O Ministério Público Estadual (MPE) desarquivou as investigações a respeito de um incêndio de 1.289,68 hectares na região da Serra do Amolar, ocorrido em janeiro deste ano. As autoridades haviam apontado o proprietário da pousada Dois Corações, Roberto Carlos Conceição de Arruda, como responsável pelo incêndio. O ribeirinho foi multado em R$ 9,6 milhões em março deste ano, e desde então, nega ter causado o incêndio.
Agora, o caso foi desarquivado para investigar a possível responsabilidade da Ecotrópica, uma fundação de Apoio à Vida nos Trópicos, pelo incêndio devastador.
À época em que o caso veio à tona, Roberto Carlos chegou a registrar Boletim de Ocorrência em Corumbá, denunciando ser vítima de calúnia. Em conversa com o Correio do Estado, ele também contestou o valor da multa, que foi estipulada considerando que ele seria um empresário pecuarista, sendo que, na verdade, ele cria em torno de 35 bovinos e tem uma pousada com apenas dois quartos, que consegue abrigar seis pessoas.
O ribeirinho alegou que tinha conhecimento suficiente para saber que em janeiro não se coloca fogo para limpar pastagem, e disse acreditar que a multa teria sido “encomendada” para inviabilizar a permanência dele no local, fato que levantou uma série de teorias da conspiração a respeito daquela região do pantanal e uma espécie de “guerra” entre Ongs ambientalistas.
Em agosto, porém, uma nova análise, feita utilizando imagens de satélite, identificou que o incêndio havia iniciado em um imóvel denominado “Fazendas Penha, Acurizal e Rumo a Oeste”, e não na pousada, conforme apontado anteriormente. A terra fica a 400 metros da Dois Corações, e está sob responsabilidade da Fundação Ecotrópica, tendo como representantes legais Ivanio Martins e Rudimar Zachert
Por isso, foi instaurado um novo Inquérito Civil do MPE para investigar a possível responsabilidade da ONG.
No relatório consta ainda que é possível observar que em agosto a área atingida já se encontrava em processo de regeneração natural, com espécies de pequeno porte características do local.
Sobre a fundação
A Ecotrópica - Fundação de Apoio à Vida nos Trópicos - se apresenta em seu site oficial como uma organização não governamental, sem fins lucrativos, instituída em Cuiabá, no Mato Grosso, existindo desde junho de 1989 e delarada de Utilidade Pública Estadual e reconhecida como Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP).
A ONG diz ter como missão "Contribuir para a conservação e preservação dos recursos naturais e a manutenção da qualidade de vida nos ecossistemas tropicais brasileiros", e possuir projetos de proteção da biodiversidade.
O site menciona ainda que a fundação contribui "de forma direta para a recuperação dos efeitos das queimadas severas que afetaram o Pantanal recentemente".
Teoria da conspiração
Conforme noticiado pelo Correio do Estado à época, uma fonte entrou em contato com a reportagem para revelar que as terras onde fica localizada a pousada de Roberto Carlos são de fundamental importância para uma possível exploração e embarque de minérios no Rio Paraguai.
“A Serra do Amolar recebeu essa denominação pela presença abundante de uma pedra muito dura e escura, capaz de amolar facas, enxadas e machados. É minério de ferro”, a frase entre aspas faz parte de uma publicação do site da Ong ambientalista Ecoa, que tem uma espécie de base de estudos próximo à pousada.
Ainda conforme esta mesma publicação “em 1937, passou por lá o alemão Otto Willi Ulrich, a serviço do governo britânico. Suas pesquisas apontaram a presença de minério de ferro com pureza de 56%.” Este alemão teria escrito um livro que “traz o desenho de um mapa com todos o morros da Serra do Amolar. O pesquisador apontou as seguintes porcentagens de peso nos metais encontrados: ferro, 56,3%; manganês, 10,6%; Titanoxydo, 2,2%; cromo, 1%; e Estanho, 0,15%”.
E, inicialmente, segundo a publicação do Ecoa, estes minérios interessavam ao empresário Eike Batista, que é filho de Eliezer Batista, uma espécie de “pai da mineração brasileira”, pois em diferentes períodos comandou a Vale do Rio Doce e foi ministro de Minas e Energia antes e durante o regime militar. Foi ele o principal responsável pela identificação das reservas minerais brasileiras, inclusive as de Corumbá.
Conforme publicação do Ecoa, “em decadência econômico-financeira, Eike está se desfazendo dos seus negócios. Para não perder o controle sobre a reserva, arrendou a propriedade, com opção de compra, para o IHP (Instituto Homem Pantaneiro), que tem como diretor-presidente o coronel reformado Ângelo Rabelo, o “xerife” do Pantanal". Rabelo trabalhou para a EBX durante dois anos como consultor de riscos ambientais”.
Serra do Amolar
A Serra do Amolar está localizada na fronteira do Brasil com a Bolívia, entre Cáceres (MT) e Corumbá (MS). É bem maior que as morrarias que estão sendo exploradas há décadas em Corumbá. Só no ano passado foram retiradas em torno de 8 milhões de toneladas de minério destas morrariras A altitude da Serra do Amolar chega a mil metros e os morros se estendem ao longo de 80 quilômetros.
Nota do IHP
O Instituto Homem Pantaneiro encaminhou ao Correio do Estado, no dia seguinte à veiculação da matéria, uma nota oficial afirmando que não teve responsabilidade no desastre, e reforçando o compromisso de conservar o Pantanal, "buscando medidas eficazes para atuar a favor da proteção da biodiversidade. O registro de incêndio gera graves prejuízos à natureza, econômicos e à saúde das pessoas".
O IHP reforça ainda que não faz manejo de fogo. Leia a nota na íntegra:
"08/10/2024 – Em função de matéria tornada pública nesta data, em que destaca a reabertura de inquérito do Ministério Público de Mato Grosso do Sul (MP: 06.2024.00000170-1) para apurar a AUTORIA de incêndio registrado na região da Serra do Amolar, entre janeiro e fevereiro deste ano, o Instituto Homem Pantaneiro (IHP) tem a segurança técnica em afirmar que não teve responsabilidade neste desastre, o que ficará comprovado nos laudos técnicos e testemunhas do fato citado. Reforça o compromisso de agir a favor da verdade e conservação do Pantanal, buscando medidas eficazes para atuar a favor da proteção da biodiversidade. O registro de incêndio gera graves prejuízos à natureza, econômicos e à saúde das pessoas.
O IHP reafirma que não faz manejo de fogo por si próprio de forma alguma. Além disso, tem atuação na região da Serra do Amolar com a gestão de 5 Reservas Particulares de Patrimônio Natural (RPPN) e que executa com total zelo a gestão das áreas próprias e da Ecotrópica (Fundação de Apoio à Vida nos Trópicos) através de um Termo de Parceria. Para contribuir no trabalho de prevenção e combate a incêndios florestais, o IHP mantém uma brigada permanente nesse território, que atua 12 meses do ano. Além disso, utiliza o sistema Pantera, o mais moderno do mundo, que utiliza inteligência artificial, para identificar - em 3 minutos - locais que mostram o fogo em seu princípio, aumentando a eficácia no tempo de resposta e ampliando as chances de se evitar a propagação das chamas.
O sistema Pantera, por exemplo, atua 24 horas por dia, 7 dias da semana e permite que haja uma identificação de princípio de fogo, com localização geográfica precisa da origem com data e hora, em um tempo de resposta de até 3 minutos, período bem mais breve que os satélites – que demoram mais de 12 horas para informar um registro.
O compromisso do IHP em atuar a favor da conservação, na prevenção e melhoria no combate aos incêndios florestais no Pantanal é permanente. A ocorrência de incêndios no Pantanal, para o IHP e a sociedade, representa em danos de diferentes formas. Por conta dos objetivos que o IHP possui, que é de ser um agente da sociedade civil organizada atuando diretamente pela conservação, e não ser uma entidade fiscalizadora, o trabalho do Instituto acaba tendo também caráter interinstitucional. Por isso mesmo, esse mesmo sistema Pantera teve fornecimento gratuito para uso do Ministério Público Estadual a partir de julho de 2024, bem como para a Polícia Federal, Ibama e Corpo de Bombeiros, como apoio e reforço no trabalho de averiguação da fiscalização.
O incêndio florestal registrado na região da Serra do Amolar, iniciado no final de janeiro de 2024, acabou propagando-se e atingiu uma área de 1.289,67 hectares, conforme mensuração realizada pela Polícia Miltar Ambiental e o MPMS. O caso gerou impacto negativo direto para o IHP, para a sociedade civil, para os cofres públicos, com destruição de vegetação nativa, empenho com ações emergenciais no combate direto por parte da brigada permanente mantida pelo IHP e agentes do Ibama/Prevfogo para evitar que o fogo fosse ainda mais longe, além de engajamento de aeronaves por parte dos Bombeiros de Mato Grosso do Sul para reforçar as ações de combate.
O IHP, gestor das áreas da Ecotrópica, deseja a devida apuração para identificar e responsabilizar a AUTORIA desse fogo, que se transformou em um incêndio florestal. Cabendo ao MPMS, além da Nota Técnica do Núcleo Ambiental do órgão fiscalizador, a devida apuração para identificar se foi um ato criminoso ou acidental. Em tempo, o IHP reforça a urgência das ações de educação ambiental com o intuito de agir de forma preventiva contra os incêndios e o uso racional do fogo."
Matéria atualizada às 9h do dia 9 de outubro para acréscimo da nota do IHP.
Colaborou: Neri Kaspary