Mar, de 16 anos, com o acompanhamento de um violão, precisou apenas de um par de canções para também encantar a plateia, que ficou boquiaberta ao ouvir o potente e aveludado tom da artista ao cantar “D de Destino” (Almir Sater/Renato Teixeira/Paulo Simões) e “A História de Lily Braun”, de Chico Buarque.
“Conheci o Evan através da amizade que tenho com o Rodrigo Sater e a Julia, que são amigos queridos do coração, e então fui convidada para participar. Fico muito feliz de trazer música para Campo Grande. Arte, cultura e conhecimento têm o poder de salvar o povo. Adoro o espaço Teatro do Mundo e fiquei muito feliz com essa participação. Agora estou morando em São Paulo para estar mais próxima dos meus objetivos de carreira, focando nas composições, repertório, estudos, etc.”, afirma a surpreendente Marcela.
“Meu atual produtor é Eric Silver, nascido nos EUA, um ótimo músico e produtor”, conta Marcela. “Creio que seja difícil rotular a arte. Mas me encaixo em uma fusão de música brasileira, jazz e música latina. Nasci em uma família musical, então desde sempre tive um vínculo muito gostoso com a música. Mas foi aos 13 anos que percebi que aquilo era realmente o que queria levar pro resto da vida”, resume.
A jovem artista não deixa de arriscar uma opinião sobre Evan e o Lemonheads. O músico mandou versões folk, no formato voz e violão, de algumas canções de sua banda, a exemplo de “The Outdoor Type”, “Down About It” e “It’s a Shame About Ray”, o que destacou outra faceta e a força de seu repertório. Mas parece ter ganhado mesmo a plateia quando fez, em duo com Rodrigo Sater, uma versão de “Tocando em Frente”, de Almir Sater e Renato Teixeira.
RODRIGO
“Foi muito divertido. Um show muito intimista. A gente tinha combinado de eu fazer uma música, chamava ele, ele entrava e depois me chamava para fazer ‘Tocando em Frente’, que traduziram para ele como ‘March for’. Partindo disso, o Evan me chamou para participar desse último trabalho deles do Lemonheads [a ser gravado em SP em 2024], gravar uns violões com eles”, conta Rodrigo, que, aos 53 anos de idade e mais de 30 de carreira, torna-se a exceção de faixa etária nesta conversa.
“E tá topado e é isso aí. As coisas vão evoluindo, a gente vai fazendo contato, vai tocando, vai na interação musical. Talvez a gente vá fazer uma música juntos, então foi bem legal. Não falo muito bem inglês, então foi complicado. Ele falava um pouco enrolado também e a gente ia se virando. Mas a gente se entendeu, cara. Sintonia musical muito boa. Só na mímica, às vezes, a gente se entendeu bem”, diz Rodrigo.
O músico, que participou das versões dos Kinks apresentadas, não economizou elogios para a “gurizada” de Campo Grande que ajudou a embalar os mais de 200 presentes no Teatro do Mundo.
RED
Antes de curtirem a Pitty, que levou quatro mil pessoas, no sábado, para curtir o show que celebra os 20 anos de seu primeiro disco, no Bosque Expo, o público pôde conferir o indie-pop da banda Red, outra neófita da cena da Capital, com apenas um ano de carreira. “A identidade do nosso trabalho chamou atenção dos produtores do show da Pitty, que fizeram questão de ter a Red participando dessa grande noite, o que para nós é um reconhecimento sem precedentes”.
Quem afirma é o guitarrista Ricardo Daniel (guitarra), que, ao lado de Giovana Juno (vocais), Marcelo Santana (guitarra), Dereck Angelli (baixo) e Mateus Yule (bateria), integra a Red. A banda recebeu elogios da roqueira baiana e aproveitou a ocasião para marcar o primeiro EP, lançado no dia anterior. Batizado de “!RED!”, como, aliás, a banda pede para ser identificada, o projeto traz três faixas: “Bonequinha”, “Aquela voz” e “Te Chamei”.


B+: Keila Fuke transforma a dança em escuta do corpo, cura emocional e reinvenção aos 59 anos - Divulgação
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