Em vez de malhações e dietas compulsórias, permeadas de muita culpa, o Dia da Ressaca, uma invenção brasileira, acaba funcionando, para quem já aderiu à data, celebrada anualmente em 28 de fevereiro, para marcar o encerramento da temporada carnavalesca, como uma espécie de grand finale das festas de enterro dos ossos, que marcam o País inteiro após os dias da folia de Momo.
Um dos pratos, de origem bem popular, que vem se tornando obrigatório, na indicação de chefs e outros especialistas, para o cardápio pós-carnavalesco é o mocotó, talvez por suas propriedades nutritivas, regeneradoras e fortificantes.
Ele é fácil de fazer e muito saboroso, seguindo a linha daquelas iguarias que muita gente fresca aprecia no paladar, mas prefere não saber do que é feito. Isso porque o mocotó é preparado com partes – carne, gordura, ossos – das extremidades do boi.
O mocotó pode ser feito com feijão-branco (ou fava) ou somente com as porções dos cortes bovinos. Também é comum o acréscimo do bucho bovino, conhecido como fato, com o qual se faz a dobradinha. O que não pode faltar são os temperos, secos ou frescos, como pimentas e cheiro-verde.
Já de saída, saiba que o vinagre ou o limão são ótimos antídotos para eliminar os fortes odores das chamadas carnes pesadas do mocotó. Aliás, você sabia que é com essa parte bovina que se prepara a apreciada, e doce, geleia de mocotó?
A receita
Para se fazer o mocotó, vai, na receita, porções das patas e dos cascos do boi, que contêm cartilagens, ossos e carne gelatinosa. São partes do animal ricas em colágeno e que rendem um caldo grosso, rico em nutrientes e tanto mais saboroso quanto mais se aumenta o tempo de cozimento.
É um prato tradicional da culinária brasileira, muito famoso na Região Nordeste do País, mas com forte apelo, por exemplo, em estados como o Rio Grande do Sul e também aqui em MS.
Carne-seca, linguiça calabresa, louro e colorau, entre outras especiarias, são reforços sempre bem-vindos no rol de ingredientes, que passam por diferentes variações conforme a região.
Carnes defumadas, toucinho e feijão-preto ou marrom fazem parte da lista, assim como bastante alho. No mocotó à gaúcha, além da dobradinha, é comum o acréscimo de tripa e da coalheira.
Para servir
Um prato fundo resolve, assim como tigelas, na hora de servir o mocotó. Tanto faz onde se saboreia o caldo espesso e substancial, mas muitos preferem no prato, e com garfo, se comem o mocotó acompanhado de um arroz branco soltinho, ou na tigela, se degustam na versão caldo. A pimenta-malagueta é essencial para dar um toque picante.
Umas gotinhas de limão, para trazer um toque cítrico, e um pouco de farinha de mandioca, para dar textura ao caldo, são dicas bem recorrentes de norte a sul.
E, antes de servir, também é comum polvilhar um pouco de cheiro-verde picado sobre o prato. Esse ingrediente é ideal para dar cor e frescor ao caldo.
A textura
A textura espessa e um pouco gelatinosa do mocotó decorre da presença do colágeno nas carnes do prato. A receita, depois de pronta, apresenta pedaços macios e com um sabor muito intenso, uma vez mais, em função do tempo cozido.
Justamente por sua textura gelatinosa, além do sabor forte, o mocotó torna-se uma experiência culinária que, muitas vezes, desperta rejeições. Por outro lado, se não agrada a todos os glutões, seu gosto cala fundo no paladar das pessoas que tanto apreciam a riqueza de seu sabor e a sua consistência tão singular.
Variações
O mocotó não é uma receita fechada em si. Ele pode ser utilizado no preparo da feijoada, um prato brasileiro – de origem portuguesa, como o próprio mocotó e a dobradinha – que contém uma variedade de carnes de porco e, em algumas versões, pode incluir o mocotó bovino.
Ainda: o mocotó também pode ser adicionado na dobradinha, que é feita com o estômago do boi e é um prato, do mesmo modo, bem nutritivo.
Uma outra opção é o preparo do mocotó como um guisado. Basta cozinhá-lo com temperos, vegetais e até mesmo leguminosas, como feijão ou grão-de-bico. Ele também casa com pratos de picadinho, aos quais confere um sabor a mais no molho. Nesse caso, é só picar o mocotó e adicioná-lo à receita escolhida.
História
Com ingredientes de baixo custo, ricos e nutritivos, o mocotó foi sendo criado, em território brasileiro, a partir do que se aproveitava do abate do gado, tanto nas regiões rurais quanto em matadouros dos centros urbanos.
Sua origem, porém, vem de mais longe e retoma a tradição da culinária portuguesa, de pratos, digamos, ancestrais, como as tripas à moda do Porto.
Na Espanha, por sua vez, um prato semelhante e também muito típico e antigo são os callos a la madrileña. Na tradução, mocotó significa mão de vaca, ou seja, quem não desperdiça nada e aproveita tudo.
No Rio de Janeiro do século 19, anunciava-se o caldo de mão de vaca como opção para a primeira refeição do dia. Mesmo sem fundamentação histórica, é comum uma outra versão na genealogia do prato.
Nos tempos das charqueadas e da escravidão, os cativos preparavam, para seu sustento, uma proto receita do mocotó, quando as partes do boi desprezadas pelos patrões, tripa grossa, tripa fina, partes do intestino retirado a pele ou virado do avesso, bem como outros pedaços por serem considerados menos nobres, eram recolhidas pelos escravos, que as limpavam e as colocavam para ferver.
É uma explicação popular muito parecida com a que se costuma dar, também sem comprovação, para as origens da feijoada brasileira.
Mocotó
Ingredientes
- 2 kg de mocotó;
- Água até cobrir;
- 500 gramas de carne-seca dessalgada;
- 500 gramas de linguiça calabresa em cubos;
- 150 gramas de cebola picada;
- 10 gramas de alho picado;
- 50 gramas de alho-poró em rodelas;
- 2 folhas de louro;
- 150 gramas de tomate;
- 150 gramas de fava rajada cozida (ou feijão-branco);
- 15 gramas de alho socado;
- 1 gramas de colorau;
- 10 gramas de salsinha;
- 10 gramas de cebolinha;
- Sal a gosto;
- Molho de pimenta a gosto.
Modo de Preparo:
Em uma panela de pressão, coloque o mocotó, os temperos, a carne-seca e a água. Cozinhe.
Depois de bem cozido, separe os pedaços de mocotó, retire o tutano e reserve.
Em seguida, coe o caldo, reserve, separe e desfie a carne-seca. Em uma outra panela, coloque a linguiça picada e refogue.
Depois de dourada, adicione o alho, o colorau, a carne-seca, a fava (ou o feijão-branco), o caldo coado e os pedaços do mocotó.
Em seguida, deixe ferver. Ajuste o sal e coloque a salsinha e a cebolinha. Sirva com pimenta se preferir.





