O setor da construção civil em Mato Grosso do Sul passa por um momento de contrastes. De um lado, enfrenta os efeitos diretos da taxa básica de juros em 15% ao ano, que encarece o crédito, afasta consumidores e impõe maior rigor na análise de financiamentos por parte dos bancos.
De outro, encontra fôlego em políticas públicas como o Minha Casa, Minha Vida (MCMV) e programas estaduais e municipais de habitação, que garantem a manutenção de obras e a geração de empregos em um cenário de incertezas.
A construção civil é historicamente um dos motores da economia sul-mato-grossense, com forte impacto na geração de postos formais de trabalho e no movimento do mercado imobiliário. Para construtoras e consumidores, os desafios refletem tanto na dificuldade de acesso ao crédito quanto no aumento do custo financeiro dos empreendimentos.
Para as empresas, especialmente as pequenas e médias, a realidade é de maior seletividade na aprovação de crédito para obras, exigência de garantias mais robustas por parte das instituições financeiras e necessidade de replanejamento nos lançamentos, conforme o presidente da Acomasul, Gustavo Shiota.
Já para as famílias, a consequência mais imediata é o encarecimento das parcelas dos financiamentos habitacionais e o adiamento da decisão de compra, principalmente fora da faixa atendida pelo MCMV.
Nesse contexto, o presidente da Acomasul avalia que o mercado imobiliário do Estado tem buscado alternativas para manter o ritmo, apostando em projetos mais compactos, obras realizadas em etapas menores e a escolha de bairros já consolidados, onde a infraestrutura reduz custos.
A aposta em empreendimentos vinculados a programas habitacionais se mostra ainda mais estratégica, já que os subsídios federais e estaduais e as condições de financiamento com prazos mais longos sustentam a demanda no segmento econômico.
Segundo o dirigente, a pressão não vem apenas dos juros. O aumento nos custos de materiais e mão de obra também afeta o andamento dos canteiros e limita a margem para reajustes de preços dos imóveis. Mesmo com esse cenário, a tendência apontada é de estabilização do mercado, já que a demanda permanece sensível às condições de financiamento.
A entrevista a seguir detalha como a alta da Selic tem repercutido no dia a dia das construtoras e consumidores sul-mato-grossenses, quais estratégias estão sendo adotadas para enfrentar o momento, além das expectativas do setor para 2026.
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Confira a entrevista a seguir:
Como a alta da taxa de juros tem afetado diretamente o setor da construção civil em Mato Grosso do Sul
Com a Selic em 15% ao ano, o crédito fica mais caro e seletivo. Isso acaba encarecendo o custo financeiro das obras e reduz a capacidade de compra das famílias, principalmente aqueles que estão fora do programa Minha Casa, Minha Vida.
Qual tem sido o impacto mais imediato para os construtores e consumidores de Mato Grosso do Sul?
Para quem constrói os principais impactos são o crédito de obra e capital de giro mais caros e com mais exigências. Já para quem compra, as parcelas sobem e aprovações [de financiamentos] ficam mais difíceis, diminuindo as vendas à vista e a prazo fora do MCMV.
Do ponto de vista dos construtores, o aumento dos juros reduziu a velocidade de vendas dos empreendimentos?
Sim, sobretudo nos produtos que estão fora do programa Minha Casa, Minha Vida. No modelo de construção econômico, o programa amortece um pouco, porque tem subsídios e condições reguladas. Mas de qualquer maneira, ainda assim, o cliente demora mais para decidir efetivamente fazer a compra.
O senhor acredita que esse cenário econômico desenhado em 2025 pode provocar redução no ritmo de obras?
Há chances de adiar lançamentos e gerar o replanejamento de cronogramas em segmentos não atendidos pelo MCMV. Porque onde há subsídios, sejam eles da esfera federal, estadual ou municipal, a produção se mantém mais estável, desde que o terreno seja bem localizado.
Como os pequenos e médios construtores associados à Acomasul estão lidando com esse momento econômico? Quais as dicas para “driblarem” os percalços?
Com foco nas faixas atendidas pelo programa Minha Casa, Minha Vida, utilizar também os programas do Estado, por meio da [Agência de Habitação Popular do Estado de Mato Grosso do Sul] Agehab quando couber, e tocar obras em etapas menores para girar caixa rápido e acabar reduzindo os riscos.
Existe risco de aumento no estoque de imóveis nos municípios de MS, que estejam prontos e sem compradores?
Existe sim, mas o risco maior é para aqueles imóveis de médio e alto padrão. No modelo econômico [principalmente no caso dos imóveis impactados por programas sociais] a saída é mais firme por causa de subsídios e prazos longos. Mas ainda assim, a localização e o preço continuam decisivos.
A alta dos juros afeta de forma diferente os imóveis sul-mato-grossenses de alto padrão em relação ao segmento popular e médio?
Sim, as diferentes camadas sociais são impactadas de maneira diferenciada. No caso do alto padrão, por exemplo, o impacto das taxas de mercado é mais forte. Enquanto que no segmento mais popular, o Minha Casa, Minha Vida reduz o peso dos juros com subsídios e condições próprias do programa federal.
O programa Minha Casa, Minha Vida consegue mitigar os efeitos dos juros elevados para a habitação de interesse social?
Mitiga sim, de forma significativa. O programa combina subsídio, prazos longos e regras específicas do [Fundo de Garantia do Tempo de Serviço] FGTS. Neste ano, o limite de renda urbana foi ampliado até R$ 12 mil mensais, incluindo mais famílias. A Caixa Econômica Federal também abriu modalidade para classe média com teto de R$ 500 mil.
Como está a relação das construtoras com os bancos na hora de negociar crédito para novos projetos no setor imobiliário de Mato Grosso do Sul?
A relação passou a ser mais criteriosa. Os agentes financeiros pedem mais garantias e preferem empreendimentos com pré-venda e enquadramento em programas [FGTS/MCMV]. Com juros altos, a conversa é mais dura.
Além dos juros, quais outros fatores hoje pressionam o custo da construção em Mato Grosso do Sul?
Os materiais para construção, assim como a mão de obra seguem subindo em Mato Grosso do Sul. O [Índice Nacional de Custo da Construção] INCC-M acumula aproximadamente 7% em 12 meses, mostrando pressão de custos no canteiro de obras.
O setor tem sentido impacto na geração de empregos com esse cenário?
Mato Grosso do Sul mantém saldo positivo de empregos formais neste ano [29.555 no acumulado do ano, conforme o Ministério do Trabalho] e a construção civil segue contribuindo. O risco é estabilizar se os juros altos persistirem.
Quais estratégias os construtores estão adotando para manter a atratividade dos empreendimentos diante da retração do crédito?
Eles tem adotado projetos mais compactos e funcionais com um preço final menor. Obra feitas por etapas, para acelerar a entrega e a recomposição do caixa. Foco em bairros que já possuem infraestrutura pronta com um custo urbano menor.
O senhor acredita que haverá espaço para reajuste no valor dos imóveis ou a tendência é de estabilização?
Tendência de estabilização com alguns ajustes pontuais: custos sobem (INCC), mas a demanda está sensível aos juros, dificilmente é possível repassar tudo. Depende ainda de localização e se o imóvel se enquadra ou não no programa Minha Casa, Minha Vida.
Qual a expectativa da Acomasul para o mercado imobiliário e a construção civil para 2026 em relação a retomada do setor? Já consideram uma possível redução da taxa Selic?
Se houver início de corte de juros em 2026, esperamos melhora gradual das vendas fora do programa Minha Casa, Minha Vida, com o segmento mais econômico seguindo forte. O mercado já trabalha com essa hipótese, mas ainda com cautela...
*PERFIL
Gustavo Shiota
É arquiteto, educador e gestor empresarial com forte presença no cenário da construção civil em Mato Grosso do Sul. Ele acumula experiência que permeia as esferas acadêmica, profissional e institucional. Além de presidente da Associação dos Construtores de Mato Grosso do Sul (Acomasul), o arquiteto e urbanista é consultor imobiliário, professor universitário em Projetos Comerciais na Universidade Católica Dom Bosco (UCDB), conselheiro no Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano (CMDU) e conselheiro suplente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo de Mato Grosso do Sul (CAU/MS).




