Um dos desembargadores do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJMS), afastado de suas funções no esquema de venda de sentenças desbaratado pela Polícia Federal e Receita Federal na Operação Ultima Ratio, nesta quinta-feira (24), atuou para livrar um amigo, procurador de Justiça do Ministério Público de Mato Grosso do Sul, de arcar com até R$ 5 milhões em dívidas na compra de uma fazenda.
Marcos José de Brito Rodrigues, que foi afastado de suas funções e terá de usar tornozeleira eletrônica a partir da data da operação por pelo menos 180 dias, após receber um telefonema do procurador Marcos Antônio Martins Sottoriva, decidiu em favor do amigo em um processo em que o procurador pretendia desistir da compra de uma fazenda em condições vantajosas.
Um detalhe, segundo a Polícia Federal apurou no inquérito, é que a decisão de Brito foi tomada sem sequer ele ter acesso aos autos, sem ler o processo, e ainda foi assinada por seu assessor.
Ao final da decisão, Sottoriva, procurador do MPMS (que atua na segunda instância do Ministério Público), foi bastante cordial com o amigo em retribuição ao favor.
“Graças a Deus e ao seu trabalho... acabamos por fechar um acordo... consegui alongar a dívida em mais uma parcela. Obrigado de coração. Boa Páscoa na bênção de Deus e de seu filho Jesus Cristo”, disse o procurador de Justiça.
O favor
Sottoriva, apesar de ser procurador de Justiça, também é conhecido por ser um grande pecuarista e estava em situação complicada. Ele alegava “onerosidade excessiva” e buscava a resolução de contrato da compra de uma fazenda em 2020.
A compra da fazenda foi indexada ao valor da arroba do boi, que disparou naquele ano, levando o procurador a buscar a Justiça para desfazer o negócio.
O valor da causa era de R$ 5 milhões e, em primeira instância, o procurador de Justiça já não tinha tido sucesso em seu pleito. A outra parte alegava que o desembargador é pecuarista e tinha pleno conhecimento do negócio e da movimentação do mercado, e ainda cobrava segurança jurídica por parte do Tribunal de Justiça.
Derrotado em primeira instância, restou ao procurador interpor um agravo de instrumento, distribuído ao amigo Marcos Brito. Foi então que Sottoriva procurou o desembargador.
“Sem ter acessado os autos, MARCOS BRITO pede a seu assessor MARCELO para providenciar a elaboração de decisão liminar, concedendo os efeitos pretendidos, sem entrar no mérito, e assinar a decisão”, informa a Polícia Federal em seu relato.
Não era pouco o que Sottoriva pretendia:
- 1 - suspensão da exigibilidade das parcelas que ainda venceriam da compra da fazenda pelo procurador de Justiça;
- 2 - a manutenção de Sottoriva na posse da fazenda até a devolução dos valores que pagou;
- 3 - suspensão do pagamento de aluguéis pelo procurador quanto ao imóvel que entregou como parte do pagamento e que continua em sua posse;
- 4 - devolução, ao procurador (pela outra parte), da posse de outros três imóveis que foram entregues como parte do pagamento, ou que a outra parte depositasse os aluguéis em juízo.
Pois Brito atendeu ao colega, sem sequer ler o processo.
“Isso, a nosso ver, leva a uma grave conclusão: o desembargador não acessou os autos, não elaborou a decisão, não a conferiu e nem assinou. Portanto, entendemos que a decisão judicial é nula, sendo que a atuação dele limitou-se a uma ordem a seu assessor que favorece indevidamente um procurador de Justiça”, argumenta a Polícia Federal.
Entenda a operação
A Operação Ultima Ratio foi deflagrada pela Polícia Federal e Receita Federal nesta quinta-feira (24).
Ela resultou no afastamento de cinco desembargadores do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul, todos acusados de integrar um esquema de venda de sentenças (comercialização de decisões judiciais).
A operação ainda tem como alvo ex-desembargadores que atuam como advogados, filhos de desembargador, um conselheiro do Tribunal de Contas de Mato Grosso do Sul e até mesmo a vice-presidente da Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil em Mato Grosso do Sul (OAB-MS).
Veja os envolvidos:
Afastados dos cargos e com tornozeleira eletrônica:
- Sérgio Fernandes Martins - presidente do TJMS
- Sideni Soncini Pimentel - presidente eleito do TJMS (tomaria posse em 2025)
- Vladimir Abreu da Silva - desembargador do TJMS
- Marcos José de Brito Rodrigues - desembargador do TJMS
- Alexandre Bastos - desembargador do TJMS
- Osmar Domingues Jeronymo - conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso do Sul (TCE-MS)
- Danilo Moya Jerônimo - servidor do TJMS
Alvos dos mandados de busca e apreensão:
- Vladimir de Abreu da Silva - desembargador
- Marcus Vinicius Machado Abreu da Silva - advogada, filha do desembargador Vladimir de Abreu
- Ana Carolina Machado Abreu da Silva - advogado, filho do desembargador Vladimir de Abreu
- Julio Roberto Siqueira Cardoso - advogado e desembargador aposentado
- Natacha Neves de Jonas Bastos - servidora do TJMS e ex-assessora do desembargador Julio Siqueira
- Alexandre Aguiar Bastos - desembargador
- Camila Bastos - advogada, filha do desembargador Alexandre Bastos, vice-presidente da OAB-MS
- Sideni Soncini Pimentel - desembargador, futuro presidente do TJMS
- Rodrigo Gonçalves Pimentel - advogado, filho do desembargador Sideni Pimentel
- Renata Gonçalves Pimentel - advogada, filha do desembargador Sideni Pimentel
- Sérgio Fernandes Martins - desembargador, presidente do TJMS
- Divoncir Schreinner Maran - advogado, desembargador aposentado
- Divoncir Schreinner Maran Jr. - advogado, filho de Divoncir Maran
- Diogo Ferreira Rodrigues - advogado, filho do desembargador Marcos José de Brito Rodrigues
- Osmar Domingues Jeronymo - conselheiro do TCE-MS
- Felix Jayme Nunes da Cunha - advogado, apontado como um dos pagadores de propina para os desembargadores
- Everton Barcelos de Souza - sócio de empresa usada em fazenda supostamente “tomada” em esquema de venda de sentenças
- Diego Moya Jerônimo - empresário, envolvido no esquema de venda de sentenças, sobrinho do conselheiro do TCE-MS, Osmar Jeronymo
- Danilo Moya Jerônimo - servidor comissionado do TJMS, sobrinho do conselheiro do TCE-MS, Osmar Jeronymo
- Percival Henrique de Souza Fernandes - médico infectologista, supostamente beneficiado no esquema
- Paulo Afonso de Oliveira - juiz de primeira instância
- Fábio Castro Leandro - advogado e filho do desembargador aposentado Paschoal Carmelo Leandro
- Andreson de Oliveira Gonçalves - lobista, suspeito de ser o elo de esquema de venda de sentenças em MS e cortes em Brasília
- Florais Táxi Aéreo - empresa em Cuiabá
- Mauro Boer - empresário
- Marcos Antônio Martins Sottoriva - procurador de Justiça