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CAMPO GRANDE QUE QUEREMOS Segurança pública deve envolver outros segmentos da sociedade, sugere promotor Um dos temas mais cobrados pelos eleitores, a segurança pública é um desafio para todos os gestores públicos e foi abordado no debate de ideias Campo Grande que Queremos, promovido pelo Correio do Estado 26 AGO 2024 • POR DAIANY ALBUQUERQUE • 07h00
Promotor público afirmou que, apesar de as forças de segurança serem importantes para Campo Grande, não são apenas as rondas ostensivas que contribuem para que a segurança pública seja eficaz   Foto: Marcelo Victor / Correio do Estado

Um dos temas mais cobrados pelos eleitores, a segurança pública é um desafio para todos os gestores públicos do Brasil. Por isso, o assunto foi um dos abordados no debate de ideias Campo Grande que Queremos, promovido pelo Correio do Estado no início deste mês, em alusão aos 70 anos do jornal e motivado pelas eleições municipais deste ano.

Sobre a temática, foi convidado para falar o coordenador do Grupo de Atuação Especial de Controle Externo da Atividade Policial do Ministério Público do Estado de Mato Grosso do Sul (MPMS), Douglas Oldegardo Cavaleiro dos Santos.

"Eu tenho quase três décadas de atuação na área criminal, boa parte dessa atuação com crimes de homicídio. Há 14 anos [venho] trabalhando com prevenção criminal aqui em Campo Grande e há oito anos, trabalhando no controle externo e na tutela difusa de segurança pública aqui no Estado. Mas durante esse período, fiz duas passagens de quatro anos no Conselho Nacional do Ministério Público, na Comissão de Segurança Pública, e tive a oportunidade de conhecer os modelos de enfrentamento de segurança pública do Brasil inteiro", afirmou Oldegardo.

Segundo o promotor, com essa experiência, ele percebeu que há uma diferença entre a política de segurança pública e a política pública de segurança.

"Quando nós falamos de segurança pública, nós não resolvemos a segurança pública por meio de políticas de segurança pública. Nós temos que respeitar as políticas de segurança pública que são realizadas pelos organismos de segurança pública, mas nós, enquanto sociedade e aqui nós temos representativos de todos os segmentos da sociedade, irradiando para a sociedade por meio do nosso mais consagrado veículo de comunicação, do mais consagrado que nós temos, para toda a nossa sociedade , [temos] a possibilidade de discutir uma política pública de segurança", disse o promotor.

"E esse é o grande diferencial. Uma política pública de segurança não é um monopólio das forças de segurança pública", complementou o especialista em Direito Penal.

Para o promotor, a segurança pública é construída para além da Pasta que trata do tema, mas também aliado às outras secretarias, como a de educação e a de saúde.

"Essa integração entre todos os segmentos sociais, de forma a trabalhar por um meio ambiente social mais favorável, 
é que torna o crime menos favorável para a sua ocorrência. E é essa a grande mensagem que eu gostaria de trazer, 
que hoje o MPMS trabalha a tutela da política de segurança pública no Ministério Público, buscando essa integração", 
comentou Oldegardo.

"E fica aqui a mensagem de que isso não passa apenas por órgãos públicos, isso passa também pela sociedade civil organizada, e todos aqueles setores da sociedade civil organizada que quiserem se unir a isso estão convidados", declarou.

Tratamento de alcoolemia como forma de prevenção ao feminicídio

Desde março de 2015, quando foi instituída a Lei Federal nº 13.104, que tipificou o assassinato de mulheres motivada pelo gênero como feminicídio, Mato Grosso do Sul já registrou 323 vítimas desse crime, 71 desses casos em Campo Grande, segundo a Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp).

Mato Grosso do Sul figura entre as unidades da Federação que mais mata pessoas do sexo feminino, segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Só neste ano, até junho, 19 mulheres foram mortas, cinco delas na Capital.

Em relação ao ano passado, os números do Estado tiveram um aumento de 90% no mesmo período, uma vez que, de janeiro a junho de 2023, foram 10 vítimas no Estado. Na Capital também houve um ligeiro crescimento, mas não comparado a Mato Grosso do Sul como um todo.

Por estarmos entre os estados mais perigosos para as mulheres, Campo Grande recebeu a primeira Casa da Mulher Brasileira do País, em fevereiro de 2015, espaço criado pelo governo federal que funciona 24 horas por dia atendendo mulheres vítimas de todo tipo de agressão e que oferece todos os serviços necessários, com Polícia Civil, Polícia Científica, juizado especial e acolhimento em casos necessários.

Apesar de todos essas ferramentas, o Estado só tem aumentado os números de vítimas. E é nesse sentido que Douglas Oldegardo, promotor do Ministério Público do Estado de Mato Grosso do Sul (MPMS), especialista em Direito Penal, sugere uma abordagem aliada com o Sistema Único de Saúde (SUS).

Para ele, a ampliação do atendimento no SUS que foque no tratamento do uso em excesso de bebidas alcoólicas pode contribuir para que esses números comecem a cair.

"Quando os organismos que gerenciam o nosso sistema de saúde passam a atuar de forma integrada em uma política pública de segurança, nós temos a oportunidade de identificar os vínculos e a importância da alcoolemia como vetor da prática de violência, principalmente a violência de gênero, os crimes de lesão corporal, crimes sexuais, os homicídios, que hoje são mapeados tanto pelo MPMS quanto pela Polícia Civil e pela Polícia Militar, com manchas criminais que nós identificamos com facilidade", avalia Oldegardo.

"Nós podemos nos unir aos organismos que gerenciam o sistema de saúde para, em primeiro lugar, implementar e incrementar os CAPs [Centros de Atenção Psicossocial] para o tratamento de alcoolemia e drogadição, bem como nos unirmos aos núcleos de saúde familiar por meio do conhecimento profundo que esses núcleos têm das famílias porque eles atuam dentro dessas residências e identificarmos pontos cruciais de violência que muitas vezes não chegam ao nosso conhecimento, pois as pessoas não revelam isso por meio de boletins de ocorrência", propõe o promotor.

Um exemplo da relação entre a violência de gênero e o uso de substâncias psicoativas ocorreu no dia 22 de março, em Campo Grande, quando Renata Andrades de Campos Widal, de 39 anos, foi agredida com socos no rosto, morta a pedradas e ainda teve o pescoço cortado por um serrote pelo próprio irmão, de 36 anos, em uma residência no Jardim Centenário onde ambos moravam. De acordo com a polícia, o homem é dependente químico e fazia tratamento.

No mesmo dia, Dayane Xavier da Silva, de 29 anos, foi esfaqueada na região da virilha por um homem de 38 anos, na Rua 34, no Bairro Nova Campo Grande. A vítima foi encaminhada para a Santa Casa de Campo Grande, mas não resistiu aos ferimentos. Conforme testemunhas, a mulher e o rapaz discutiam enquanto consumiam bebida alcoólica em uma conveniência.

LEI MARIA DA PENHA

No dia 7, a Lei Maria da Penha (Lei Federal nº 11.340/2006) completou 18 anos de criação. 

A legislação foi um marco na política de enfrentamento à violência doméstica no Brasil, porque por meio dela os agressores de mulheres passaram a serem presos e julgados por esse crime.

Dados da série histórica da Sejusp, que começa em 2015, mostram que 2023 foi o ano que registrou o maior número de vítimas de violência doméstica em Mato Grosso do Sul. No período, foram 22.674 mulheres agredidas, 32,64% desse total ocorreram em Campo Grande.

Para o promotor, os gestores deveriam buscar meios de fazer com que esse tipo de lei fosse cada vez mais desnecessária, e não comemorar a existência delas para tentar coibir o crime.

"Eu, particularmente, sou uma voz isolada com relação a esses comemorativos, porque nós sabemos que leis como a Lei Maria da Penha são as chamadas ações legislativas de caráter positivo ou de caráter afirmativo, que vêm para corrigir distorções históricas, corrigir distorções sociais, e que não existem para se perpetuar no tempo", explicou.

"E a razão de você ter uma lei afirmativa como a Lei Maria da Penha, que vem para reforçar um quadro de violência estrutural contra a mulher, é exatamente você impor uma correção de um quadro de violência em um determinado momento, em um prazo futuro. Claro que esse prazo futuro é a médio e longo prazo, [mas é] você chegar em um determinado momento em que não precisa mais da lei", opinou Oldegardo.

"Então, você ficar comemorando a existência da lei ano a ano é, na verdade, um equívoco interpretativo. Você tem que, a cada ano, se preocupar com a permanência dessa lei. Nós temos que zelar e trabalhar para que essa lei se torne cada vez menos necessária. E neste ano, nós estamos com 36% a mais no número de denúncias com relação ao ano passado", finalizou o promotor.