A situação de emergência hídrica decretada pela Agência Nacional de Águas (ANA) na Bacia do Rio Paraguai, em função da seca severa dos últimos anos, que foi prorrogada até o dia 31 de janeiro, poderia abrandar as exigências do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) para liberar a dragagem na hidrovia e gerar confiabilidade no mercado quanto à viabilidade e à periodicidade do transporte de cargas.
Após o Ibama informar que não se manifestaria a respeito de situações emergenciais, o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) entendeu que poderia obter a autorização por meio do Instituto de Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul (Imasul). O presidente do órgão estadual, André Borges, confirmou a solicitação do Dnit, porém, após consultar seu setor jurídico, respondeu que a competência era da União.
“O fato de ocorrer dragagem no tramo norte deveria ser suficiente para comprovar aos órgãos ambientais que o impacto da dragagem no Rio Paraguai é mínimo. Entretanto, conforme já foi dito, o Ibama reiteradamente já informou que não se manifestará a respeito de um processo extraordinário de autorização, por isso a consulta ao órgão estadual”, esclareceu o Dnit.
TEMPO
Em resposta ao questionamento do Correio do Estado, o Ibama informou que “inexiste amparo legal para que o instituto se manifeste previamente sobre a prescindibilidade de autorização ou licença ambiental nos casos de intervenções tidas como necessárias ao enfrentamento de situações emergenciais”. Com isso, caberia ao Dnit avaliar se há um estado de necessidade administrativa e extraordinária para justificar a excepcionalidade.
No entanto, na primeira semana de dezembro, após a manifestação do Imasul, o Dnit confirmou que “seguirá trabalhando com o intuito de realizar o EIA/Rima [Estudo de Impacto Ambiental/Relatório de Impacto Ambiental] exigido pelo Ibama, visando a obtenção de licença de operação para execução da dragagem de manutenção regular da hidrovia”. O serviço já tem custo previsto de R$ 16,5 milhões e um prazo de cinco meses para ser concluído.
Está lançada a sorte da concessão hidroviária pelo governo: o EIA demanda mais de 2 anos, após licitação, e a licença de operação está atrelada à sua viabilidade e ao entendimento e análise da cúpula ambiental do governo Lula. A proposta do EIA/Rima ainda depende da emissão do termo de referência definitivo, pelo Ibama, para sua elaboração.
PASSO DO JACARÉ
A dragagem de manutenção para realinhamento do canal consiste na remoção de sedimentos no volume de aproximadamente 943.298 metros cúbicos em 12 trechos do rio, totalizando 39,9 quilômetros. Não se trata, portanto, de aprofundamento do canal ou derrocamento (retirada de rochas, como está ocorrendo no Paraguai), já que sedimento é depositado no leito do rio.
Um dos pontos mais críticos da hidrovia é o Passo do Jacaré, na confluência com a ponte ferroviária, em Porto Esperança (a 80 km de Corumbá, por estrada). O gargalo consiste na mudança do canal à direita da margem, em ângulo inclinado ao eixo da ponte, obrigando o desmembramento das barcaças, exigido pela Marinha por segurança, que atrasa a viagem dos comboios em dois dias.
A retificação do canal no trecho é de 5,5 km e está sendo requerida a intervenção ao Ibama há mais de 15 anos pela Administração da Hidrovia do Paraguai (Ahipar), autarquia do Dnit que mudou de Corumbá para Campo Grande e perdeu sua função. O risco de acidente neste local é iminente e já ocorreu choque de embarcações com os pilares da ponte ferroviária.
IMBRÓGLIO
Conforme adiantou o Correio do Estado, o governo federal definiu como prioridade a concessão da hidrovia do Rio Paraguai, no trecho de 590 km entre Corumbá e Porto Murtinho (Foz do Apa), cuja modelagem está em análise no Ministério de Portos e Aeroportos.
Contudo, não há um entendimento entre seus órgãos hidroviário e ambiental quanto ao licenciamento para recuperação e manutenção da via. Resumindo, o investidor não terá garantias jurídicas para operar no rio com volume robusto de cargas.
A Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) comemorou como “histórica” a aprovação da proposta de transferir a hidrovia para o capital privado, enquanto o Ibama decretou, por meio de nota técnica, a exigência do EIA/Rima.
A concessão pretendida, sem dúvidas, vai impulsionar o transporte de cargas (minério, fertilizantes e grãos) pela via, com estimativa de atingir 30 milhões de toneladas a partir de 2030 e investimentos nos primeiros cinco anos de R$ 63,8 milhões.
POLÊMICA ANTIGA
Depois que o presidente do Ibama recuou de forma intempestiva de sua posição informal de liberar a dragagem em alguns trechos da hidrovia, ficou clara a pressão de organizações não governamentais ambientalistas e a recusa em série de outros setores do governo federal, como a Secretaria Nacional de Hidrovias e Navegação do Ministério de Portos e Aeroportos. A dragagem de realinhamento do canal passou a ser classificada como “dragagem de aprofundamento”, para justificar a decisão.
Para consultores do setor, empresários e técnicos com larga experiência na hidrovia ouvidos pelo Correio do Estado, a licença ambiental concedida pelo Ibama para as intervenções no tramo norte (Cáceres, MT) há mais de 20 anos poderia ser estendida excepcionalmente ao tramo sul, considerando as especificidades do ambiente e a crise hídrica. Porém, o instituto alegou a ocorrência indígena em trechos onde o rio é compartilhado pelo Brasil e o Paraguai.
Também apontam como alternativa, para não tornar inexequível a concessão e, por extensão, o transporte de cargas pela via, o Ibama considerar o Estudo de Viabilidade Técnica, Econômica e Ambiental (EVTEA) finalizado em 2017 pelo Instituto Tecnológico de Transportes e Infraestrutura (Itti), da Universidade Federal do Paraná (UFPR), a pedido do Dnit. Ao custo de R$ 9 milhões, o levantamento abrangeu os 1.270 km da hidrovia, de Cáceres ao Rio Apa.
As intervenções nos trechos críticos do rio não são uma condicionante apenas para atender os operadores, ampliar o transporte fluvial e reduzir a sobrecarga nas rodovias. A Marinha solicita a dragagem de manutenção em 28 pontos para garantir segurança na navegação.