A dupla sertaneja Beth e Betinha está perto de completar 60 anos de história. O primeiro disco foi lançado há 57 anos. Era apenas o início de uma trajetória de sucesso e grande contribuição para a cultura sul-mato-grossense.
Atualmente, Josabeth (a Beth) tem 80 anos e Leonor Aparecida (a Betinha), 74. De Rio Brilhante, filhas de Manoel Brandão, uruguaio de Rivera, maestro e professor de música, as irmãs iniciaram a carreira artística cedo, aos 8 e 14 anos, por influência do pai e dos irmãos instrumentistas.
Mesmo com pouca idade, Beth no violão e Betinha no acordeão já cantavam em rádios no Paraguai. A partir de 1955, elas se apresentavam em cinemas, praças e salões paroquiais em várias cidades do Estado e, em 1959, veio a gravação do primeiro compacto.
Entre composições e versões, acumulam mais de 200 músicas, oriundas de sete discos solo, além de participações em várias coletâneas com outros artistas e canções apresentadas apenas em shows ao vivo.
“Nós fazemos o sertanejo de fronteira, o chamamé”, descreve, orgulhosa, Betinha. “Dupla feminina cantando esse tipo de música, somos só nós”, defende.
No auge do sucesso, dividiram palco com Chitãozinho e Xororó, Milionário e José Rico, Sérgio Reis e outros.
Um dos períodos mais marcantes da carreira foi quando excursionavam no circo do Nhô Pai (autor do clássico “Beijinho Doce”) e Nhô Filho. Percorreram diversos estados brasileiros e eram fenômeno por onde passavam.
Os tempos de glória ainda estão frescos na memória das irmãs, que hoje precisam lutar por oportunidades de subir ao palco, mesmo com todo o legado e história que carregam.
AFASTAMENTO
Após quase 60 anos de contribuição para a música sul-mato-grossense, Beth e Betinha hoje levam uma vida mais tranquila, sem grandes shows, gravações ou repercussão na mídia.
O afastamento do cenário cultural não foi uma escolha da dupla. “Não temos muitos shows para fazer”, lamentam.
A partir dos anos 2000, as propostas de trabalho foram se tornando cada vez mais raras e, segundo relatam, pagamentos de cachê passaram a atrasar.
“Hoje, cantamos vez ou outra em algum evento de órgão público, aniversários, e é só isso”, diz Betinha. “O poder público esqueceu da gente. Ficamos no barco do esquecimento. Não temos aposentadoria, vivemos de benefício do governo (o Loas, um salário mínimo concedido a pessoas idosas). Depois de tanto trabalho para a Fundação de Cultura, esperávamos pelo menos alguma recompensa”.
Morando de aluguel, elas admitem que ganharam muito dinheiro na época de maior sucesso, mas gastavam com a mesma velocidade. “Éramos jovens, não é?”.
A sinceridade de Betinha talvez seja uma de suas características mais marcantes. Com humor afiado e sem censura, ela revela inúmeras histórias polêmicas de sua trajetória – como quando brigou com um servidor público que se recusava a atendê-la na Fundação de Cultura do Estado.
Os contos são sempre interrompidos pela ponderada Beth, que constantemente pede cautela para a irmã. “Betinha, você não pode falar isso, não vai dar para publicar no jornal”, repetiu, por diversas vezes.
Este equilíbrio entre as irmãs – uma impulsiva de temperamento agitado e outra que parece pensar três vezes antes de falar – talvez seja um dos segredos do sucesso da dupla, que mesmo em um período de preconceito conseguiu se estabelecer como um dupla sertaneja tão ou mais relevante que seus companheiros homens. Além disso, permaneceram em evidência por mais de 50 anos e, apesar da atual escassez de trabalho, são ícones da música sertaneja.
“QUE GRACINHA”
Para Beth e Betinha, o envelhecimento parece ter sido um processo natural. Elas continuam cientes de que são artistas competentes, ainda que o público tenha outra perspectiva em relação à passagem do tempo.
“Quando a gente tinha 20 anos, a plateia nem prestava atenção na música, só olhava para nós. Com 30 anos, começaram a reparar que nós cantávamos bem. Agora, ‘que gracinha’ é o que nos dizem”, brinca Betinha.
Apesar do bom humor, ela sabe que o elogio denota uma falta de seriedade na percepção das pessoas que as assistem.
“Mas a gente vai ser levada a sério por quem?”, responde a irmã mais nova, demonstrando decepção com a falta de um grande público.
Gravar novas canções também não é opção viável. “Precisamos de padrinho ou muito dinheiro para alugar um estúdio. Gravar por gravar não adianta. Não temos mais idade de colocar um disco debaixo do braço e sair de porta em porta divulgando”, resume Betinha.
ESPERANÇA
Mesmo diante das dificuldades, as irmãs relembram com afeto o período de auge. “A polícia tinha que tirar a gente do palco escoltadas, por causa do assédio”, recorda Betinha. “Nós nunca levamos vaia. No final das contas, a gente guarda o que foi bom”, complementa Beth.
E ainda há espaço para esperança em relação ao futuro da dupla. Afinal, como elas mesmas definem, “artista é igual esperança de pobre”.
Elas também apostam suas fichas nos filhos e netos que escolheram seguir o mesmo caminho. O filho de Beth, Marcio, segue carreira na dupla Marcio Santos e Claudiney. Uma de suas músicas é uma composição cedida pela mãe, “O Brilho do Teu Olhar”. Já o neto de Betinha, Davyd, canta na dupla Davyd e Weverton.
“Eles têm muito orgulho da gente”, contam as mães e avós, satisfeitas. Betinha tem quatro filhos e Beth três, além de netos e bisnetos.
Os filhos são fruto do casamento que tiveram com Rodrigo e Rodriguinho, uma dupla sertaneja que conheceram quando excursionavam no circo. Após 12 anos de convivência, os dois maridos foram embora, juntos. Eles nunca mais fizeram contato e Betinha é taxativa quando diz que nunca quis saber do ex-marido. “Se eles abandonaram filhos, por que vou querer saber deles?”, indaga.
NO PALCO
Ontem, Beth e Betinha estavam se preparando para cantar em uma homenagem à cantora Delinha.
Para elas, o palco ainda é o lugar mais feliz do mundo. “O que nos interessa é o público. O palco é a nossa casa, nossa vida”, conclui Beth, demonstrando que falta de trabalho jamais diminuirá o amor da dupla pela música.
B+: Keila Fuke transforma a dança em escuta do corpo, cura emocional e reinvenção aos 59 anos - Divulgação
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